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Na Indonésia, estar vivo não é o contrário de estar morto

Alain Schroeder
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Alain Schroeder

Depois de testemunhar os complexos rituais fúnebres da sociedade indonésia de Toraja, o fotógrafo Alain Schroeder concluiu que "a morte está no centro das suas vidas". "Em Toraja, os rituais associados à morte são complexos e dispendiosos", refere na descrição do projecto Living For Death, no seu website. "Por isso, quando uma pessoa morre, podem passar-se meses, até mesmo anos, até que a família organize o funeral." Durante este período, considera-se que o falecido "está doente", motivo pelo qual é mantido em casa, na companhia dos familiares, que continuam a interagir com ele, oferecendo-lhe cigarros, café, partilhando refeições e conversas.

Em entrevista ao P3, o fotógrafo belga explica como é possível manter um cadáver humano em decomposição em contacto com os vivos por longos períodos: "Tradicionalmente, os corpos são preservados com recurso a uma mistura de plantas, vinagre e fumo". Hoje em dia, prossegue, "logo após a morte, são administradas injecções de formalina de modo a embalsamar o corpo. Qualquer mau cheiro se dissipa num período de poucas semanas". O falecido é mantido num quarto do seu lar, virado para sul, onde acreditam que os seus antepassados "descansam". Os familiares mais próximos reúnem os fundos necessários para cobrir as despesas dos "extravagantes rituais" fúnebres. Enquanto esses não se realizam, o luto vai-se vivendo de forma gradual. "As famílias que eu conheci estavam ansiosas por apresentar-me aos seus familiares falecidos; interagem com eles com imenso respeito e intimidade, tal como fariam se estivessem vivos", descreve Schroeder em entrevista. "Claro que há dor e tristeza, mas as emoções são sobretudo positivas, centradas na celebração e na homenagem."

Quando o funeral, por fim, tem lugar e o morto é finalmente entregue à terra, pouco tempo passa até que regresse ao mundo dos vivos. Todos os anos, logo após o período da colheita do arroz, o ritual Ma' Nene" entrega de novo os cadáveres à luz do Sol. "Os caixões são retirados das suas campas e abertos. As múmias são limpas, vestidas com novas roupas e colocadas a secar, ao sol. Durante este período, os familiares relembram o falecido, comem e bebem, enquanto outros limpam o túmulo. Por vezes, a cerimónia implica mudar o cadáver para uma nova morada." Laivos de tristeza misturam-se com expressões de alegria. "Nestes momentos, as pessoas tornam a ligar-se aos seus entes queridos e a homenageá-los", explicou Schroeder, por email.

Acredita que o ritual Ma' Nene pode ser visto como "uma prática estranha", mas que, em última análise, "também os nossos costumes ocidentais podem ser percepcionados dessa forma" por indivíduos de outras culturas. "Para os habitantes de Toraja, a morte é o início de uma longa viagem até Puya (a vida após a morte) — uma viagem que planearam intensivamente e pela qual trabalharam toda a sua vida", explica. "As famílias que praticam este costume de limpar os corpos acreditam firmemente que é o seu dever cuidar do defunto, manter com ele laços estreitos e homenageá-lo. Acreditam também que devem manter os espíritos satisfeitos, para garantir que os seus entes queridos tenham uma viagem pacífica e para assegurar a sua própria sorte para quando chegar a hora."

O fotógrafo belga foi considerado o melhor fotógrafo de viagem de 2017 pelo concurso especializado Travel Photographer of the Year (TPOTY). 

Alain Schroeder
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