Madeira: Moro numa ilha subtropical

Se o vinho e a banana são as estrelas da ilha, desta vez fomos à procura de outros produtos. Chegados em plena época de laboração dos engenhos de cana-de-açúcar, parecia que tínhamos aterrado não só noutro país, mas noutro tempo. Durante alguns dias viajámos pelos sabores de uma ilha subtropical e fomos descobrindo as dificuldades dos produtores locais para os fazer atravessar o mar. 

A cana, o rum e o mel

É fácil perceber que estamos num engenho de cana-de-açúcar em plena laboração. Primeiro vemos as carrinhas, que transbordam, e os homens, empoleirados sobre a carga, que a empurram para o interior do engenho. Logo de seguida apercebemo-nos da cadência ritmada das máquinas a partir e a moer a cana que, um pouco mais à frente, sai dividida em duas partes: a garapa, sumo de cor clara e turvo, e a palha. 

“Parece que estamos em Cuba”, grita alguém, por entre o barulho. Mas estamos na Madeira e em Abril e Maio os engenhos de cana-de-açúcar estão em laboração permanente, 24 horas por dia. É o período de apanha da cana e da sua transformação em aguardente (ou rum) e mel de cana. Estão já muito distantes os tempos em que a economia da ilha se baseava no chamado “ouro branco” — antes de a cana-de-açúcar, trazida originalmente da Ásia Oriental, se espalhar pelo imenso Brasil, levada pelos portugueses. Foi a partir daí que, inevitavelmente, a produção de açúcar da Madeira perdeu toda a capacidade competitiva. Mas esse mundo não desapareceu completamente.

Na época do “ouro branco” abundavam os canaviais e engenhos — nos séculos XV e XVI seriam centenas. Hoje são quatro os que ainda estão activos e um deles, o Engenho do Norte, desde 1927 em Porto da Cruz, mantém em funcionamento “o único engenho da Europa movido a vapor”, dos finais do século XIX. É também o único no Norte da ilha, o que facilitava a vida aos produtores da região que não precisavam de ir mais longe entregar as canas.  

Quando, em 2003, a empresa J. Faria, conhecida sobretudo pelos seus licores, comprou este engenho, Miguel Faria, um dos sócios, apercebeu-se imediatamente do potencial turístico de um equipamento tão antigo que ainda funcionava. “Isto estava praticamente em ruínas e tivemos que recuperar tudo”, recorda. Hoje, por entre as canas que chegam e são descarregadas, pesadas numa balança centenária e analisadas para medir o grau de açúcar (que deve ser igual ou superior a 15% e que determina o preço a pagar) misturam-se centenas de turistas que vêm visitar o engenho e terminam a provar o rum ou uma poncha com tangerina da Madeira, espremida na hora, na Casa do Rum, ali ao lado.

Miguel Faria convida-nos a subir umas estreitas escadinhas em madeira que conduzem até ao escritório, mantido quase como no passado — uma casinha de madeira, a lembrar Dickens, com janelas de vidros pequenos, através dos quais os patrões vigiavam o trabalho na fábrica. 

O processo resume-se a três passos: a cana é moída, a garapa é deixada a fermentar em tanques e, por fim segue para os alambiques, estes também do final do século XIX, para ser transformada em álcool, inicialmente com 80 ou 90º, depois reduzido para 50% ou menos, pela adição de água destilada. 

“Toda a nossa aguardente é envelhecida e engarrafada no Funchal”, diz Miguel Faria. “Este engenho é muito rico em aguardentes envelhecidas”. E, acredita, é por aí que a Madeira pode fazer a diferença. “O rum envelhecido é o futuro.” Mas é preciso um grande trabalho de divulgação; explicar, em primeiro lugar, que o rum da Madeira é o agrícola “e não o industrial, ordinário e barato, feito a partir do melaço e açúcares”. Ajudaria também que houvesse uma redução de 50% do imposto sobre o rum madeirense no continente, tal como acontece com o rum da Martinica em França, defende. 

Na costa sul da ilha, outro engenho, a Sociedade de Engenhos da Calheta, inaugurou há dois anos um museu temático, que está aberto ao turismo. Também aqui temos a sensação de recuar no tempo. Os homens empilham a cana no engenho, a garapa sai e 40% segue para as grandes tinas de cobre, onde fica a cozer e a evaporar para fazer mel. O restante utiliza-se para fazer o rum, metade do qual é envelhecido, entre 15 a 30 anos, em barricas de carvalho.

