Troika chumba com números a estratégia de crescimento do Governo

FMI e Comissão não acreditam que a economia acelere no curto prazo impulsionada pela recuperação do rendimento. Pelo contrário, apontam para uma travagem no consumo.

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Christine Lagarde, directora-geral do FMI SAUL LOEB/AFP

É com a recuperação do rendimento das famílias portuguesas, através de medidas como a redução da sobretaxa e o fim dos cortes salariais na função pública, que o Governo conta pôr a economia portuguesa a crescer mais rápido já em 2016. A troika, no entanto, nem no curto prazo acredita nos efeitos de estímulo que podem ter estas medidas.

E mostra-o de forma clara com as suas mais recentes previsões para a economia portuguesa. Tanto a Comissão Europeia como o Fundo Monetário Internacional apresentaram esta quinta-feira estimativas de crescimento para Portugal que ficam claramente abaixo das do Governo. E a principal diferença surge precisamente ao nível do consumo privado, o indicador que se poderia esperar ser mais favorecido pelas medidas que o executivo está a aplicar e a planear desde que tomou posse.

A Comissão prevê um crescimento do PIB em 2016 de 1,6% e o Fundo é ainda mais pessimista, com 1,4%, um valor que fica mesmo abaixo dos 1,5% registados no ano passado. Em ambos os casos, fica-se muito longe das previsões do Governo, que no esboço do OE entregue inicialmente em Bruxelas apontava para um crescimento de 2,1%. Na versão final do OE esse valor deverá ser menor por causa das novas medidas de redução do défice entretanto incluídas. Tanto as projecções da Comissão como do FMI são feitas tendo como base os planos apresentados pelo Governo no esboço do OE.

A principal razão por trás da previsão de continuação de um andamento moderado na economia está na evolução que é esperada para o consumo privado. O FMI vê este indicador a passar de um crescimento de 2,7% em 2015 para 1,5% em 2016. A Comissão também aponta para um abrandamento, neste caso de 1,9%.

Estes números estão muito longe daquilo que espera o Governo, que projecta um crescimento do consumo privado de 2,6% em 2016, mantendo o mesmo ritmo do ano passado - baseia esta previsão no facto de, com as medidas que já tomou e que planeia tomar, se registar no imediato um aumento do rendimento disponível dos portugueses, o que, em condições normais, faria aumentar o consumo.

O que explica que na troika não se acredite que essa relação do rendimento disponível com o consumo se verifique desta vez? Do lado do FMI, os seus técnicos não acreditam que, no caso português, uma política como aquela que o Governo pretende seguir de aposta num aumento do rendimento das famílias através de estímulo orçamental e subida do salário mínimo possa vir a ter mais do que um efeito marginal no consumo e na actividade económica. Aliás o FMI vê aquilo que aconteceu no ano passado - em que também com uma política orçamental expansionista (o excedente orçamental primário caiu de 3,5% em 2014 para 3% em 2015) e com a ajuda da conjuntura internacional a economia não acelerou tanto como o Governo previa – como um exemplo do efeito limitado deste tipo de estratégia.

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É por isso que, em 2016, com a possível redução dos efeitos positivos da conjuntura externa e com as debilidades estruturais da economia a fazerem-se sentir, as expectativas do Fundo apontam mesmo para um abrandamento da economia, que o Fundo prevê prolongar-se em 2017, ano para o qual prevê um crescimento de 1,3%.

“Dado que a economia ainda enfrenta níveis de dívida elevados e restrições estruturais, o corpo técnico do FMI prevê que o crescimento diminuirá gradualmente à medida que se dissipe o impacto das condições externas favoráveis”, diz o comunicado emitido esta quinta-feira pelo Fundo.

Outra fonte de diferenças consideráveis entre as projecções do Governo e as do FMI está nas exportações. A troika está também mais pessimista do que o Governo em relação à evolução das economias dos parceiros comerciais de Portugal. O FMI antecipa que as vendas de bens e serviços ao estrangeiro cresçam 3,9% e a Comissão 4,3%. O Governo prevê 4,9%.

As previsões para a totalidade da economia europeia apresentadas esta quinta-feira pela Comissão explicam parte destas diferenças. Como o PIB da zona euro deverá crescer 1,7% este ano, apenas mais uma décima do que em 2015, Bruxelas continua a falar, tal como há um ano, de uma recuperação a “um ritmo moderado”. E não esconde os riscos “cada vez maiores” que vêm da deterioração das perspectivas para a economia mundial (um crescimento de 3,3%, ao nível mais baixo desde 2009).

Para Portugal, que tem na União Europeia os primeiros mercados de destino das exportações, não é indiferente o desempenho de economias como a de Espanha, que deverá abrandar, e da Alemanha e França, que deverão ter um crescimento moderado em relação a 2015.

A maior economia do euro, a Alemanha, deverá crescer este ano 1,8%, depois de uma progressão de 1,7% no ano passado. Para França, a segunda economia da moeda única, a Comissão Europeia está a prever um crescimento de 1,3%, mais duas décimas do que em 2015. Espanha, o país para onde Portugal mais exporta, deverá crescer 2,8%, quando a estimativa relativa a 2015 era de 3,2%.

Para além da procura externa, por trás da projecção mais negativa para as exportações portuguesas poderá estar também a convicção de que Portugal está a perder competitividade nos mercados internacionais. 

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