A Unicepe é uma feira do livro diária e "comunidade de afectos" há meio século

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PAULO PIMENTA

Foi um importante centro de resistência à ditadura. Hoje, além de espaço cultural, é uma "comunidade de afectos" com quase sete mil associados, em busca da renovação

A Houve um tempo em que o número 128 da Praça de Carlos Alberto, no Porto, era frequentemente invadido por forças policiais. Apareciam com ou sem mandado, procuravam livros e discos proibidos pelo regime, e confiscavam-nos. Na cidade, sabia-se que aquele espaço, a Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto (Unicepe), era um dos principais centros de resistência e combate ao salazarismo. Sabia-se que quem por lá parava estava disposto a muito em nome da liberdade. Foi essa a bandeira hasteada pelo grupo de estudantes do Porto que, em 1963, fundou a Unicepe. Queriam ter livros mais baratos; ler o que se lia na Europa, o que não chegava a Portugal. E conseguiram. Até ao 25 de Abril de 1974, uma parte das forças de oposição à ditadura, na cidade, congregava-se por ali - e pelo Cineclube do Porto, Árvore ou pelo Teatro Experimental do Porto. Da Unicepe de 63, permanecem hoje quase todos os jovens que a ergueram. Escasseiam os outros - gerações de 70 e 80 -, que, por desconhecimento ou desinteresse, se vão mantendo afastados de projectos culturais como este. A preocupação essencial da Unicepe, única cooperativa do género que subsiste no Porto, não se prende com a escassez de associados - a última contagem revela 6698, apesar de apenas 600 terem as quotas em dia -, mas a verdade é que "são precisos mais jovens, para passar o testemunho", aponta o presidente da cooperativa, Rui Vilar Pinto. Há excepções: "A secretária-geral da Unicepe é uma jovem estudante da Universidade do Porto. Entrou aqui do nada e ofereceu-se para ajudar. Já criou um blogue (http://unicepe.blogspot.com/) e tem sido uma ajuda preciosa", conta, orgulhoso.
Aluna da Faculdade de Letras, Natália Reis acabou por encontrar "mais do que aquilo que esperava" na Unicepe: "Esperava conhecer mais acerca desta área, aprender, ganhar experiência, poder divagar pelos livros à vontade, mas acabei por encontrar pessoas que hoje me são muito queridas". A explicação para o afastamento dos jovens? "Talvez por não verem um retorno que vá ao encontro dos seus interesses. É tudo uma questão de prioridades", acredita a estudante de 20 anos.
O crescimento da academia do Porto, com a criação de novos pólos fora do centro, afastou também muitos clientes. Além disso, depois do 25 de Abril, o livro técnico universitário - que representava mais de metade das vendas da cooperativa - sofreu uma grande quebra: "As faculdades passaram a ter pequenas livrarias técnicas da sua área", explica Rui Vilar Pinto.
No que aos livros e discos diz respeito, existem vantagens inquestionáveis em ser associado da Unicepe: com uma quota anual de 7,5 euros, e a compra inicial de 20 euros de capital, correspondentes a quatro acções da cooperativa, os sócios obtêm uma redução de 20 por cento nas compras (com excepção para os livros do dia), numa espécie de feira do livro permanente. As novidades literárias estão quase todas por lá e, quando assim não é, existe sempre a possibilidade de encomenda.
A Unicepe não se resume aos descontos nos livros. O presidente da cooperativa gosta de dizer que esta "é uma comunidade de afectos" há quase meio século. Quem sobe as escadas de pedra que levam à Unicepe sabe que por lá encontrará sempre mais do que aquilo que está à venda. Os "jantares da amizade", que os associados organizam desde 1996, juntam entre 50 e uma centena de pessoas, na segunda quarta-feira do mês. Na última quarta-feira do mês, o convívio repete-se, nas "noites de poesia e música", uma homenagem a poetas mortos: depois da apresentação do poeta, dez minutos de poesia, uma música, dez minutos de poesia, uma música. E assim sucessivamente, das 21h30 às 23 horas. Sophia de Mello Breyner é a próxima homenageada, no dia 22 de Julho.

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