O meu pai foi para Tchernobil sem protecção

Uma chamada acordou a minha família em Kiev, na Ucrânia, às primeiras horas de sábado, 26 de Abril de 1986. Como sabem, chamadas destas nunca são bom sinal. Do outro lado, alguém dizia ao meu pai, major e conferencista da Academia da Polícia da Ucrânia, que fora accionado o alerta de emergência e que todos deveriam ir para o quartel-general.

O comandante informou então que tinha havido um grande acidente na central nuclear de Tchernobil, aproximadamente a 110 quilómetros de Kiev. O meu pai e todos os outros foram enviados para lá para ajudar a retirar a população. Ficaram em Tchernobil durante três dias e três noites sem qualquer protecção, nem mesmo uma máscara.

No primeiro dia, enquanto o meu pai estava longe e tentávamos perceber o que se passara, uma familiar ligou-nos. Ela era do género que sabia todos os mexericos da terra. "Fechem as janelas, não saiam de casa e armazenem água", dizia ela.

Não havia maneira de saber que as nossas velhas janelas de madeira não tinham qualquer utilidade contra a radiação e que a água estava já contaminada. Nos dias seguintes, surgiram algumas recomendações oficiais: lavar o calçado antes de entrar em casa, tomar um duche e lavar o cabelo de cada vez que se saísse de casa, mudar frequentemente de roupa e, claro, manter as janelas fechadas.

À noite, podíamos ouvir os camiões de água a lavar as ruas da radiação. Com as mangueiras iriam depois às paredes e janelas dos apartamentos, o mais alto que pudessem.

Nos primeiros dias de Maio, outro rumor chegou à cidade: "Levem os vossos filhos daqui o mais depressa possível." Foi então que o verdadeiro pânico se instalou.

As pessoas, que tentavam lidar com a incerteza e o medo nos primeiros dias e semanas após o acidente, inventaram dezenas de "anedotas de Tchernobil". A minha mãe, jornalista soviética, apontava-as num bloco de notas com uma bandeira vermelha na capa: "Qual é a melhor forma de lidar com a radiação, camarada? Enrola-te numa camisa branca e rasteja devagar até ao cemitério mais próximo." "Porquê devagar? Para não criar pânico."

Para controlar o pânico, as autoridades soviéticas - apesar de vigorarem leis secas - tornaram o vodka e o vinho facilmente disponíveis, até em tendas de rua.

Quando soube do desastre de Fukushima, tive um flashback. O Governo japonês cantava o mesmo mantra de emergência "tudo está sob controlo" das autoridades soviéticas de 1986.

Aqui na Ucrânia, conhecemos o sabor do pânico da radiação, mas ultrapassámos isso e continuámos em frente. Por isso, espero que o povo japonês também consiga fazer anedotas, beber um copo de vinho e talvez seguir em frente. Também sei que o custo real de acidentes como este vão para além dos hectares de terra contaminada e das muitas vidas atingidas pelo acidente. Esse custo inclui um medo profundamente enraizado no coração de cada ser humano depois de uma tragédia como esta.

Jornalista do serviço inglês da Rádio Ucrânia Internacional

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