"A luta pela liberdade de expressão é o mais importante combate que hoje temos a travar"

Nascido na então Checoslováquia em 1932, foi, nos anos 60, um dos jovens realizadores da Nova Vaga do cinema checo. Após a invasão soviética de 1968, fixou-se nos EUA, onde se tornou um cineasta de sucesso, tendo conquistado cinco Óscares com "Voando Sobre Um Ninho de Cucos" (1975) e oito com "Amadeus". Diz que não sabe nem quer saber se ainda se sente cineasta checo, mas está a preparar com Václav Havel um filme sobre o Acordo de Munique de 1938, que abriu as portas à invasão da Checoslováquia pela Alemanha nazi. Se há um tema central na sua obra, acha que é o do conflito entre o indivíduo e as instituições que sustentam a moral dominante. E se se lhe pergunta quem são os seus mestres na história do cinema, não hesita: os realizadores das grandes comédias mudas americanas, como Buster Keaton ou Harold LLoyd.

A parte essencial, ou pelo menos a mais extensa, da sua carreira como realizador foi construída nos EUA, e é hoje um cidadão americano. Ainda se sente cineasta checo?

Não sei, e não quero saber, porque não gosto de me psico-analisar. E acho que as pessoas são basicamente as mesmas em qualquer parte do mundo. Mas, claro, não podemos apagar do coração e da cabeça metade da nossa vida.

Mas ainda se mantém em contacto com alguns desses realizadores com os quais protagonizou nos anos 60, antes da invasão soviética, a Nova Vaga do cinema checo, como Jan Nemec ou Jaromir Jires?

Sim, continuo a encontrar-me com Nemec e com outros sempre que vou ao meu país. Sabe, esse foi um tempo afortunado. Com os comunistas, não sentíamos qualquer pressão comercial, mas, em contrapartida, havia uma fortíssima pressão ideológica. Nos EUA é ao contrário. Não há pressão ideológica nenhuma, mas há pressão comercial. Na Checoslováquia dos anos 60 tivemos sorte, porque tinha desaparecido a pressão ideológica e ainda não havia pressão comercial.

Têm surgido notícias de que estará a trabalhar com o ex-presidente Václav Havel num filme sobre o Acordo de Munique de 1938, que permitiu à Alemanha nazi anexar parte da Checoslováquia com o beneplácito das potências ocidentais?

É verdade, mas não é certo que o filme venha a ser realizado, porque ainda não conseguimos arranjar dinheiro.

Sentiu o desejo de regressar às suas origens - históricas e pessoais - um pouco como Roman Polanski o terá querido fazer com "O Pianista"?

O Acordo de Munique deixou muitas marcas, afectou muitas vidas, no que era então a Checoslováquia. Provocou tragédias. Sim, senti-me na obrigação nostálgica de contar essa história. Mas para já é apenas um projecto.

Entre 1964 e 1967 realizou, no seu país natal, 5 filmes para cinema e um telefilme. Se olharmos para a sua carreira fora da Checoslováquia, em mais de 30 anos - desde "Taking off", em 1971, até "O Fantasma de Goya", em 2006 - dirigiu apenas nove. A produtividade dos anos 60 explica-se pela energia juvenil? É mais difícil fazer filmes nos EUA?

Quando se envelhece abranda-se. Mas também há outra explicação. Quatro ou cinco projectos que tinha desmoronaram-se. Por diferentes razões, algumas delas de ordem financeira. E para se fazer um filme é preciso arranjar um argumento, desenvolver a história, preparar tudo para a rodagem e, finalmente, filmar e montar. São dois anos de vida. De modo que, com esses projectos que caíram no último momento, foram dez anos a que disse adeus.

Em 1975, quando fez "Voando Sobre Um Ninho de Cucos", embora já vivesse há alguns anos nos EUA, ainda seria visto como alguém que viera da Checoslováquia. Acha que isso levou a que o filme fosse visto como uma crítica aos regimes repressivos de tipo soviético? E era isso que pretendia, ou quis propor uma metáfora de alcance mais vasto?

É uma metáfora que serve para qualquer sociedade repressiva. Ou, se quiser, é um filme sobre o mais antigo conflito da humanidade, o que opõe o indivíduo à instituição. São os indivíduos que criam as instituições, para estas os ajudarem, para os servirem, mas a instituição começa lentamente a comportar-se como se mandasse em nós, como se devêssemos ser nós a obdecer-lhe, a servi-la.

Acha que, a haver um fio condutor na sua obra, ele poderia ser encontrado aí, nessa ideia de transgressão, de combate entre o indivíduo e a moral dominante?

Sem dúvida. Essas são as pessoas que me interessam, as que desafiam o "status quo". Acho que a luta pela liberdade de expressão é o mais importante combate que hoje temos a travar.

É um tema recorrente na história do cinema americano.

Pois é.

Quando se fala em Milos Forman, a maior parte das pessoas pensará em "Voando Sobre Um Ninho de Cucos" e "Amadeus". Nesse mesmo período, realizou "Ragtime". Não acha que esse fime foi bastante subestimado?

Não vou ser eu a julgá-lo, mas o que posso dizer é que sinto orgulho em ter feito esse filme.

E em ter podido trabalhar com James Cagney?

Claro. Com o grande James Cagney.

Teve problemas na Checoslováquia com "O Baile do Bombeiros", visto como uma sátira desrespeitosa a esses profissionais. Em "Ragtime", o homem que destrói o carro do protagonista - um pianista negro - é um bombeiro racista. Tem problemas com bombeiros?

Eu? Eu não. Antes de mais, "O Baile dos Bombeiros" era uma metáfora daquela sociedade. E o bombeiro de "Ragtime" foi criado por Doctorow [o filme é baseado no romance de E. L. Doctorow]. É apenas uma coincidência.

Acha que "Valmont" foi prejudicado por ter aparecido logo a seguir a "Ligações Perigosas" de Stephen Frears, baseado no mesmo romance de Choderlos de Laclos?

Claro que foi. Sabe como é, o público não quer voltar a ver a mesma história. Mas estou muito contente com o filme.

Quais são os seus mestres, ou os realizadores de que mais gosta, mesmo que não o tenham influenciado particularmente?

Os filmes que nos causam maior impacte são sempre os que vemos na adolescência. Por isso, para mim, os mestres absolutos são os homens da comédia muda americana. Harold Lloyd, Buster Keaton, Laurel e Hardy. Depois também houve esse período maravilhoso do cinema francês de antes da guerra: René Clair, Marcel Carné, Julien Duvivier. E os americanos: Billy Wilder, William Wyler, John Ford. Também me impressionou o neo-realismo italiano: De Sica, De Santis, Lattuada, Germi, toda essa gente.

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