"A América está sob ataque": o dia em que quatro aviões levantaram voo com destino ao impensável

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O voo 11 da American Airlines choca contra a Torre Norte do WTC. O avião leva 86 pessoas a bordo. Começa o ataque STAN HONDA/AFP

O Presidente George W. Bush chamou-lhe "o Pearl Harbor do século XXI". A Al-Qaeda atingia o coração da América e, durante horas, a nação mais poderosa do mundo ficou petrificada pelas imagens da devastação e pelo medo que outros aviões se transformassem em mísseis

Na manhã do dia 11 de Setembro de 2001, uma terça-feira de sol, dia internacional da Paz no calendário oficial das Nações Unidas, havia 4546 voos comerciais nos céus dos Estados Unidos. Inesperadamente, quatro desses aviões converteram-se em bombas e expuseram ao mundo a vulnerabilidade da América.

O voo 11 da American Airlines, um Boeing 767 que descolou do aeroporto de Boston em direcção a Los Angeles com 86 passageiros a bordo, chocou contra a Torre Norte do World Trade Center de Nova Iorque, às 8h46. Aos comandos seguia Mohammed Atta, um egípcio radicado na Alemanha que fora recrutado pela Al-Qaeda para liderar uma "operação com aviões" contra a América.

Era o princípio do ataque - o "Pearl Harbor do século XXI", como afirmou o Presidente George W. Bush, ao fim do dia, após anunciar que os EUA tinham iniciado uma nova "guerra global contra o terrorismo".

Poucos minutos depois, a segunda investida. Às 9h03, a Torre Sul foi atingida pelo voo 175 da United Airlines. Tinha sido desviado da rota Boston/Los Angeles por outros cinco operacionais formados nos campos de treino da Al-Qaeda no Afeganistão, três sauditas e dois homens dos Emirados Árabes Unidos.

Depois, às 9h37, o voo American Airlines 77, que voava de Washington para Los Angeles, mergulhou sobre o Pentágono. Entrou por uma fachada da zona oeste do edifício, perfurando o anel E. Os terroristas seguiram à risca o guião ensaiado: quatro deles atacaram o pessoal de bordo e mantiveram os passageiros reféns enquanto um piloto assumiu o comando do avião.

Só o United 93, que partiu com 42 minutos de atraso do aeroporto de Newark para aterrar em São Francisco, não chegou a cumprir a "missão" e atingir o alvo, que se pensa fosse o edifício do Capitólio (outra hipótese menos considerada era a Casa Branca). Às 10h03, a aeronave despenhou-se num descampado de Shanksville, Pensilvânia, depois dos passageiros, que já sabiam dos outros ataques, terem decidido enfrentar os piratas do ar.

Os 19 homens responsáveis pelo terror estavam - legalmente - há vários meses nos Estados Unidos. Khalid al-Mihdar e Nawaf al-Hazmi instalaram-se na Califórnia em Janeiro de 2000; Mohammed Atta, Marwan al-Shehhi e Ziad Jarrah chegaram cinco meses mais tarde, para a Florida, onde tiveram aulas de voo na Huffman Aviation e obtiveram o brevet de piloto. O saudita Hani Hanjour, que estudara em universidades do Arizona e da Califórnia nos anos 90, reentrou no país em Dezembro de 2000 - um ano antes tinha conseguido o certificado de piloto.

Atta, o líder, embarcou antes das seis horas da manhã do Maine para Boston, de onde partia o voo que tinha planeado desviar. Nem ele nem nenhum dos outros 18 terroristas tiveram qualquer dificuldade em ultrapassar a segurança dos aeroportos, presumivelmente carregando facas, bombas e outras armas escondidas na bagagem. Tinham bilhetes de primeira classe e executiva.

A operação a bordo do voo da American Airlines começou 14 minutos depois da descolagem, quando o pessoal de bordo se preparava para servir bebidas. Atta e os seus cúmplices atacaram os pilotos e assumiram o controlo da aeronave, alterando a rota para Nova Iorque. O curso do rio Hudson serviu para os orientar até à ponta da ilha de Manhattan.

A violência do ataque é patente no relato de Betty Ong, uma das assistentes de bordo que conseguiu comunicar à companhia os acontecimentos dentro do avião. "Há pessoas esfaqueadas na primeira classe, passageiros e o nosso comissário de bordo. É impossível respirar na executiva, foi borrifada com mace ou outro gás qualquer. Não conseguimos chegar ao cockpit, a porta foi fechada. Acho que isto é um sequestro", reportou, num tom impressionantemente calmo.