Sentamo-nos no exterior, em cadeiras de verga, a conversar com Sérgio Silva, um dos sócios, e a provar as broas de mel e bolo de mel (partido à mão, como deve ser), outra das apostas da casa para valorizar o mel de cana — fazem até, todos os anos, um bolo com 50 quilos que só é aberto só por altura dos Reis e que prova como a frescura se mantém durante muito tempo. 

Também aqui a conversa acaba por se desviar para a questão do imposto que prejudica a ilha. Sérgio Silva é de opinião que “devia haver um imposto sobre os produtos que entram na Madeira, como acontece nas Canárias”. Só assim conseguiriam fazer face à concorrência da cachaça do Brasil, que chega aqui mais barata do que os produtos locais. 

O Engenho do Ribeiro Sêco, o terceiro que visitamos, fica dentro do Funchal e distingue-se por fazer apenas o mel de cana. João Carlos Melim, um dos proprietários, conta que “foi fundado em 1883 para fazer aguardente, vinagre de vinho e sumo de uva e de maracujá, mas dado o elevado nível de alcoolismo que havia na Madeira, na década de 1930 Salazar proibiu vários engenhos de produzir aguardente”. 

O Ribeiro Sêco concentrou-se no mel e assim ficou até hoje, escoando quase 90% do produto na Madeira. Este ano aumentou a produção mais do que previsto porque “há um excesso de cana” e não querem “lesar os agricultores”. Houve, aliás, nos últimos dois anos, um boom na produção de cana que Melim atribui, em parte, à diminuição de trabalho na construção civil. 

Também aqui é importante distinguir este mel, espesso, escuro e muito saboroso — vale a pena, numa visita à fábrica, experimentar o xarope que resulta da primeira cozedura da garapa, antes de ganhar a viscosidade do mel — do mais barato e vulgar melaço, que “é um subproduto”. Um dos projectos que fizeram foi, com o chefOctávio Freitas, um livro de receitas para mostrar a versatilidade do mel de cana, que é usado sobretudo para o típico bolo de mel e para as broas, mas que pode ser aplicado em diferentes pratos, da carne de porco a uma salada de frutas. 

Falta-nos apenas visitar o mais jovem dos engenhos da Madeira, o Engenho Novo, nascido em 2006 e com uma produção de 20% de mel e o restante em rum e outras bebidas. Já é quase noite e o trabalho não pára. São processadas aqui entre 50 e 80 toneladas por dia, diz Celso Olim, um dos responsáveis. Os olhos estão postos na exportação — para o continente e para o mundo, mercado que impõe que se substitua a denominação de aguardente de cana, usada na Madeira, pela de rum, reconhecida internacionalmente.

Apesar de novo, este engenho é herdeiro de uma história e de um património, os da firma William Hinton & Sons, ligada a um dos fundadores. Aqui, aposta-se na inovação. “Nós na Madeira temos o único rum agrícola produzido na Europa. A nível de sabor é próximo das cachaças brasileiras, por isso pode ser usado para caipirinhas mas também para outros cocktails.” Daí que estejam a trabalhar com especialistas no continente, desenvolvendo bebidas diferentes para os bares. “O rum é uma tendência de 2016”, garantem. E já ganharam várias medalhas com produtos como o Licor Rum Café ou o Licor Rum Laranja. 

Houve um período “em que o sector ficou um bocadinho parado, muito virado para a poncha” e em que a própria produção de cana era ameaçada pela da banana. “Não havia a necessidade de se procurar outros mercados ou de criar valor. E cometeu-se um erro ao associar a cachaça à caipirinha e a aguardente de cana à poncha. A aplicação é muito mais vasta”, afirma Celso. Agora tudo parece estar a mudar. “Aqui no Engenho estamos a seleccionar lotes, a envelhecer e queremos fazer a empresa crescer por aí. Há na Madeira uma ligação emocional muito grande à cana e existe agora uma vontade de regressar a essas origens.” 

