Saudação às "gerações curtas"

No meio de tantos desastres, a decisão mais acertada tomada nesta década pelo Instituto Português de Cinema foi a de encetar, em 1991, apoio regular às curtas metragens, documentários e filmes de animação. Cabe neste momento falar das curtas, das que têm vindo a ser feitas com o apoio do agora designado ICAM, das que, autonomamente àquele, resultam do Plano Geral lançado em 1996 pelas Produções Off de Rosi Burguete (importante iniciativa, independentemente do que cada se achar das sete "curtas" já concluídas), e ainda da Gulbenkian. O Festival de Vila do Conde como plataforma de lançamento, a chegada de algumas curtas à distribuição comercial, a mostra que a Videoteca de Lisboa há alguns meses organizou e a consequente edição de um importante catálogo com entrevistas a quase todos os autores, o facto da secção prospectiva do Festival de Locarno, "Les Léopards de Demain", ter sido este ano dedicada a Portugal, a importância de várias obras recentes e doutras que neste preciso momento estão em acabamento, tudo isso torna inadiável a chamada de atenção para o surto criativo que nelas sopra, aliás em paralelo com o movimento mais jovem que se verifica noutras artes.Falo de uma geração? Isso compete aos nela participantes afirmar e sobretudo demonstrar. Realizador e também produtor (um caso entre vários de duplo estatuto), Sandro Aguilar proclama diferenças: "A minha intenção é poder apoiar filmes interessantes e sair da produção de curtas-metragens americanizadas em favor de outras mais artísticas. Quem está a fazer hoje curtas-metragens tem um olhar diferente das gerações precedentes. Alguns são provocatórios e apostam na possibilidade de não se precisar de uma história narrativa. Assim se criam cineastas potenciais. O lado subversivo da nova geração está a contaminar o cinema no ritmo das imagens e sons das narrativas tradicionais. Há um hiato entre as gerações" (PÚBLICO, 16/8/99). Ver-se-á.Precedidos pelo gesto fundador de Edgar Pera que, preterido em concursos do IPC, inventou um modo de produção para a sua proposta estética, estes novos autores lançaram-se em estruturas próprias, que dão por nomes como O Som e a Fúria, Contracosta, Terrafilme, ou encontraram acolhimento no seio dos Artistas Unidos. Há diferenças neste autores, o que convém ressaltar, mas predomina um cosmopolitismo com evidentes sinais de um novo paradigma cinéfilo, que passa por Wong Kar-Wai, Tsai Ming-Lang, Takeshi Kitano, Hal Hartley e Aki Kaurismaki, na maioria dos casos os autores mantendo com as personagens evidentes proximidades vivenciais mas envolvendo-as num cadinho neo-formalista de relações.A maioria destes autores diferenciam-se dos mais velhos no sentido de que não os anima nenhum particular espírito de missão em reproduzir uma qualquer imagem dominante do "cinema português", interessam-se em fazer arte cinematográfica e basta. Mas há também aqueles que no cinema português têm uma evidente afinidade com Paulo Rocha e que já estão a dar contributo à obra daquele - Cláudia Tomás reescreveu o "Rio do Ouro" e Raquel Freire "A Raíz do Coração".Haverá sempre cegos que não os verão, dificuldades suscitadas pela acrescida polarização das produtoras e distribuidoras existentes, riscos de se deixarem envolver na armadilha dos grupos e intrigas do cinema português; e haverá entidades castradoras que entre a Escola de Cinema e o ICAM terão de enfrentar, a este propósito assinalando-se o que sucedeu no último concurso para as primeiras longas metragens de ficção. Ao lado de Margarida Cardoso, cuja curta "Entre Nós" tinha sido premiada em Vila do Conde e Locarno, foi também escolhido Artur Ribeiro, autor de um tenebroso "Assassino da Voz Meiga", e que recebeu apoio do Instituto nos tempos de Zita Seabra para ir estudar nos Estados Unidos, juntamente com Fernando Fragata, o de "Pesadelo Cor de Rosa". E assim, no preciso momento de efervescência de talentos na curta-metragem, o Instituto do Ministério da Cultura dá seguimento à tentativa de destruição do cinema português tentada por Zita Seabra, comissária política do cavaquismo. Saberá isso o ministro socialista que nomeia as direcções do ICAM que nomeiam júris que fazem tais escolhas? Por mim, que não sou São João Baptista anunciando Messias (e que não me esqueço de todos os "génios" no passado apadrinhados por alguns mestres com os resultados que se foram vendo - lamentáveis), saúdo os realizadores do que se está para ver se é mesmo uma "geração curtas". Saúdo-os de olhos bem abertos.

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