O aumento do preço da habitação que se fez sentir ao longo dos últimos anos teve impacto em todo o país – mas não afectou todos da mesma forma. Na primeira parte desta série, mostrámos como o aumento do preço da habitação elevou as taxas de esforço a níveis insustentáveis e como Portugal se destacou, pela negativa, dos restantes países europeus. Nesta segunda parte, vamos passar o território à lupa e mostrar o que as estatísticas do Eurostat não conseguem desvendar, isto é, a diversidade dos impactos consoante as geografias.
Nas grandes cidades do litoral, a escalada dos valores do mercado de habitação e o fenómeno da turistificação geraram uma espécie de tempestade perfeita, particularmente intensa quer nos centros urbanos, quer nas periferias. Aumentaram os processos de gentrificação e os despejos, redefinindo o lugar de cada um na cidade, em função, sobretudo, da sua capacidade económica. No interior do país, com menor densidade de ocupação e de cariz mais rural, foram os grandes incêndios de 2017 que tornaram evidente a urgência de repensar territorialmente o sector habitacional e as desigualdades estruturantes que reflecte, saindo da esfera e da especificidade das grandes cidades.
O ano de 2017 pode, aliás, ser encarado como um ano de charneira. Foi o ano em que foi publicado o parecer da relatora especial das Nações Unidas para a Habitação Condigna, a canadiana Leilani Farha, depois de uma visita a Portugal, entre os dias 5 e 13 de Dezembro. Foi o ano em que o Governo de Portugal criou a Secretaria de Estado da Habitação, um sinal de que o assunto passava a ser central. Foi também o ano em que o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) fez o primeiro levantamento nacional das necessidades habitacionais junto dos municípios. Apenas se consideraram as situações que cumpriam três critérios cumulativos: serem construções de grande precariedade habitacional; que precisassem de ser demolidas; e que fossem residência permanente dos agregados. Identificaram-se cerca de 26 mil casos de carência habitacional grave.