Satisfação laboral na União Europeia em 2021

Fonte: Eurostat
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Em 2021, mais de 197 milhões de trabalhadores na União Europeia foram entrevistados sobre o nível de satisfação laboral. Os dados reunidos pelo Eurostat mostram que 43,8% das pessoas estavam “muito satisfeitas” com a condição profissional.

O indicador da alta satisfação assume diferentes pesos em cada um dos Estados-membros da UE, assim como na Noruega e na Suíça. Malta, Letónia e Suíça são os países onde se registam os valores mais elevados: mais de 65% dos entrevistados estavam “altamente satisfeitos” com o seu emprego.

Em contraste com a média da comunidade europeia, Portugal tem menos de um quarto dos trabalhadores felizes com a sua profissão (21,6%). A maioria respondeu estar “mais ou menos satisfeita”, enquanto 10,6% das pessoas expressaram a sua insatisfação.

Esse valor mostra que Portugal é o país com a menor percentagem de trabalhadores muito satisfeitos quando comparado com os outros países. A vizinha Espanha, por exemplo, ultrapassa a média da UE: mais de metade dos entrevistados (54%) disseram estar altamente satisfeitos.

No indicador da insatisfação, o país volta a surgir nas piores posições. É o segundo da lista com a maior percentagem de trabalhadores insatisfeitos, tendo quase o dobro da média europeia (5,8%). É apenas superado pela Bulgária (11,8%). Por outro lado, a Itália é o país com menor percentagem.

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Portugal tem dos trabalhadores mais insatisfeitos da Europa. Porquê?

Portugal é o país europeu onde os trabalhadores menos se sentem satisfeitos com a situação laboral. A média da União Europeia mostra que quase metade da força trabalhadora (43,8%) está muito satisfeita com o seu trabalho. Em Portugal, a percentagem fica pelos 21,6%.

Em 2021, mais de quatro milhões de pessoas revelaram que trabalhar em Portugal está longe de ser sinónimo de felicidade. Baixos salários, vínculos precários, carga horária excessiva, gestões autoritárias e estagnação profissional estão entre as principais justificações num mercado de trabalho onde poucos se sentem felizes.

No ano em que os institutos nacionais de estatística de cada país realizaram o inquérito da satisfação em contexto profissional, o mundo laboral confrontava-se ainda com o "choque" da pandemia de covid-19. Mas, para Elísio Estanque, a insatisfação na região portuguesa “já era crescente desde a crise e o período da troika”.

O investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra explica que a pandemia fez com que a insatisfação laboral se tenha “agravado significativamente”, uma vez que “aumentou a precariedade e a instabilidade”.

Por seu lado, Ana Isabel Couto, investigadora do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, considera que há um assunto “imune” à questão pandémica e que é um “claro preditor” de um maior ou menor nível de satisfação: os baixos salários.

Salário médio bruto anual em comparação com o nível de satisfação

Em 2021, Portugal tinha o nível mais baixo de satisfação profissional e era o 10.º país com o salário médio bruto anual mais baixo.

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Nota: A amostra conta com 26 países da UE. Os Países Baixos não foram considerados por utilizarem uma metodologia diferente.
Fonte: Eurostat
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Uma “questão de números”

Mas Portugal não é o país que paga os salários mais baixos da União Europeia. O problema, diz Ricardo Paes Mamede, reside também no poder de compra.

“O país tem salários médios que estão na cauda da Europa e o poder aquisitivo é muito baixo. Há países que têm salários médios inferiores em termos nominais, mas os custos de vida também são menores”, esclarece o economista ao reconhecer os salários como “motivo crucial” para a satisfação profissional.

Um “mecanismo político” realçado no relatório da Organização Internacional do Trabalho (Trabalho Digno em Portugal 2008-2018: Da crise à recuperação) é o do salário mínimo. Define um “padrão” salarial no país, e Gabriel Leite Mota considera a sua subida como “positiva”. Mas, novamente, há um problema.

Existem “muitas pessoas a receber o salário mínimo ou pouco acima disso”, alerta o professor de Economia no Instituto Superior de Serviço Social do Porto (ISSSP).

Ainda que reconheça a importância dos salários, o presidente da Associação Empresarial de Portugal observa o cenário noutro sentido.

“Importa realçar o salário líquido. Isto é, após dedução da carga fiscal, que, como bem sabemos, é relativamente elevada em Portugal. Isso tem implicações negativas na atracção e retenção de talento e, certamente, reflecte-se no menor grau de satisfação no trabalho”, afirma Luís Miguel Ribeiro.

Vínculos laborais, horas a mais e chefias

Mas há mais explicações que podem ajudar a entender esta baixa satisfação dos portugueses perante o trabalho, como os vínculos laborais.

“São determinantes. Se uma empresa oferece vínculos precários, não se pode exigir à pessoa que esteja feliz no seu trabalho. Essa condição reforça o sentimento de insatisfação profissional”, avança a investigadora Ana Isabel Couto.

