Pedrógão Grande, dois meses depois da tragédia

©John Gallo/Chappa
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"Diz quem sobreviveu em Pobrais — aldeia que perdeu onze habitantes na tragédia de Pedrógão — que pelas 18h30 era de noite. Um dia claro, de céu azul, transformado em noite escura, tenebrosamente moldada pelo espesso fumo negro que todos atrofiava. Sem água, sem um único bombeiro no local e sem recursos para combater o monstro que se fazia anunciar, a população deitou mão ao que tinha: baldes. Baldes de água para combater um dos maiores incêndios de que há memória." A descrição do fotógrafo John Gallo baseia-se em testemunhos de sobreviventes, recolhidos em Agosto de 2017. "Pouco antes das 19 horas, um uivo de cortar a respiração invadiu a aldeia. Vinha acompanhado de um vento capaz de derrubar qualquer um. Não houve alma que não sentisse que poderia estar a aproximar-se o fim. Em segundos, as árvores em redor da aldeia incendiaram-se como fósforos. Labaredas com dezenas de metros consumiam mimosas, eucaliptos e pinheiros, nada resistiu. O calor derreteu persianas, incendiou jardins, aqueceu portões de metal de tal forma que tocar-lhes provocava queimaduras graves. No desespero imposto pelo inferno de circunstância, dez fizeram-se à estrada nacional 236-1, fugindo de uma morte anunciada. Percorreram pouco mais de 700 metros até morrerem carbonizados. Numa faixa de 400 metros, morreram todos. Dez. Diz quem escapou que jamais esquecerá o que viu pelo retrovisor: corpos que se incendiavam instantaneamente assim que abandonavam os seus veículos." Dois meses depois, apesar das obras de renovação da estrada que tantas vidas viu findar, o cenário mantém visíveis as cicatrizes do inferno que ali se levantou. O negro cobre toda a paisagem: casas, veículos abandonados, bens domésticos, grandes áreas florestadas; o luto cobre todas as almas que olham agora a floresta com um misto de terror e respeito. "O mato está cheio de fetos, verdes, viçosos. Diz quem lá vive que daqui a um ano não vai ser possível entrar na floresta como sempre se fez. A floresta é um rastilho." O ensaio fotográfico Inferno retrata apenas uma parte da área ardida — uma pequena amostra, tendo em conta que foram consumidos pelas chamas 410 quilómetros quadrados de terreno. Este foi o décimo primeiro incêndio mais mortal desde 1900, em todo o mundo. A nível europeu, o fogo de Pedrógão Grande é o terceiro com o maior número de vítimas (64), ultrapassado apenas pelos incêndios na Grécia, no Verão de 2007, e pelos fogos na região de Aquitânia, em França, em 1949, que ceifaram 80 vidas. Inferno será também um documentário em vídeo, cujo trailer já pode ser visto aqui. Não é a primeira vez que John Gallo se debruça sobre a temática dos incêndios em Portugal. O projecto que realizou anteriormente, Floresta Negra — também publicado no P3 —, lembra-nos que esta é uma tragédia que se repete, anualmente, em Portugal.

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