Zona Franca: Madeira culpa Lisboa por procedimento aberto pela Comissão Europeia

Funchal entregou por mais dez anos a concessão do centro de negócios à SDM, do Grupo Pestana. Comissão Europeia diz agora que o processo não está de acordo com a legislação comunitária, que deveria ter sido adoptada por Portugal até Fevereiro do ano passado.

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miguel manso

O governo madeirense responsabiliza Lisboa por a Comissão Europeia ter aberto um processo de infracção contra Portugal, tendo por base a prorrogação por ajuste directo do contrato de gestão e exploração da zona franca à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM).

Um dia depois de Bruxelas ter notificado o país de que o processo de atribuição da gestão do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), “sem um procedimento de concorrência”, pode violar as directivas comunitárias (2014/23/EU), o Funchal defende-se, dizendo que respeitou a legislação nacional.

“Todo este processo foi seguido com total lisura, respeitando o quadro legal vigente no ordenamento nacional, e sempre na defesa do interesse da região autónoma da Madeira”, disse ao PÚBLICO o secretário regional das Finanças e da Administração Pública, Rui Gonçalves, insistindo: “Limitámo-nos a cumprir com a legislação em vigor, tendo o processo sido conduzido com toda a lisura e transparência”.

O concurso para a concessão da zona franca foi aberto em Novembro do ano passado, com o executivo a optar pelo ajuste directo para “assegurar a maior estabilidade possível” ao CINM. Assim, a opção – que não foi pacífica em termos políticos – passou por prolongar em mais dez anos (com a opção de outros cinco) a gestão da SDM, que é controlada pelo Grupo Pestana.

Na altura, Rui Gonçalves argumentou ao PÚBLICO que a região não queria correr riscos que levassem à perda de confiança dos agentes económicos com “reflexos negativos na economia” madeirense, optando, assim, por manter a mesma concessionária. “A modalidade de concurso por ajuste directo está prevista no Código dos Contractos Públicos”, frisou.

O problema é que essa legislação, diz Bruxelas, não está de acordo com a directiva comunitária que regula as adjudicações de contratos de concessão. “Nós seguimos o Código dos Contratos Públicos, que era a única legislação aplicável, e, nestes termos, foi tudo feito em conformidade com a lei vigente no país e com o visto do Tribunal de Contas”, sustenta o secretário regional, responsabilizado o Governo da República por este procedimento de Bruxelas.

“O que está aqui em causa é o facto de Portugal não ter transposto à data a referida directiva, processo relativamente ao qual a região autónoma da Madeira é completamente alheia e para o qual não lhe poderá ser assacada qualquer responsabilidade, já que agiu dentro do quadro legal vigente”, acrescenta, dizendo que a legislação comunitária foi aprovada a 23 de Fevereiro de 2014 no Parlamento Europeu, e estipulava um prazo de dois anos para os Estados-membros a adoptarem.

Debaixo de alguma polémica, pois no Parlamento regional a oposição mostrou-se contra o ajuste directo, a atribuição da concessão da zona franca à SDM, que gere o CINM desde 1987, foi formalizada em Fevereiro deste ano.

Agora, o Estado tem dois meses para responder às dúvidas de Bruxelas, que consideram que a “disposição nacional utilizada como base jurídica da adjudicação não está em conformidade com a legislação” comunitária. Caso a Comissão Europeia não fique satisfeita, pode avançar para uma segunda fase, enviando para Lisboa um pedido formal para que este processo respeite as regras europeias.

“É importante referir que estamos perante um pedido de informação e não perante uma acusação formal. O Estado português terá dois meses para responder, estando o Governo regional da Madeira totalmente disponível para colaborar naquilo que for necessário”, adianta Rui Gonçalves, afirmando que o executivo madeirense não foi ainda informado oficialmente deste caso.

O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças, sobre a fundamentação da reposta portuguesa, mas não obteve resposta em tempo útil.

Já a Madeira espera que não resultem daqui “efeitos colaterais” para a zona franca, numa altura que o centro de negócios está a ser alvo de grande escrutínio do Parlamento Europeu, a reboque dos Panama Papers. Rui Gonçalves esteve em Junho passado a ser ouvido pela Comissão PANA, que está a investigar o caso, insistindo perante os eurodeputados que integram esta comissão de inquérito no compromisso do Funchal com a “transparência” e “boas práticas“ no CINM.

A nova concessão da zona franca termina em 2027, coincidindo com a vigência do IV Regime de Incentivos do centro de negócios. Na anterior, o executivo madeirense tinha uma participação de 25% na SDM que foi agora ampliada para 49%. Também os rendimentos, por via das taxas cobradas às empresas e aos dividendos da concessionária, subiram de 10 para 15%. Segunda as contas do Funchal, os rendimentos anuais vão passar de 1,9 milhões de euros para 3,3 milhões de euros anuais, sem contar com os 150 milhões de euros que as empresas ali registadas geram em impostos para a região.

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