Vistos gold: afinal, em que ficamos?

É incompreensível entender a atitude esquizofrénica de alguns dos nossos responsáveis políticos que, ao mesmo tempo que defendem o fim dos vistos gold, se regozijam com a evolução positiva da política orçamental motivada em parte pelo investimento associado a este programa.

Como diria alguém, “o preconceito é a sabedoria dos ignorantes”. Vem isto a propósito da histeria que se gerou em Portugal após as notícias veiculadas pelo The Guardian e pelo Expresso de que Portugal estava a conceder vistos gold a cidadãos visados em processos-crime, o que levou já alguns partidos políticos a reclamar o fim do programa. Segundo as referidas notícias deixam a entender, os vistos gold contribuirão alegadamente para dar cobertura a esquemas de branqueamento de capitais.

Sem pretender contestar a importância do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento de terrorismo, importa de forma serena ponderar a real importância dos vistos gold, desmistificando pelo caminho alguns preconceitos (ignorância?) quanto aos contornos do programa.

O golden visa ou programa de “autorização de residência para investimento” português exige que os cidadãos nacionais de Estados terceiros (fora da UE e do EEE) apliquem determinadas importâncias no nosso país (sendo as formas mais populares de investimento a aquisição de imobiliário num valor igual ou superior a 500 mil euros, e a transferência de capitais de valor igual ou superior a um milhão), em troca da concessão de um visto de residência.

Em traços gerais, o visto gold confere ao seu titular o direito de (i) entrar em Portugal com dispensa de outros vistos, (ii) de residir e trabalhar em Portugal (e não, como erradamente se tem escrito, em qualquer outro Estado da UE), e (iii) de circular pelo Espaço Schengen sem necessidade de visto. O investimento deverá ser mantido por um período mínimo de cinco anos, sendo que a autorização de residência é renovada ao fim de um ano, e depois a cada dois anos. 

Para além do cumprimento das condições mínimas de investimento, todos os candidatos ao visto gold são alvo de escrutínio de segurança, a nível nacional e internacional, controlo que é realizado, quer no momento da candidatura, quer no momento em que é solicitada cada uma das renovações. O que significa que o visto gold poderá sempre ser cancelado caso o candidato seja entretanto condenado com trânsito em julgado pela prática de determinados crimes.

Acresce referir que, nos termos do programa, o titular do visto gold deverá, no mínimo, permanecer em Portugal por um período não inferior a sete dias no primeiro ano, e não inferior a 14 dias nas renovações subsequentes por dois anos. O que significa que, nos casos de permanência reduzida em Portugal, os titulares dos vistos gold não serão residentes em Portugal (a lei fiscal portuguesa exige, regra geral, como critério de residência um tempo de permanência mínimo de 183 dias seguidos ou interpolados a cada 12 meses).

Este ponto leva-nos a desmistificar uma outra ideia preconcebida de que a atribuição dos vistos gold permite obter automaticamente a cidadania portuguesa. Na verdade, a aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, só é possível obter, independentemente do tipo de visto atribuído, quando estejam cumpridos todos os requisitos exigidos pela Lei da Nacionalidade, de entre os quais se destacam a verificação da idoneidade criminal, e a permanência em Portugal, como residente durante os cinco anos anteriores. É por isso falso que o programa se traduza na venda a milionários da nacionalidade portuguesa. Neste ponto, preocupante, isso sim, parece ser a concessão indiscriminada da nacionalidade portuguesa a netos de portugueses, sem que estes possuam qualquer conexão com o país. Regime que deverá ser urgentemente revisto.

Importa sublinhar que os vistos gold não são o único tipo de visto previsto na lei portuguesa. Todos os vistos pressupõem um escrutínio de segurança, e todos eles conferem, de modo geral, acesso à nacionalidade desde que cumpridos determinados requisitos.

Por outro lado, não se vê de que forma o investimento exigido através dos vistos gold facilita o branqueamento de capitais, quando o programa exige que os fundos sejam obrigatoriamente depositados numa instituição de crédito a operar em Portugal. Ou seja, o escrutínio da origem dos fundos é sempre o mesmo, quer os fundos sejam investidos ao abrigo dos vistos gold, quer sejam trazidos para o sistema financeiro nacional no contexto de outras atividades económicas.

Falando em atividades económicas, e fazendo fé nas estatisticas veiculadas pelo SEF em finais de 2016, o investimento captado pelos vistos gold ascende já a 2,5 mil milhões de euros, dos quais cerca de 2,3 mil milhões foram obtidos através da aquisição de bens imóveis.

Para além da dinâmica conferida aos setores da construção e do turismo, são evidentes os ganhos fiscais obtidos para Portugal, tanto no imediato, com o pagamento de IMT e do Imposto do Selo, como no médio e longo prazo, com o pagamento do IMI, do AIMI, do IRS (associado à exploração dos imóveis e mais-valias) e do IVA (no consumo).

Fast forward: é incompreensível para quem acompanha a economia portuguesa entender a atitude esquizofrénica, ao bom estilo Dr. Jekyll and Mr Hyde, de alguns dos nossos responsáveis políticos que, ao mesmo tempo que defendem o fim dos vistos gold, se regozijam com a evolução positiva da política orçamental... motivada em parte pelo investimento associado a este programa. Afinal, em que ficamos?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Ler 2 comentários