Disputa de territórios entre seguranças aumenta tensão na noite do Porto

Anda agitado o submundo da noite do Porto, perdido entre a disputa de territórios ocupados
por seguranças, agressões a clientes dos bares e grupos paralelos que actuam à margem
da lei. Diz-se que "está instalada uma cultura de medo"

Os acontecimentos ocorridos durante o mês de Março voltaram a colocar na agenda mediática a tão discutida e até legislada questão dos seguranças de estabelecimentos de diversão nocturna. E redespertaram receios de episódios antigos. Há precisamente oito dias, pelas 11h00, um segurança assassinou outro a tiro na marginal do Douro, depois de uma rixa iniciada no bar Maré Alta. Duas semanas antes, a 8 de Março, dois encapuzados invadiram o Club Zoo, a escassos 50 metros do Maré Alta, também na marginal, disparam um tiro que partiu um vidro, atiraram um cocktail molotov e perguntaram pelos "seguranças" da casa. Por sorte ou inépcia, o engenho não explodiu."São os mais visíveis, mas há mais, infelizmente. Há muitos clientes agredidos em bares por seguranças com medo de apresentar queixa", sustenta o presidente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto (ABZHP), António Fonseca. Já em Lisboa, a Polícia Judiciária (PJ) deteve esta semana um segurança de 26 anos, suspeito de a 17 de Fevereiro ter agredido até à morte um estrangeiro de 36 anos.
Os receios, as versões e as histórias vividas ou testemunhadas pela população do Porto animam as conversas de cafés e de paragens de autocarro da cidade. "Está instalada uma cultura de medo que só é nociva para quem trabalha com seriedade", lamenta Fonseca. Por isso, a ABZHP reforça o apelo de maior fiscalização e aconselha qualquer pessoa a denunciar de imediato qualquer agressão, "ou tentativa de agressão", cometida por seguranças. Até porque, realça, há ainda muitos bares que recorrem a "vigilantes clandestinos", quando a legislação obriga os seguranças a estarem certificados pelo Ministério da Administração Interna (ver caixa ao lado).
Todos os proprietários de bares do Porto que foram contactados pelo PÚBLICO garantem dispor de detectores de metais, sistema de videovigilância, e aceitarem apenas "vigilantes" certificados e "nunca" armados de pistola - apesar de se terem sucedido casos de disparos efectuados por pessoas que têm esta ocupação.
Edgar Martins, gerente do bar/discoteca Maré Alta, onde começou a escaramuça de domingo passado, assegura que tanto os dois porteiros como os dois vigilantes estão certificados. "Violência só em casos extremos, a prática é convencer e acalmar o cliente ou chamar a polícia", defende. No entanto, uma fonte da PSP garantiu que a corporação tem conhecimento de grupos paralelos, que actuam à margem da lei. "Difícil é detectá-los", lamentou.
A questão levou mesmo o criminólogo e ex-agente da PJ Moita Flores a sublinhar que "os indivíduos são recrutados em ginásios, têm uma cultura de violência, desconhecem os direitos, as liberdades e garantias dos cidadãos e não sabem como actuar no terreno".

Empresários da noite ameaçados
Por norma, a carreira de segurança começa espontaneamente num ginásio de musculação ou de boxe - tanto a vítima mortal como o alegado autor do disparo fatal do crime ocorrido no domingo passado praticavam a modalidade. "Começam por aí os primeiros contactos, ganham corpo, ficam agressivos, oferecem-se a discotecas", diz a mesma fonte da PSP.
Para o presidente da ABZHP, haverá "tantos ou mais" seguranças clandestinos quanto legalizados. "E há muitos problemas por disputa de territórios. Temos conhecimento que há empresários da noite ameaçados por seguranças. Ou os contratam ou sofrem agressões", denuncia António Fonseca.
O "reino dos seguranças", para este dirigente, é um universo onde ainda grassam grupos clandestinos, com "leis" e códigos próprios. Com vinganças e disputas de território. "Quando a tendência é que se dignifique a profissão, oferecendo segurança às pessoas, e não o contrário", adverte.
Em finais da década de 90, a reboque do "massacre" do Mea Culpa, em Amarante, debateu-se a questão, aprovaram-se leis, mas o resultado, nota Fonseca, está "pouco melhor". "Tirando dois ou três casos, tudo o resto é uma selva. Muitas empresas de segurança aproveitam reformados, cadastrados e abastecem-se em clubes de culturismo. É um negócio de vão de escada", dizia, há dois anos, Moita Flores.
De acordo com a "dedução" do presidente da ABZHP, as desavenças entre seguranças prendem-se com disputas de território, havendo grupos que "queriam ter o monopólio de um conjunto de bares".

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