Mad Men, a série entre os negros hábitos e os bons velhos tempos

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É caso para acreditar no hype: Mad Men, que hoje chega à RTP2 depois
da estreia no cabo, é tudo o que se diz. E também é um retrato de transição

a Estilo, substância e homens que precisam desesperadamente (ou não) de ser salvos. E, para o espectador, uma dose de anacronismo. Mad Men é uma série de época - mas no sentido em que é uma viagem no tempo com os pés bem assentes no novo milénio. É como a cena do primeiro episódio em que o ginecologista trata a solteira como uma criança, ameaçando-a com o tau tau de lhe retirar a pílula se ela se portar mal (enquanto a examina, de cigarro na mão) - Mad Men recorda aos espectadores, simultaneamente, negros hábitos e bons velhos tempos. E simboliza a nova era do cabo no audiovisual.Falemos de valores: fumar, beber no local de trabalho, ser racista, fumar, pedir às colegas para se vestirem de forma mais reveladora porque é para enfeitar que lá estão, não acreditar numa vitória eleitoral de John F. Kennedy, fumar mais um bocadinho (mesmo que grávida). Podia ser a receita de um pesadelo para a ASAE ou para a Comissão para a Igualdade. E basta adicionar uma pitada de homofobia, anti-semitismo e puros double standards - eles podem dar facadas no matrimónio, elas só podem dar facadas no lombo que estão a assar para os maridos - e... só resta pedir um wiskey duplo.
De McCarthy aos 60s
Mas Mad Men não é uma montra de vícios, nem uma crítica ao passado pré-politicamente e sanitariamente correcto. Alimentado por uma profunda pesquisa e por um design de produção e guarda-roupa tão eficaz que forçou um comeback de tendências na moda e dos escritores lidos na série, é um retrato do que era a América em 1960. Entre o McCarthyismo e a revolução de costumes. E que tem ressonância no local difuso em que hoje nos encontramos.
Em 1964, Bob Dylan já constatava o óbvio: os tempos estavam a mudar.
Mas não só o valor choque anacrónico nem o look modernista fazem desta série do AMC centrada nos publicitários da Madison Avenue de Manhattan (donde sai o acrónimo Mad Men) o produto consagrado em que se tornou. O criador da série (também produtor executivo e guionista principal), Mathew Weiner, escreveu o guião em 2002 e apresentou-o ao autor de Os Sopranos, David Chase. Chase contratou-o para Os Sopranos, mas a HBO rejeitou Mad Men. O canal de cabo de cinema AMC apanhá-la-ia anos mais tarde.
Na trama há identidades misteriosas (nomeadamente a do protagonista, Don Draper, interpretado por Jon Hamm), dilemas no masculino e feminino, bons diálogos e contenção dramática. E tudo isso, do poder mostrar cigarros a fumegar aos temas fora das fronteiras sanitárias do politicamente correcto, tem um preço.
Nos últimos anos, muito se falou da era dourada da ficção televisiva made in America. Mad Men é uma das duas únicas séries produzidas neste século pelo AMC. E no caso desta série, cuja primeira temporada chega hoje à RTP2 (depois da estreia em 2008 no FoxNext/Meo), o seu palco é também um espelho do espaço crescente do cabo na produção de séries de qualidade com elevados custos de produção: cada episódio custa cerca de 1,7 milhões de euros, quantias que os generalistas americanos estão fervorosamente a tentar cortar dos seus orçamentos.
Os Mad Men têm o charme do Rat Pack, são educados e misóginos, e foram escolhidos por Weiner por serem "uma óptima forma de falar sobre a imagem que temos de nós versus quem somos na realidade. E os publicitários eram as estrelas de rock daquela era", disse ao New York Times. E as mulheres da série são muita coisa: conformistas, pioneiras, belas, inteligentes, familiares ou beatnicks. Não é por acaso que ficaram para o fim.

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