O requeijão

Um dos produtos que combina na perfeição com o mel de cana é o requeijão da Madeira. Apesar de toda a tradição de produção de queijos estar nos Açores, há também (pelo menos dois) produtores de queijo na Madeira. Para os conhecermos temos que ir até à zona do Santo da Serra. É daí que vem o SantoQueijo, um requeijão produzido por João de Sousa, a partir de uma tradição que já vinha dos bisavós.

Na fábrica do SantoQueijo paira um acolhedor cheiro a leite quente e tudo é branco e limpo. “Antigamente na Madeira havia muita produção de leite, usado sobretudo para fazer manteiga, que hoje desapareceu completamente”. Os pais já faziam o requeijão de forma artesanal e em 1995 João abriu esta pequena unidade, onde recebe por dia cerca de 3500 litros de leite de vaca. O leite, com sal, está a cozer em grandes recipientes de inox e em alguns já coagulou. Uma das funcionárias retira delicadamente o queijo — feito com o leite inteiro e não apenas com soro, o que lhe dá uma consistência cremosa e um sabor muito diferentes do que habitualmente reconhecemos como requeijão — e coloca-o em panos brancos, onde fica a escorrer antes de ir para o frio. 

À mesa espera-nos, com o pão caseiro feito com batata-doce, o delicioso requeijão quente, acabado de sair da panela, e ainda a mais recente aposta da SantoQueijo, a delícia de requeijão com polpa de maracujá (existe também com caramelo e morango), que João sonha exportar para o continente assim que conseguir condições vantajosas (por enquanto o envio, em pequenas quantidades, pela TAP, sai muito caro). 

João Ferreira, da Requejema, em Santa Cruz, é o produtor que nos falta ainda conhecer. Também ele vem de uma família com tradição no fabrico do requeijão. Ainda se lembra de quando era pequeno aquela ser uma zona de gado e ele ir com o pai comprar o leite. “O nosso requeijão tem uma consistência completamente diferente do do continente”, sublinha. 

E conta como, com a ajuda da mulher, Elsa, que trabalha com ele, há cerca de três anos começou também a fazer queijadas, que hoje são um sucesso. “Tínhamos uma receita boa na família e decidimos fazer, primeiro a tradicional e depois a de maracujá.” E assim querem recuperar também a verdadeira queijada da Madeira (em que 75% é requeijão) para que as versões adulteradas não se consigam impor.

O maracujá

A polpa de maracujá que a SantoQueijo usa nos seus requeijões não faz uma longa viagem — é produzida também na Madeira, por Luís Sardinha, que vamos agora visitar. Mas quando chegamos à sua propriedade, na Calheta, já só há uns quantos maracujás dentro de uma caixa. Toda a restante produção foi vendida, parte em fruta, parte em polpa.

O que ficou, chega, contudo, para vermos que estes maracujás, da variedade roxo-grado, são muito maiores do que estamos habituados e têm um sabor e cheiro intensos, com aquela mistura de doce e de grande acidez que caracteriza esta fruta. “Os nossos solos ajudam à acidez dos produtos”, explica, adiantando que o seu grande objectivo é “fornecer na Madeira e no mercado continental uma fruta exótica nacional e de qualidade.” Foi por acreditar que há um bom mercado para o maracujá que há dez anos trocou a cultura de cana-de-açúcar por esta, “mais rentável”. 

Também aqui é preciso saber distinguir e evitar armadilhas. Garante, por exemplo, que “90% do produto que se vê agora no Mercado dos Lavradores, no Funchal, não é regional, porque não há maracujá em fruta na Madeira neste momento”. A procura tem vindo sempre a crescer — muito usado na poncha, o maracujá começa também a surgir em alguns pratos nos restaurantes madeirenses — mas os produtores têm geralmente parcelas pequenas e “não conseguem criar escala”. 

É por isso que está a comprar terrenos (comprou estes dois na Calheta, ao fim de dois anos de negociações, e prepara-se para comprar mais quatro) para poder ter escala e negociar um preço de transporte mais barato, que é a grande dificuldade para os produtores madeirenses. Tirando a questão da distância, em tudo o resto a natureza ajuda. “Não há condições parecidas com estas no resto da Europa. Nesta costa temos boa exposição solar (estamos a uns 200 metros de altitude), fartura de água de rega e temperatura ideal, com um clima subtropical. Além disso, estamos a trabalhar com um produto que acrescenta sabor, cor, cheiro e acidez. Não há muitos que consigam isso”, diz, com orgulho. Com o selo Produto da Madeira, e seguindo o caminho já aberto pela banana, o maracujá, em fruta ou em polpa, tem grande potencial, acredita Luís Sardinha. 

