Um “banho de floresta” no Parque das Serras do Porto

Devemos olhar para as nossas florestas não só como um recurso ao nível da madeira ou da pasta de papel, mas também como um recurso ao nível da saúde e do recreio ambiental e sustentável.

O senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, atribuiu recentemente ao Parque das Serras do Porto o alto patrocínio da Presidência da República.

Considerado o pulmão verde da Área Metropolitana do Porto, este parque regional constituído pela Associação de Municípios de Valongo, Gondomar e Paredes, abrangendo 5700 hectares de floresta, reúne as serras de Santa Justa, Pias, Castiçal, Santa Iria e Banjas. Antão de Almeida Garrett, autor do Plano Regulador da Cidade do Porto, foi, em 1952, a primeira pessoa a pensar este parque.

Decorreram, entretanto, cerca de 70 anos, em que o projeto foi sendo discutido em vários planos de ordenamento, e, felizmente, no ano passado, as três câmaras atrás referidas uniram-se para a criação deste parque e respetiva associação de municípios com o objetivo da sua gestão.

Esta formalização do parque e a aposta na elaboração de uma marca constitui sem dúvida um passo decisivo para concretização desta área das Serras do Porto, de um parque de recreio e lazer que se pretende de referência em Portugal, de um enorme potencial para a região e com possibilidades de dar uma maior visibilidade a um espaço natural a 15 minutos do Porto. Como salientou a professora Teresa Andresen, arquiteta paisagista que não têm poupado esforços neste projeto, tendo participado na caracterização do mesmo, e que reconhece no nome Parque das Serras do Porto uma marca de futuro.

Podemos dizer que em Portugal existe uma falta generalizada de espaços recreativos naturais, nomeadamente parques florestais formalizados e preparados para receber atividades de recreio e lazer. À margem dos limites urbanos contamos com o Parque Nacional da Peneda-Gerês, que é sem uma dúvida uma mais-valia mas que, no entanto, continua a ser o nosso único Parque Nacional. O turismo de natureza ainda revela ser uma área subdesenvolvida, mas com um enorme potencial de crescimento, por igualmente se destacar como uma área turística com uma cada vez maior procura na Europa.

Além disso, garantem-nos uma vasta gama de serviços, como por exemplo, o controle de erosão, a regulação e filtração de água, a filtração de poluentes atmosféricos e carbono, a mitigação climática, redução do risco de incêndios e inundações. Estes espaços são, por isso, fundamentais na redução dos efeitos das alterações climáticas nos meios urbanos, matéria cada vez mais na ordem do dia.

Por isso, a atitude do senhor Presidente da República ao conceder o alto patrocínio ao Parque das Serras deverá ser visto como um incentivo à criação de projetos similares. Além dos benefícios ambientais e ecológicos atrás referidos, os espaços naturais são fundamentais a nível económico, social e recreativo e, por isso, é urgente a sua valorização e proteção.

Assim como Antão de Almeida Garrett ou Ilídio de Araújo olharam para as Serras do Porto e viram um parque, assim também Frederick Law Olmsted, arquiteto do Central Park em Nova Iorque, olhou para o vale de Yosemite e viu um parque. Essa visão contribuiu para a criação de um dos primeiros parques nacionais do mundo em 1890, pouco após a criação do Parque de Yellowstone. Olmsted estava convencido que estes espaços deveriam existir e estar protegidos, e que nós, habitantes urbanos, dependemos destes espaços, considerando que “a contemplação ocasional de cenários naturais é favorável à saúde dos homens e especialmente ao vigor do seu intelecto”.

Escritores americanos como Ralph Waldo Emerson ou John Muir pensaram de igual modo, razão pela qual constituíram o suporte intelectual para a criação dos primeiros parques nacionais do mundo.

Hoje, é reconhecido o papel e a importância deste tipo de espaços, o que está inclusivamente a ser provado pelas neurociências. Investigadores da Universidade de Exeter, em Inglaterra, concluíram que as pessoas que vivem mais próximas de espaços verdes relatam menos doenças ou desequilíbrios mentais e físicos. Em 2009, uma equipa de médicos holandeses descobriu uma menor incidência de 15 doenças — incluindo depressão, ansiedade, doenças cardíacas, diabetes, asma e enxaquecas — em pessoas que viviam a cerca de um quilómetro de espaços florestais ou parques urbanos (This is your brain on Nature – National Geographic).

A psicóloga canadiense Lisa Nisbet escreveu que “as pessoas subestimam o efeito da felicidade de estar ao ar livre e, por isso, não pensam nele como uma maneira de aumentar o bem-estar”.

Os japoneses têm mesmo um nome para designar esta situação — Shinrin-yoku —, um fenómeno que significa aproveitar a atmosfera da floresta ou "banho de floresta". O Ministério da Agricultura e Florestas do Japão encorajou mesmo os seus habitantes a visitar as florestas para aliviar o stress e melhorar a saúde, nomeadamente com efeitos positivos no sistema imunológico.

A explicação para este fenómeno foi encontrada por uma equipa de investigadores da Universidade de Tóquio. Estes descobriram que visitas a espaços naturais como florestas podem ter uma influência duradoura sobre o sistema imunológico, aumentando a atividade de células antivirais e proteínas intracelulares, mudanças que permanecem durante vários dias após a visita. “Ao deambularmos pela floresta e respirarmos ar fresco, estamos igualmente a respirar vários compostos químicos libertados pelas árvores”, que protegem as árvores de doenças, insetos e fungos — os chamados “phytoncides” — que surpreendentemente também ajudam a aumentar a imunidade no corpo humano, escreveu o Professor Qing Li desta mesma universidade. Este estudo realizado em 24 florestas em todo o Japão descobriu igualmente que caminhar entre as árvores reduz a pressão arterial, a frequência cardíaca e os níveis de cortisol, que é libertado em resposta ao stress.

Todas estas razões levaram inclusive a que fosse criado um departamento de Medicina Florestal e existem mesmo receitas médicas de um passeio semanal ao ar livre, em substituição ou complemento a medicamentos. Acreditam, por isso, que a terapia florestal é um caminho a seguir e que podemos, sim, “prescrever natureza”.

Outra pesquisa da Universidade de Michigan argumenta que também são os elementos visuais em ambientes naturais que reduzem o stress e a fadiga mental. Tais estímulos permitem que nossos cérebros vagueiem, descansem e se recuperem do que Olmsted chamou de "irritação nervosa" da vida urbana.

Ou seja, os nossos cérebros urbanos precisam do ar livre e devemos por isso olhar para as nossas florestas não só como um recurso ao nível da madeira ou da pasta de papel, mas também como um recurso ao nível da saúde e do recreio ambiental e sustentável.

Como já dizia Ilídio de Araújo (1925-2015), arquiteto paisagista português percursor deste parque, no seu livro Quintas de Recreio, que “a renovação das faculdades humanas se consegue mais facilmente, se não unicamente, pela via da distração do espírito, deleitando os sentidos”.

E que lugar melhor para isso que um parque, como o das Serras do Porto?

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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