Dez países com maior percentagem de contratos de duração limitada

Mais de 15% dos trabalhadores portugueses tinham contratos com duração limitada em 2021.

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Fonte: Eurostat
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No entanto, para compreender o que afecta a generalidade dos trabalhadores, o economista Ricardo Paes Mamede vê outros “potenciais factores explicativos”, como o “número muito elevado de horas trabalhadas” e a qualidade da gestão.

“Uma das dimensões que os estudos internacionais referem, no caso português, é o enorme défice de competência de gestão de pessoas. Há uma grande incapacidade de ver as organizações como um conjunto de pessoas, em que o bem-estar deve ser respeitado”, sublinha o professor do ISCTE, que diz ver uma “tendência muito expressiva” de gestão em moldes “autoritários e funcionalistas”.

Média de horas semanais de trabalho efectivo em 2021

Em Portugal trabalhou-se, em média, 38 horas semanais. Os Países Baixos foi onde se registou menos horas de trabalho efectivo, e a Grécia onde se trabalhou mais (40 horas por semana).

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Fonte: Eurostat
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Qualificados e empregados, mas insatisfeitos

Ao ter em conta os resultados do inquérito, Luís Miguel Ribeiro defende a necessidade de uma “firme aposta” na valorização do capital humano como “activo estratégico das organizações”.

Por outro lado, os dados reunidos pelo Eurostat “não são uma surpresa” para União Geral dos Trabalhadores (UGT). “Temos vindo a alertar para este desencantamento que os trabalhadores portugueses vêm demonstrando e que nos têm reportado”, explica a secretária executiva da central sindical, Vanda Cruz.

E o "desencantamento" é evidente nos profissionais com licenciaturas, mestrados ou doutoramentos. São os que menos expressam estar muito satisfeitos em comparação com outros países. Em mais de um milhão e meio de trabalhadores que seguiram os estudos após o ensino secundário, apenas 367 mil (23,8%) responderam nesse sentido.

É um valor que contrasta em 57,4 pontos percentuais face à Hungria, onde a maioria dos empregados qualificados (81,2%) respondeu estar “muito satisfeito”.

11,3% das mulheres estão infelizes no trabalho

Ao analisar quem assinalou estar pouco satisfeito com a condição profissional, as mulheres empregadas colocam Portugal nos lugares cimeiros. O país fica apenas atrás da Bulgária (12,1%).

O investigador Elísio Estanque conta que a desigualdade salarial entre os dois sexos em Portugal “é das maiores da União Europeia” e que a divisão de tarefas no seio familiar "continua a pesar mais na mulher".

Ana Isabel Couto corrobora a ideia ao explicar que “os homens continuam a ganhar mais do que as mulheres” e que isso se agrava quando o nível de escolaridade aumenta.

“Se para o mesmo trabalho não há um retorno financeiro igual, não se pode manifestar grande satisfação”, diz, apontando a gestão da vida profissional, familiar e pessoal como outro factor que pode ajudar a compreender os resultados.

Ganho médio mensal entre mulheres e homens

Os homens empregados por conta de outrem receberam mais 223,6 euros mensais do que as mulheres no ano de 2021.

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Nota: dados referentes apenas a Portugal Continental.
Fonte: GEP - Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (2021)
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Noutros países, a distribuição de tarefas “é mais efectiva”, diz Gabriel Leite Mota, que identifica a “difícil ascensão profissional” e o “machismo” em contexto laboral como outros potenciais motivos.

Saúde, Educação e Administração Pública

Já nos sectores de actividade, onde a insatisfação foi mais expressiva face aos outros países, Portugal destaca-se em três: saúde e actividades de trabalho social, na educação, e no sector da administração pública, defesa e actividades da Segurança Social.

O porquê de assim ser, explica Ricardo Paes Mamede, remonta quase ao início do século.

“Temos os funcionários públicos com salários estagnados há quase 20 anos e com perdas de poder de compra que chegam a atingir os 20% nesse período. Se olharmos para 2021, junta-se uma pressão brutal sobre serviços subfinanciados para lidar com situações decorrentes da pandemia", relembra.

Muitas empresas, pouca satisfação

Mas a situação também não é animadora para quem criou o seu próprio posto de trabalho e emprega, pelo menos, uma pessoa. É o grupo de profissionais com a percentagem mais elevada de insatisfação perante as outras 29 regiões.

Tal situação, explica o economista, pode estar relacionada com as características do tecido empresarial português, no qual “99,9% das empresas nacionais são de pequena e média dimensão” e destas “cerca de 97% são microempresas”.

Cinco países da UE com mais microempresas em 2020

Portugal é o quinto Estado-membro com mais microempresários. A presença de grandes empresas no país é residual (menos de 0,2%).

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Fonte: Eurostat
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