O tamarilho e a pitanga

Também Filipe Alves de Barros aposta nos produtos locais. Por isso, em 2012 criou uma empresa, sedeada em Machico, para transformar os frutos dos pomares da família e de outros produtores em doces e chutneys. Filipe tem um enorme entusiasmo pelos seus produtos e quer dar-nos a provar todos. “Não vendemos doces e compotas, vendemos emoções”, não se cansa de dizer. 

Cresceu, como muitos madeirenses, rodeado por maracujazeiros, tomateiros arbóreos (a fruta vermelha e oval, originária do Peru, a que os madeirenses chamam tomate inglês ou tamarilho), pitangueiras, ou araçazeiros. Percebeu que “vender fruta não é negócio, é fundamental acrescentar valor”, mas respeitando ao máximo os sabores e as características de cada fruto. “Podia pôr pectina e espessantes, mas prefiro pôr mais percentagem de polpa e usamos a casca do maracujá cozido como espessante natural.”

“Aqui na Madeira temos o problema da distância, mas a terra é muito boa e os frutos têm um sabor intenso”, diz, enquanto nos encaminha para o interior da casa de família agora transformada na pequena unidade para o fabrico artesanal dos doces e chutneys. “Demora um ano para um cacho de bananas crescer aqui, mas o grau de açúcar é muito superior ao das bananas da América do Sul, onde fazem duas colheitas por ano.”

Usando antigas receitas, criaram doces de physalis, tamarilho, maracujá, pitanga, além dos mais tradicionais morango e abóbora com canela e laranja; misturando o tamarilho e o maracujá com pimenta preta, de Cayenne, gengibre e outros ingredientes, num equilíbrio de doce, ácido e picante, fizeram os chutneys; e por fim criaram as polpas congeladas, em cápsulas, que podem ser transformadas em sumo ou adicionadas a rum, gin ou vodka. 

A anona e o abacate

Mais difícil de transformar é a anona. Mas, na verdade, é a anona — o único produto da Madeira com Denominação de Origem Protegida (DOP) — que está por detrás de toda esta reportagem. Foi ao ver as enormes e saborosas anonas à venda no Mercado dos Lavradores, no Funchal, que nos interrogámos por que é que as frutas da Madeira, à excepção da banana, quase não se vêem à venda em Portugal continental.

Fomos então atrás das anonas, mas, tal como aconteceu com o maracujá, o nosso produtor, Jordan Andrade, já não tinha anonas nas árvores (tem um hectare com anonas e 300 metros quadrados de abacateiros, tudo biológico). A dificuldade acabou por ser ultrapassada quando nos levou ao terreno de uma vizinha, a senhora Maria, no Machico, cujas magníficas anoneiras e abacateiros estavam ainda em produção. 

Assim, abrigados pela sombra das árvores, ouvimos Jordan explicar que, há uns 15 ou 20 anos, foi feita uma selecção entre centenas de variedades de anona existentes na Madeira para escolher a que tivesse mais polpa, menos sementes e uma casca mais lisa. As que a senhora Maria aqui tem, por exemplo, são de uma variedade que produz mais tarde. E as que têm formato de coração?, perguntamos. Jordan abana a cabeça. Discorda que se crie no mercado a expectativa de que a anona deve ter um determinado formato, porque esta é precisamente uma fruta que escapa à formatação. “Isto não é uma fábrica de tijolos”, indigna-se. 

A produção biológica, como Jordan tem, atinge um valor 30% mais elevado que a convencional, mas, mais uma vez, o problema é a logística (para a anona, já que o abacate é todo escoado no mercado regional). Se a encomenda for pequena, mais vale vender na Madeira ao preço do convencional do que pagar os custos do transporte para o continente, mesmo que seja paga como biológica. 