Minutos mais tarde, a voz de Atta chega à torre de controlo de Boston, que tentava sem sucesso comunicar com o comandante. "Temos alguns aviões. Estejam quietos, não façam nada e ficarão OK." A mensagem, descobre-se depois, destinava-se aos passageiros reunidos na parte traseira da aeronave.

A bordo do United 175, Brian Sweeney, residente em Barnstable, Massachusetts, deixou uma mensagem à mulher, Julia, no atendedor de casa e ligou ao amigo Jules. "Sou o Brian. O meu avião foi desviado e a situação não parece nada boa", informou. "Se tudo correr bem, voltaremos a falar mais tarde. Se não, espero que tenhas uma boa vida", desejou. Nessa altura, o avião já tinha cruzado a fronteira do estado de Nova Iorque e precipitava-se, inexoravelmente, para o World Trade Center.

Bush é avisado

Assim que o segundo avião bate contra a torre, Andrew Card, o chefe de gabinete do Presidente, aproxima-se discretamente de George W. Bush e sussurra-lhe ao ouvido que "a América está sob ataque". O olhar de Bush - sentado à frente de uma plateia de 16 crianças de sete e oito anos numa escola de Sarasota, na Florida - petrifica. Mas o Presidente não denuncia o choque; prossegue com a leitura da história "A cabra de estimação" por mais sete minutos, elogia os alunos e termina a sessão. É imediatamente engolido pela equipa da Casa Branca: os primeiros telefonemas são feitos da biblioteca da escola Emma E. Booker; Bush falou rapidamente com o vice-presidente, Dick Cheney; a conselheira nacional de Segurança, Condoleezza Rice; o chefe do FBI, Robert Mueller; e o governador de Nova Iorque, George Pataki.

Antes de embarcar no Air Force One, improvisa uma primeira declaração. "Hoje confrontamo-nos com uma tragédia nacional", diz Bush. "Dois aviões embateram contra o World Trade Center num aparente ataque terrorista ao nosso país. É um momento difícil para a América. Vamos perseguir os responsáveis. O terrorismo contra o nosso país não prevalecerá", promete.

Em Washington, o vice-presidente, Dick Cheney, já tinha sido levado pelos serviços secretos para o Presidential Emergency Operations Center, um bunker construído por baixo da Casa Branca durante a Guerra Fria. Cheney dá, por duas vezes, ordem para a Força Aérea abater qualquer avião "suspeito": os que não responderem a comunicações de terra ou estejam a desviar-se da rota não poderão prosseguir voo. "Disse-o sem qualquer hesitação", confessou agora Cheney no seu livro de memórias.

Donald Rumsfeld, secretário da Defesa, mantém-se no Pentágono. Aí, a destruição é circunscrita a um único bloco exterior. Como muitos outros dentro do edifício (que num dia normal pode comportar 24 mil pessoas), Patrick Smith, um funcionário civil do Exército americano, estava pregado ao chão em frente à televisão, incrédulo com os eventos em Nova Iorque, quando o Pentágono foi atingido.

"A parede em frente a mim começou a curvar, formando uma espécie de saliência para dentro, ao mesmo tempo que todas as placas do tecto começaram a cair, os fios todos expostos. Depois ficou tudo às escuras e, provavelmente um segundo mais tarde, uma bola de fogo gigante atravessou a parede", recordou à Reuters.

Smith atirou-se para o chão e rastejou para longe das chamas. Agarrou a mão de uma colega ferida e arrastou-a com ele. Tinha queimaduras de segundo grau e a pele já estava a descascar no rosto, mas conseguiu puxá-la para um corredor, onde foram socorridos. Outras pessoas na mesma sala não conseguiram escapar. "Nunca mais esquecerei a imagem de uma outra colega completamente a arder", confessa. O ataque fez 184 vítimas mortais.

A bordo do voo United 93, cerca de meia hora após a descolagem, o microfone transmite uma voz aos gritos a dizer "Saiam daqui!". Chamadas feitas pelos passageiros dão uma ideia do que se passou. Quatro homens, que falavam em árabe entre si e usavam lenços vermelhos na cabeça, levantaram-se do lugar empunhando facas e um dispositivo que disseram ser uma bomba. Mataram um passageiro, lançaram-se sobre o cockpit e obrigaram toda a gente, incluindo o piloto, a mudar-se para as últimas filas do avião.

Mark Bingham, um executivo e jogador de râguebi de 1,90 m e 100 quilos, fala com a mãe, uma antiga hospedeira, pelo telefone. Conta-lhe que o voo foi sequestrado e diz que os passageiros decidiram lutar contra os piratas do ar. A mãe confirma que é uma missão suicida, e pede para fazerem os possíveis para gorar os planos dos terroristas.

