Transferências para offshores têm de ser registadas no fisco em dois dias

Primeira declaração com erro de que há registo foi enviada ao fisco a 18 de Julho de 2013. Dados recolhidos pelo Ministério Público estão no DCIAP.

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De 16.900 milhões de euros transferidos para offshores, 9800 milhões não apareciam nas estatísticas (2011 e 2014) Reuters/MARIANA BAZO

Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) recebe as declarações dos bancos a identificar os fluxos de dinheiro transferidos para contas em paraísos fiscais, a informação que chega via Portal das Finanças é transposta para o sistema central no período máximo de dois dias.

O prazo ajuda a situar no tempo uma parte dos acontecimentos que ditaram que transferências de quase 10.000 milhões de euros não tenham chegado ao conhecimento da área da inspecção tributária. O caso dos offshores, com contornos ainda por esclarecer, está a ser averiguado pela Inspecção-geral de Finanças (IGF) e, no Ministério Público, a recolha de elementos já feita foi remetida para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), a quem cabe agora ponderar se abre, ou não, um inquérito ou se avança com algum outro procedimento.

Sabendo-se que a passagem dos dados para o “armazém” informático central ocorre até 48 horas depois de os bancos submeterem as declarações no Portal das Finanças, isso indicia que as falhas terão acontecido sucessivamente nos dois dias que se seguiram a cada momento em que as instituições financeiras fizeram chegar ao fisco, em cada ano, os ficheiros das Declarações Modelo 38. Por esclarecer está, no entanto, se os erros se materializaram de facto nesses períodos exactos e qual é a origem da anomalia que ditou a repetição do erro.

Os ficheiros que os bancos têm de enviar ao fisco até Julho de cada ano contêm centenas ou milhares de linhas, cada uma correspondente às transferências feitas no ano anterior acima de 12.500 euros (referências de quem fez a transferência, para onde, quem a recebeu ou em que dia foi realizada).

Em cerca de duas dezenas de declarações relativas aos anos de 2011 a 2014, descobriram-se 21.146 operações que não tinham sido processadas para o sistema central. A maioria – 12 delas – referem-se a transferências realizadas em 2014, comunicados entre os dias 8 de Julho e 6 de Novembro de 2015.

Quando a directora-geral da AT enviou ao Parlamento um documento com a lista de ficheiros problemáticos, os dados faziam referência a quatro declarações de substituição entregues pelos bancos (duas em 2015 e duas em 2016, referentes a transferências de 2011, 2012 e 2013). Ficava a dúvida: antes das declarações de substituição, já havia valores omissos nas primeiras declarações ou o erro só aconteceu numa segunda fase? Não aconteceu o mesmo com todas essas declarações.

Às perguntas colocadas pelo PÚBLICO para esclarecer esta questão, o Ministério das Finanças enviou um conjunto de dados onde é possível ver as datas em que as primeiras declarações foram enviadas e comparar o valor que passou para o sistema central nessa altura com os valores que são agora conhecidos.

No caso mais relevante em termos de volume de transferências omissas (de 2012), cerca de 2700 milhões de euros, é possível concluir que houve falhas logo em 2013. Quando a declaração é submetida no Portal das Finanças a 18 de Julho desse ano, só passaram para o sistema central transferências de 177,4 milhões de euros, quando o banco fazia saber logo aí que os fluxos eram de 2958 milhões de euros. Já num outro caso de menor dimensão (12,9 milhões) o erro terá acontecido no processamento da declaração de substituição em Janeiro de 2016, quando ainda não estava activa a nova versão do software que terá permitido detectar as discrepâncias.

A primeira declaração com erro de que há registo é precisamente a enviada a 18 de Julho de 2013. Embora haja uma declaração problemática relativamente a transferências feitas em 2011, o erro não aconteceu em 2012 na primeira declaração que o banco envia ao fisco a 20 de Julho de 2012, mas numa declaração de substituição entregue em Junho de 2015, onde o valor das transferências, em vez de ser de 64,9 milhões, foi de 23,6 milhões.

A auditoria conduzida pela IGF, com o apoio de peritos do Instituto Superior Técnico (Universidade de Lisboa), estava inicialmente programada para terminar em Março, mas a inspecção pediu mais tempo para fazer a peritagem às aplicações informáticas do fisco, não se sabendo em que data estará concluído o inquérito.

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