Os mil e um estilos de Adès

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Thomas Adès

A Gulbenkian tirou o "retrato" a Thomas Adès: três concertos (mais um com o mesmo programa) que dirigiu como maestro, todos incluindo obras que ele próprio compôs, e dois filmes (Powder her Face, de 1995, adaptando a sua ópera de câmara, e The Tempest, numa produção londrina da Royal Opera House). Thomas Adès esquiva-se a classificações rápidas. Compositor ecléctico, pianista, maestro com experiência à frente de grandes orquestras, Adès tem uma produção de qualidade muito oscilante e de uma impressionante variedade estilística. Esse é o primeiro traço que salta à vista: Adès parece fazer o que bem entende, surge como um compositor "livre", que pode praticar várias estéticas, estilos e formas em simultâneo. Por vezes até dentro de uma mesma peça.

Detenhamo-nos nos três concertos da Gulbenkian, com a sala quase cheia em todos eles. Concertos que dão uma boa imagem desta variedade, mas põem a nu também as suas fraquezas. Nos primeiros concertos, os espectadores tiveram a sorte de ouvir a fabulosa Chamber Orchestra of Europe. E ouvimos logo a começar uma composição de Adès: uma reescrita de Couperin, com um início interessante citando o gesto barroco, mas revelando-se depois uma peça simplesmente oportunista e que pouco acrescenta a Couperin. Por que terá este inglês um fascínio pela França do Antigo Regime? Um estranho começo, oscilando entre o pós-moderno e o neobarroco. Mas com uma orquestra daquelas e músicos incríveis é possível dar a volta a um concerto. Toby Spence cantou muito bem Les nuits d"étede Berlioz e o violinista Pekka Kuusisto foi brilhante a tocar o dificílimo Concerto para violinode Adès (de 2005), que revela outros traços mais interessantes mas ambíguos do compositor: entre tradicionalismo (na forma global e no dispositivo "clássico") e modernismo (no som), mas sem esconder uma nostalgia pelo século XIX. Neste concerto para violino mostra-se amigo da obra de arte orgânica, isto é, pensando a música como se fosse um organismo vivo. Como se fosse natureza. Mas a arte não é natureza, é artifício, e o autor de Powder her Facesabe-o bem (ópera kitsche de permanente e excessivo prazer do "ridículo"). Adès tem o seu lado camp, como dizem os ingleses.

Mas também sabe ser sério. Como maestro, dirigiu de forma excelente a 6.ª sinfonia de Sibelius (no dia 19) e fez uma espantosa 6.ª sinfonia de Beethoven (no dia 22) com a mesma extraordinária Chamber Orchestra of Europe. No mesmo dia do Beethoven, propôs um concerto para piano (de 2008) intitulado In Seven Days, obra grande e ambiciosa (e cheia de pretensões) sobre a "Criação", com projecção vídeo. Muita parra e pouca uva, na verdade. O poliestilismo pode tornar-se entediante: um bocadinho de minimalismo, uma pitada de dodecafonismo, vídeo para estar na moda e impressionar o público, que assim se julgará contemporâneo por uns instantes. Mais uma vez sentiu-se a tendência para tentar agradar a gregos e troianos desta fase mais recente da sua produção, sem dúvida menos interessante se a compararmos com uma obra mais consistente e inteligente, Asyla, de 1997, que ouvimos bem tocada pela Orquestra Gulbenkian (no dia 27), apesar da orquestra se ter visto às aranhas nalgumas passagens com ritmos sobrepostos. Mas logo depois da riqueza de Asyla (sempre amiga do poliestilismo, mas capaz de sonoridades e forças a que não se fica indiferente), voltamos à pasmaceira de Polaris: Voyage for Orchestra (2010) que na verdade não passa de uma peça revivalista e muito pobre harmónica e timbricamente. É certo que não a vimos com um outro vídeo de Tal Rosner que a acompanha, que talvez nos atire para as estrelas de outra forma. Felizmente, a terminar o último concerto, ouviu-se a Sinfonia Fantástica de Berlioz que, depois de pequenos deslizes iniciais, fez brilhar uma Orquestra Gulbenkian confiante, merecendo um longo aplauso de pé para terminar. Fica um retrato curioso mas contraditório (com muito boas interpretações) da grande estrela da composição inglesa actual. Para onde vai ele a seguir?

Pedro Boléo

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