Nunca se saberá exactamente o que Mark e outros fizeram. Às 10h03, o Boeing 757 despenha-se próximo de Shanksville, uma localidade de 250 habitantes. Rick King, um dos bombeiros voluntários, estava a ver na televisão as Torres Gémeas a arder quando ouviu a explosão, a cerca de cinco quilómetros. "Aqui só temos campos de milho. Não há nenhum monumento, nenhum símbolo ao capitalismo ou militarismo americano. Era óbvio que a intenção não era que o avião caísse aqui...", disse ao Washington Post.

No ar, o piloto do avião presidencial recebe instruções para evitar Washington. O Presidente é levado para "local seguro", aterrando primeiro numa base militar do estado de Luisiana - ao fim da manhã, faz uma outra declaração, de 219 palavras, transmitida pela televisão com delay para não denunciar a sua posição geográfica - e em seguida voa para uma "localização secreta" no Nevada.

Um país paralisado

Em Nova Iorque, as autoridades accionaram todos os planos de emergência e convocaram todos os meios disponíveis para o local do ataque, o "ground zero" na gíria militar. Mais de dois mil polícias são mobilizados para o World Trade Center. Há oito companhias de bombeiros a combater as chamas, mas pouco podem fazer. O trânsito é desviado de todas as pontes e túneis de acesso a Manhattan e a entrada na cidade é fechada. Várias companhias aéreas (a primeira das quais a United) cancelam todas as descolagens.

O avião pilotado por Atta entrou pela torre Norte entre os pisos 94 e 98, apanhando cerca de 1400 pessoas. A corretora Cantor Fitzgerald, que ocupa os andares 101 a 105, perde 658 funcionários. Um piso abaixo, na consultora de investimentos Marsh Inc, morrem 345 pessoas. Outras companhias financeiras, como a Fred Alger Management e a Carr Futures, têm escritórios na zona de impacto: mais de cem funcionários que já tinham entrado àquela hora morrem imediatamente.

O fumo, fogo e temperaturas escaldantes transformam-se num inferno para as pessoas presas nos pisos cimeiros do edifício. Minutos depois do choque do avião, a população assiste horrorizada ao trágico espectáculo de 200 pessoas a mergulhar para a morte - uma delas cai sobre um bombeiro no passeio, que também morre.

Milhares de pessoas que já estavam na Torre Sul ensaiaram a fuga assim que o prédio vizinho foi atacado. "Aqui dentro estão seguros, não há necessidade de evacuar o edifício", ouviu-se nos altifalantes. Mas um minuto antes do segundo embate, a mensagem é revista: "Podem iniciar uma evacuação ordeira."

Centenas de trabalhadores sentiram o impacto do avião enquanto desciam as escadas de emergência: o voo 175 abalroou os andares 77 a 85, e a vibração causada foi equivalente a um tremor de terra de magnitude 1. Peças do avião, incluindo um dos motores, são projectadas e caem a mais de seis quarteirões de distância.

Em choque, a nação toma medidas sem precedentes. Por todo o país são accionados planos de emergência máxima. A bolsa de Nova Iorque encerra às 9h32. Às 9h45, os edifícios do Congresso e a Casa Branca são totalmente esvaziados. Na capital, a ordem é estendida aos departamentos de Estado e de Justiça, à sede do FBI e ao Banco Mundial. O mesmo acontece no edifício das Nações Unidas, em Nova Iorque.

Em todas as cidades onde existem arranha-céus é dada ordem de evacuação. As principais atracções turísticas, como o "Liberty Bell" de Filadélfia ou os parques temáticos da Disney, são encerradas.

Rumsfeld eleva o alerta de ameaça para o nível máximo Delta e muda a prontidão defensiva dos Estados Unidos para o estado DefCon3 (que fora convocado pela última vez em 1973, durante a guerra israelo-árabe). Todos os postos militares no estrangeiro recebem ordens para neutralizar qualquer ameaça.

O secretário da Defesa também dá ordens para investigar provas do envolvimento do Iraque nos ataques. "Precisamos de actuar rapidamente. Quero informação para saber se podemos atingir Saddam Hussein", exigiu Rumsfeld, de acordo com as notas de um dos directores políticos do Pentágono, Stephen Cambone, tornadas públicas anos mais tarde.

Do bunker da Casa Branca, o secretário dos Transportes, Norman Mineta, grita para o centro de operações da Federal Aviation Administration, responsável pelo tráfego aéreo dos Estados Unidos: "Quero o raio dos aviões todos no chão!" Minutos depois das dez da manhã, todos os aviões recebem ordem para aterrar no aeroporto mais próximo. Os aviões em rota para o território americano são desviados para o Canadá (que uma hora depois também encerrará todos os aeroportos).

