"Pai" da pílula aceita "todas as formas de casamento"

"Feminista" assumido, o cientista Carl Djerassi pergunta por que razão ainda não foi inventado um contraceptivo oral para os homens

"O sexo e a reprodução não podem ser legislados". Foi desta forma que Carl Djerassi, o cientista que há 55 anos sintetizou o esteróide que deu origem à pílula contraceptiva, respondeu ontem no Porto à pergunta: "Concorda com o casamento entre pessoas do mesmo sexo?". "Posso admitir todas as formas de casamento. Há casamentos heterossexuais que são terríveis e casamentos entre homossexuais que resultam muito bem". O matrimónio entre pessoas do mesmo sexo é "uma decisão individual", considerou. E rematou: "O que é importante é ter pais que amem os filhos".Carl Djerassi - que veio ao Porto assistir à encenação da sua segunda peça, intitulada Oxigénio (ver caixa) - citou números da Organização Mundial de Saúde que dizem que, das cerca de 400 mil gravidezes não-planeadas que ocorrem todos os dias, "150 mil" terminam em abortos. Tudo para concluir que a criança "planeada" e, portanto, "desejada e amada" é a base da família "feliz". Mesmo que esta não seja a família convencional.
Aliás, lembrou, as palavras família e casamento são actualmente "ambíguas". Na "idade da reprodução mecânica", é possível ter filhos sem relações sexuais e haver "gémeos que nascem a dois mil quilómetros de distância". Estas são justamente as questões centrais da sua última peça, intitulada Taboos e que amanhã se estreia em Londres. Uma peça que pretende "levantar questões" e não "dar respostas", frisou o cientista que aos 83 anos continua a gostar de questões polémicas.

Uma questão de "prioridades"
Assumindo-se como um "feminista, tanto quanto um homem o pode ser", Djerassi - que veio pela segunda vez a Portugal (em 2004 esteve em Lisboa para a estreia da sua primeira peça, Este Espermatozóide É Meu!) - aproveitou para pôr em causa o facto de os homens terem inventado já uma pílula para a disfunção eréctil e ainda não terem descoberto uma pílula contraceptiva para o seu sexo. Uma questão de "prioridades", ironizou, perante uma plateia de professores e estudantes do Departamento de Química da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
E voltou a defender que a revolução sexual teria acontecido mesmo sem a pílula, ainda que o contraceptivo oral tenha dado um empurrão. Há outras formas de contracepção, recordou, notando que a separação entre o sexo e a reprodução - "que muita gente acha ameaçadora" - é imparável.
O próprio percurso de Carl Djerassi é tudo menos convencional. Nascido em Viena em Outubro de 1923, mas educado nos Estados Unidos, onde os seus pais se refugiaram em 1938, Djerassi notabilizou-se primeiro como químico e bem mais tarde como escritor. Aos 60 anos começou a escrever romances e, com mais de 70, iniciou-se nas peças de teatro. No género de science in fiction, tem procurado ilustrar o lado humano dos cientistas e os conflitos que estes enfrentam na procura do conhecimento e, sobretudo, do reconhecimento público.
Ontem, explicou o que o levou a abandonar o comportamento clássico dos cientistas que normalmente "não falam para o público em geral" e aventurar-se na dramaturgia. "Galileu escreveu na forma de diálogo. Esta é a forma mais humana de comunicação."

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