Fernando Rodrigues parou de trabalhar em 2007, por ordem médica, por conta de um burnout severo. Ficou quase 15 anos sem trabalhar. Quando a esposa, Filomena, se reformou em 2021, Fernando olhou para o extracto bancário e percebeu que as duas pensões não chegavam para pagar as contas. Concluiu que não tinha hipótese: teria de voltar a trabalhar. Ainda hoje continua a ser medicado para combater as consequências do burnout e considera que o problema está controlado. Mas confessa que, se não for Filomena a relembrá-lo das refeições, Fernando ainda fica de tal forma absorto no trabalho que nem se lembra de comer.
Para regressar ao activo, começou por assistir a formações, para desenferrujar, se actualizar e conseguir assim aconselhar os clientes da melhor forma. Aos poucos e poucos foi-se reerguendo. Hoje, do escritório da sua casa, faz a contabilidade de quatro trabalhadores independentes — um professor, um jornalista, um formador e um motorista de Uber — e de uma pequena empresa.
Fernando levanta-se todos os dias entre as 4h e as 5h da manhã e vai directo para o escritório trabalhar. A medicação que toma à noite faz com que adormeça cedo, e a esta hora já não consegue pregar mais olho, pelo que aproveita para ser produtivo. Às 7h, Filomena acorda e ambos levam os cães a passear. Depois de tomado o pequeno-almoço, Fernando retoma o trabalho. Pelas 13h, o almoço está pronto, e durante duas horas obriga-se a descansar. “De tarde, vamos outra vez ao ataque até às sete horas da noite.” Recebe 540 euros da pensão de reforma, e do trabalho que hoje desempenha outros 500.
Filomena, 66 anos, também já está reformada, mas continua, sempre que pode, a trabalhar. Despediu-se em 2007 do seu trabalho enquanto técnica de farmácia para cuidar do marido, que precisava de acompanhamento a 100%. Mais tarde, quando voltou a trabalhar, não encontrou emprego na sua área e empregou-se primeiro enquanto técnica de diagnóstico terapêutico e depois como promotora numa empresa de comércio de móveis. Quando a mãe adoeceu, em 2021, decidiu reformar-se antecipadamente para a auxiliar, um ano antes de ter direito à reforma completa. Recebe pouco mais de 700€, e sempre que pode trabalha em part-time numa loja ao pé de casa.
Mesmo com os complementos, é difícil para o casal fazer face às despesas, que aumentaram em quase tudo: nos medicamentos, na alimentação, nos juros da prestação da casa, na água e na luz e nas comunicações. Fernando e Filomena vêem os aumentos anunciados para os pensionistas, que chegarão a partir de Julho, com bons olhos, mas sabem que não lhes darão muito fôlego.
“Antigamente, gastávamos no supermercado por mês entre 250 e 300 euros. Agora, gastamos 400 euros e não compramos o que comprávamos antigamente”, diz Filomena. A qualidade da alimentação diminuiu inequivocamente: menos variedade, menos quantidade, menos carne e peixe. Estão sempre à procura da promoção, do preço mais barato. Tomam o pequeno-almoço e almoçam, mas o jantar é sempre uma sandes, porque outra refeição completa encareceria um orçamento que já está, em muitos meses, pelas costuras.
Os juros da prestação do crédito habitação subiram 80 euros, e as telecomunicações outros 15. Em farmácia gastam por mês cerca de 250 euros, com a medicação crónica de Fernando e a artrite reumatóide de Filomena. “E só compramos o essencial. Devíamos ter sempre um stock em casa, porque de vez em quando os medicamentos esgotam-se.” A medicação é diária e dessa toma depende conseguirem ou não sair de casa. É imperativo que estejam “estabilizados”, explica Fernando.
Há mais de 20 anos que não fazem férias. Não é que não sintam necessidade de descansar e de refrescar os ares, mas “não há hipótese”. Quando Filomena ainda trabalhava, os subsídios de férias e de Natal serviam quase sempre para tratar de assuntos pendentes da casa. Agora então é ainda mais difícil. Antigamente gostavam de de vez em quando ir dar uma voltinha à Ericeira, beber um café ou até tomar o pequeno-almoço ou almoçar fora. Com a conjuntura actual, são raros os meses em que conseguem sequer ir dar uma volta a Cascais. Evitam sair para não gastarem gasolina, e comem quase sempre em casa, que é mais barato. “É uma maneira de conseguirmos que o dinheiro vá esticando um bocadinho”, diz Filomena.
Fernando olha para a conjuntura actual por dois prismas diferentes: pelo de pensionista que se vê obrigado a continuar a trabalhar para conseguir pagar as contas; e pelo de contabilista que toda a vida lidou com as contribuições para a Segurança Social dos seus clientes. Reflecte que é inegável que a vida está cara e que muitos pensionistas recebem pensões muito baixas. Mas justifica: “Nós estamos a receber de acordo com aquilo que descontámos. Eu hoje em dia olho para os meus descontos e bato com a cabeça na parede.” Explica que muitos patrões não se preocupavam com entregar os descontos dos seus trabalhadores em condições, e aos trabalhadores, que muitas vezes recebiam ordenados baixos, também convinha receber mais. “Muitas vezes recebíamos — aqui que ninguém nos ouve — por debaixo da mesa. E hoje pagamos isso”, conclui.
Ainda assim, Fernando e Filomena têm planos para a reforma na verdadeira acepção da palavra, com real (e merecido) descanso. Mas só aos 75 anos, altura em que acabarão de pagar a casa. Até lá, é continuar a trabalhar.