Memorial ao Holocausto dos ciganos já existe mas discriminação continua

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O monumento é da autoria do artista israelita Dani Karavan JOHN MACDOUGALL/AFP

Durante muito tempo, nem sequer foi reconhecido o desejo que os nazis tinham de exterminar este povo, tal como os judeus. Hoje, continuam a lutar pelo seu direito à existência

É um pequeno lago no Parque de Tiergarten, no centro de Berlim, ao lado do Parlamento alemão, de águas escuras como o passado que evoca. No centro ergue-se uma única flor, solitária, uma testemunha da desolação que o primeiro memorial ao Holocausto dos ciganos na II Guerra Mundial quer evocar. "A homenagem às vítimas pressupõe também uma promessa, a de proteger uma minoria, um dever de hoje e de amanhã", afirmou Angela Merkel ontem, ao inaugurar o monumento, perante sobreviventes dos campos de concentração nazis.

"Este monumento recorda-nos um povo que durante muito tempo esteve esquecido", disse a chanceler alemã. Na verdade, só em 1982 a República Federal Alemã reconheceu oficialmente o genocídio de pelo menos meio milhão de ciganos nos campos de concentração nazis. O gesto do então chanceler Helmut Schmidt só teve novo fôlego passados 15 anos, em 1997, quando o Presidente Roman Herzog sublinhou, pela primeira vez, que o genocídio dos ciganos nos campos de morte nazis teve as mesmas motivações racistas e desejo de extermínio que moveram os nazis contra os judeus.

Os ciganos foram enviados para campos de trabalhos forçados e, a partir de 1934, sujeitos a esterilizações forçadas, ao abrigo das leis de "pureza racial" nazis. Nos campos de morte, usavam uniformes com um "Z" de Zigeuner (cigano).

A lentidão no reconhecimento do sofrimento dos ciganos como vítimas do Holocausto não reflecte a sua dimensão populacional na Europa actual: são 11 milhões de pessoas, espalhadas por vários países, tanto da Europa Ocidental como de Leste. Formam a maior minoria europeia. Mas são também a minoria mais pobre da Europa, e são alvo de discriminação e racismo. Em particular na Roménia, Bulgária, Hungria e Eslováquia - países da União Europeia.

No discurso de homenagem às vítimas do nazismo, Angela Merkel reconheceu os problemas que continuam a enfrentar os ciganos na Europa actual. "Sofrem ainda hoje discriminação e rejeição, têm ainda hoje de se bater pelos seus direitos. É dever da Alemanha e da Europa apoiá-los", disse a chanceler.

Mas, notavam ontem os jornais alemães nos seus editoriais, entre as palavras bonitas dos políticos e a realpolitik há por vezes um abismo sem uma ponte para o transpor.

A fuga do Leste

A Alemanha, a braços com uma enorme vaga de pedidos de asilo de cidadãos dos Balcãs - a maioria deles de ciganos -, não só recusa a maior parte como é um dos países da UE que está a tentar repor a obrigatoriedade de vistos para entrar na zona Schengen aos naturais dos países balcânicos. Bélgica, França, Luxemburgo, Holanda e Suécia são os restantes países envolvidos neste esforço, além da Alemanha. Esta ideia está na agenda do conselho de ministros de Justiça e Administração Interna da UE esta semana, diz a Reuters.

A fuga ao desemprego crónico e o agravamento da depressão económica fez com que disparassem os níveis de pedidos de asilo desde 2009, quando começou a cair a necessidade de visto para entrar no espaço Schengen. A maioria dos que chegam à Alemanha são ciganos sérvios, dos 250 mil a 500 mil que vivem naquele país, muitas vezes à margem da sociedade. Se a taxa de desemprego na Sérvia ronda os 25%, é ainda mais alta para os ciganos.

Tentam escapar aos bairros de lata com casas literalmente de cartão e lata, diz a Reuters. "O objectivo deles é sobreviver ao Inverno", comenta Zoran Sajikovic, membro da autarquia da cidade de Leskovac, na Sérvia, também ele cigano. Enquanto esperam uma decisão sobre o seu pedido de asilo, o Estado alemão dá-lhes residência, alimentação e cerca de 350 euros por mês. Bem mais que os 160 euros que ganha na Sérvia o professor de 36 anos Arsim Memishi, que no ano passado tentou pedir asilo na Alemanha.

A Alemanha já sinalizou a sua vontade em deixar de ser tão generosa com os pedidos de asilo da Europa de Leste - onde, aliás, o racismo em relação aos ciganos está em crescendo, ajudado pela crise económica. Na Hungria, o partido de extrema-direita Jobbik, com representação parlamentar, apela à tolerância zero contra aquilo a que chama o "crime e parasitismo" da comunidade cigana. Mas na Roménia, na Bulgária e na Eslováquia os casos de racismo e discriminação são igualmente comuns. E os ciganos são normalmente os mais pobres dos pobres.

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