Há, por isso, muito trabalho a fazer e grande parte dele tem a ver com passar a mensagem. “Uma parte grande dos consumidores conhece a anona mas não a relaciona ainda com a Madeira.” Uma boa ajuda seria (o que já começa a acontecer, mas timidamente) a hotelaria e a restauração usarem mais os produtos regionais. “Porque não oferecer aos hóspedes um cesto de boas vindas com frutas da Madeira?”. 

O pimentão doce

Já conhecíamos a Quinta Pedagógica dos Prazeres e o dinâmico padre Rui Sousa. Mas havia um pretexto para voltarmos — e isso é sempre bom. É que o Pimentão Doce em Vinagre de Sidra e Rosas da Madeira, produzido por iniciativa da Igreja Paroquial, venceu o prémio “O Melhor dos Melhores” no 3.º Concurso Nacional de Sal e Condimentos Tradicionais, em Santarém. 

“Não tínhamos programado fazer pimentão doce”, conta o padre, no pequeno café da quinta e rodeado pelos vários outros produtos, entre chás, compotas e vinagres que ali se produzem. “Mas um dia apareceu um senhor com um balde cheio, para dar aos animais e as senhoras que aqui fazem as compotas experimentaram usá-lo com uma receita caseira. No tempo dos nossos avós, eles faziam a sua massa de tomate, a sua manteiga, e são saberes que se vão perdendo.” Recuperada a receita, juntou-se-lhe o grande trunfo: o vinagre de sidra com rosas, que “casa muito bem com o pimentão”, garante o padre. 

O prémio é, claro, um motivo de orgulho, mas o padre Rui não tem a ambição de fazer uma fábrica para grandes produções. “Não é esse o objectivo da igreja. A nossa missão é mostrar que pode haver pequenas empresas familiares com uma produção de excelência. A minha ideia é abrir a porta para alguém pegar nisto.” E, ao mesmo tempo, valorizar os produtos locais. “Não há muita produção deste pimentão, mas dá-se bem aqui e pode ser uma alternativa à batata que toda a gente planta.”

O mesmo já foi feito com a sidra, que está a ser recuperada. “É uma forma de reaproveitar as maçãs, que existem em grande quantidade e de diferentes variedades.” Trazida pelos ingleses, a tradição de fazer sidra está ligada sobretudo à zona do Santo da Serra. Mas agora renasce também aqui nos Prazeres. E despedimo-nos do padre Rui provando uma sidra com polpa de pitanga. Uma delícia. 

A banana e o vinho

Se existe um local na Madeira em que a natureza parece ter querido mostrar tudo aquilo de que é capaz, esse local é a fajã dos Padres. De cima, vemos apenas uma faixa verde, lá muito em baixo, junto ao mar e ao fundo de uma escarpa assustadora. Mas quando, com o coração nas mãos, ganhamos coragem para descer no velho elevador — uma risca apenas junto à rocha — ou no novíssimo teleférico, chegamos lá abaixo para não mais pararmos de nos maravilhar. 

Tudo cresce à nossa volta, alimentado pelo calor que a parede de rocha absorve e devolve. Abacates, papaias, mangas, pitangas, physalis, que não chegam sequer a ser apanhadas, videiras de Malvasia Cândida (recuperadas a partir de um pé que por milagre sobreviveu à filoxera), bananeiras, uma explosão tão opulenta e generosa que, perdoe-se o cliché, somos forçados a comparar a estreita faixa de terra, onde só se chega pelo elevador ou por barco, a um pedaço do paraíso. 

Percebe-se por que é que os jesuítas aqui se instalaram (e não devia ser nada fácil), cultivando cereais e vinha (a Malvasia), e por que é que nos anos 20 do século passado o bisavô de Catarina Vilhena, que agora nos recebe, se apaixonou pela fajã. 

Meia dúzia de casas espalhadas mantiveram os nomes antigos: do Barco, do Marinheiro, do Soldado, da Tia Maria. É aqui, no pequeno restaurante, que Amândio Gonçalves, que foi chef executivo do Reid’s, nos serve um filete de espada com esparregado da horta da fajã. E, para sobremesa, uma mousse de chocolate feita com banana e abacate da fajã, aos quais juntou cacau, cobrindo-a com um doce de pitanga. Uma mousse do paraíso, portanto, para não podermos nunca mais esquecer a Madeira.

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Daniel Rocha
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