"Eu fico"

A propósito da candidatura de Paulo Portas à câmara municipal de Lisboa, dir-se-ia que o "pensamento único" domina também a comunicação social. Não falo dos saudáveis e crónicos desalinhados, nem sequer dos colunistas reconhecidamente "engagés". Verifico é que, fora destes dois grupos, praticamente todos convergem em torno de um juízo e de uma profecia: o juízo é o de que Paulo Portas não deveria ser candidato; a profecia é a de que, sendo-o, vai seguramente desistir.Não se sendo militante do PSD - nem, porventura, "ex-dirigente do CDS eternamente à espera de um ajuste de contas pessoal" -, é difícil compreender o juízo. Seria necessário demonstrar que Pedro Santana Lopes, tendo chegado muito depois, possui apesar de tudo mais méritos para desempenhar o cargo que se encontra em disputa, ou que a persistência de Paulo Portas pode prejudicar um entendimento mais vasto à direita.Ora quanto aos méritos - que Pedro Santana Lopes terá, certamente -, estamos em jejum: não se sabe por enquanto o que pretende para Lisboa, nem vi ainda ninguém defender a desistência de Paulo Portas com base numa comparação pessoal de capacidades e de competências. O próprio candidato do PSD traçou legitimamente uma estratégia autónoma e tem usado meticulosamente o silêncio quando se trata de saber, antes do seu tempo, que valor pretende acrescentar à gestão do município.Será então que a candidatura de Paulo Portas prejudica um entendimento eleitoral à direita, uma "AD", como vulgarmente se diz? Também tenho as minhas dúvidas. Por um lado, em geral, os editorialistas e comentadores que censuram a candidatura de Paulo Portas são os mesmos que duvidavam da consistência da AD, no tempo de Marcelo Rebelo de Sousa. Como se poderia afirmar que, agora, com o PSD encimado pelas duas figuras que mais se opuseram ao acordo com o CDS, há melhores condições para uma aliança entre os partidos que se situam à direita do PS?Aliás, Durão Barroso encarregou-se recentemente de esclarecer que não é o entendimento futuro entre o PSD e o CDS que se encontra em causa, revelando aquilo que está disposto a oferecer: se, nas próximas legislativas, o PSD obtiver maioria absoluta, governa sózinho; se o não conseguir, tratará de obter um acordo com o CDS. Ora isto não é "AD" nem coisa nenhuma: na hipótese de não ser tomada por uma ofensa, esta proposta é politicamente insignificante. Melhor: se algum efeito útil ela produz, esse é seguramente o de mostrar ao CDS que terá de lutar pelos seus próprios votos se quiser fazer parte de um futuro governo. Mas a comunicação social não se tem limitado a dizer que o presidente do CDS não devia ser candidato, às vezes quase sob a forma de um compromisso editorial insólito. Acha também que Paulo Portas, sendo candidato, vai desistir mais dia menos dia. A tendência é tão forte que, no passado sábado, o editor de política de serviço a um conhecido semanário escreveu, com o intervalo de algumas páginas, que Paulo Portas iria provavelmente desistir, para logo a seguir elogiar a coragem de ter decidido ... continuar. Então, com o novo cartaz, tornaram-se subitamente lógicos: dizem que é estranho um candidato afirmar tão peremptoriamente que fica; parecem incomodados por lhes terem estragado a profecia, ou por assim se frustrar o formato do confronto político que haviam idealizado para Lisboa. Haverá de verificar-se que, por regra, os que mais estranham o novo cartaz do CDS são os que mais apostaram na desistência de Paulo Portas. Quer dizer: são os que mais o tornaram necessário. Mas, por outro lado, tendo sido essa desistência tão anunciada, tendo havido tantas notícias sobre um acordo secreto entre Pedro Santana Lopes e Paulo Portas, ou entre este último e Durão Barroso, haverá nesta "rentrée" algum facto político mais relevante do que a destruição frontal de todos esses mitos? Não será com certeza mais importante a nova estratégia que aconselharam a António Guterres, que faz lembrar a táctica de um antigo treinador da Académica, dos meus tempos de Coimbra, que aparentava mais devoção do que formação: "bola rente à relva e não inventa". Não quero, por outra via, meter a foice em seara alheia, mas também se me afigurou importante o facto - que não vi suficientemente comentado - de Pedro Santana Lopes ter subitamente afirmado que, afinal, gostaria de fazer tudo para que o CDS o apoiasse. Feitas as contas, com efeito, não é só o CDS que pode queixar-se da avareza da proposta do PSD. Diria mesmo mais: importante, realmente importante, parece-me ser a distância que vai do pedido quase gritado por Pedro Santana Lopes à resposta timidamente sussurrada por Durão Barroso. A clarificação vale bem um cartaz. Por todas as razões, eu compreendo Paulo Portas: acho bem que fique e que o anuncie com desassombro.

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