As torres desabam

Depois de arder durante 56 minutos, às 9h59 a Torre Sul do World Trade Center colapsa em dez segundos, matando 600 pessoas e espalhando uma nuvem de fumo, pó e detritos em chamas. A Torre Norte cai às 10h28, matando 1400 pessoas. A meio da tarde, um terceiro edifício do World Trade Center, o 7 WTC, acabará por sucumbir sem fazer vítimas. Tinha sido evacuado durante a manhã e ardera lentamente todo o dia, incendiado pelo entulho incandescente projectado dos prédios vizinhos.

Duas horas depois do colapso da segunda torre, 13 bombeiros e um civil emergem dos escombros. Tinham ficado presos numa espécie de alçapão formado por uma caixa de escadas, que os isolou enquanto o edifício se desfazia à sua volta. O tenente Mickey Kross não consegue esconder a felicidade. "Um prédio de 110 andares caiu-nos em cima e eu estou aqui a olhar para o céu", diz.

Depois deles, só outras três pessoas conheceram a mesma alegria: o sargento John McLoughlin e o oficial William Jimeno, do departamento de polícia da Port Authority, são localizados nos escombros mais de 10 horas depois da queda do World Trade Center. A operação de salvamento de Jimeno demora 13 horas; a de McLoughlin dura 22 horas - e a sua recuperação implicará seis semanas de coma e 27 cirurgias. Genelle Guzman-McMillan, uma funcionária da Port Authority que trabalhava no 64.º piso da Torre Norte, é a última pessoa a sair com vida do buraco outrora ocupado pelo World Trade Center. Foi resgatada no dia 12 de Setembro, 27 horas depois de os arranha-céus terem desabado.

O ataque às Torres Gémeas matou 2823 pessoas, de 90 nacionalidades, 343 bombeiros e 60 polícias. Calcula-se que pelo menos 10 mil (estima-se que àquela hora estariam 14 mil pessoas no World Trade Center) tenham conseguido escapar. Mais de seis mil foram assistidas nos hospitais.

Às 11 horas, o mayor Rudy Giuliani determina a evacuação da parte baixa de Manhattan, para sul de Canal Street. Um milhão de residentes sai da cidade - alguns demorarão mais de um mês até poder voltar a casa. As pontes para Brooklyn tornam-se vias de um único sentido, como as auto-estradas que escoam a população para longe do terror.

Mas à ponta sul da ilha continuam a chegar centenas de pessoas para as operações de salvamento: enfermeiros e médicos, soldados, trabalhadores da construção civil. As fileiras continuarão a ser engrossadas nos dias seguintes por centenas de voluntários que vasculham primeiro por sobreviventes e depois pelos restos mortais das vítimas; que colaboram na limpeza ou preparam refeições para quem não pára de trabalhar.

A primeira reunião do Conselho Nacional de Segurança acontece por volta das 15h30. O director da CIA, George Tenet, comunica que é convicção dos serviços secretos que Osama Bin Laden e a Al-Qaeda são responsáveis pelos atentados: nenhuma outra organização no mundo teria capacidade operacional para levar a cabo um ataque como este, argumenta. Além disso, os manifestos dos voos desviados tinham revelado nomes conhecidos da CIA e do FBI - por exemplo Khalid al-Midhar, que tinha sido identificado em 2000 numa reunião na Malásia com um membro da Al-Qaeda alegadamente envolvido no bombardeamento do navio USS Cole, ao largo do Iémen.

Ao final da tarde, Bush volta à Casa Branca. Às 20h30, fala ao país. "Hoje, os nossos concidadãos, o nosso modo de vida e a nossa liberdade foram atingidos numa série de actos de terrorismo deliberados e mortíferos. Estes actos de assassínio em série pretendiam aterrorizar o país e mergulhar a nação no caos. Mas falharam: a América é forte", declarou.

Bush anunciou que o Governo continuaria a executar todas as suas funções. "Amanhã estaremos abertos, como de costume", sublinhou, acrescentando que "todos os recursos" estavam a ser utilizados na busca dos responsáveis pelos atentados. "Não faremos qualquer distinção entre os terroristas que cometeram estes actos e quem lhes dá abrigo", avisou.

O dia amanhecera brilhante, o sol reflectido nas fachadas envidraçadas do World Trade Center, a temperatura a querer fazer perdurar o Verão até ao Outono. Com o sol posto, o cenário no Ground Zero é pós-apocalíptico. Focos iluminam uma gigantesca carcaça de ferro retorcido. As ruas estão cobertas por uma capa cinzenta de cinzas, entulho, lixo, devastação. "Foi o Pearl Harbor do século XXI", ditou Bush para os compêndios da História, antes de se deitar.

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