Sobretaxa de IRS baixa para 1% para quem está no segundo escalão de rendimento

Encaixe do Estado com a sobretaxa passa para os 400 milhões de euros. Em 2016 não haverá “nenhum enorme aumento dos impostos escondido”, garantem as Finanças.

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Os dois secretários de Estado da equipa de Mário Centeno estrearam-se nas audições parlamentares Enric Vives-Rubio
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João Leão, secretário de Estado do Orçamento Enric Vives-Rubio
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Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Enric Vives-Rubio

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, explicou esta manhã no Parlamento como será feita a redução progressiva da sobretaxa de IRS em 2016, prevista pelo PS. O PCP anunciou entretanto uma contraproposta, com alterações de taxas diferentes.

Para os rendimentos mais baixos, do primeiro escalão de rendimento (até cerca de 7000 euros), a isenção para a esmagadora maioria das pessoas já decorre das regras de tributação do IRS (no ano passado abrangeu cerca de 3,4 milhões de agregados familiares). O valor exacto do rendimento anual que actualmente está isento é de 7070 euros. 

Na proposta do PS, para os contribuintes do segundo escalão (rendimento colectável dos 7000 aos 20 mil euros), a sobretaxa de IRS desce dos actuais 3,5% para 1%. Neste patamar, onde estão cerca de um milhão de agregados familiares, a descida é maior do que a prevista na primeira proposta apresentada pelos socialistas.

Como o salário mínimo deverá aumentar para os 530 euros no próximo ano, estarão isentos da sobretaxa os agregados familiares até aos 7420 euros, confirmou o secretário de Estado. Na prática, a sobretaxa de 1% aplica-se assim a quem tiver um rendimento colectável que vai dos 7420 euros aos 20 mil euros por ano. Num cenário sem alterações no salário mínimo, a isenção vai até aos 7070 euros (sendo esse o valor que consta efectivamente da proposta dos socialistas, porque ainda não houve alteração da remuneração mínima).

Para o terceiro escalão, os rendimentos colectáveis entre 20 mil a 40 mil euros por ano, a sobretaxa é reduzida a metade, descendo para 1,75%. Nesta situação estão cerca de 364 mil agregados familiares.

Já para quem tem rendimentos entre 40 mil e 80 mil euros, a redução será menor do que a prevista inicialmente pelos socialistas. A sobretaxa desce para 3%. Há cerca de 80 mil famílias neste quarto escalão de rendimento.

No patamar mais alto, para quem tem rendimento colectável acima dos 80 mil euros por ano, a sobretaxa vai manter-se nos 3,5% no próximo ano, estando apenas previsto o fim da medida no ano seguinte.

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O modelo escolhido para baixar a sobretaxa vai levar a uma descida de 57% nas receitas arrecadadas com a sobretaxa de IRS, que no ano passado totalizaram 930 milhões de euros, fez saber Fernando Rocha Andrade. Para os cofres do Estado, a cobrança deverá reduzir-se para cerca de 400 milhões.

Ouvido na comissão de orçamento e finanças, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais defendeu que foi possível encontrar uma “forma alternativa de fazer essa redução”, mantendo os objectivos financeiros em causa, para que “se progredisse” de forma mais rápida para os contribuintes com rendimentos mais baixos, e para que houvesse uma progressividade, o que nesse caso faz com que para os rendimentos mais altos a descida da sobretaxa seja mais lenta. “A redistribuição nunca é um almoço grátis”, sintetizou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo socialista, que foi ouvido na Assembleia da República com o secretário de Estado do Orçamento, João Leão.

O PCP apresentou uma proposta para que também os contribuintes do segundo escalão deixem de pagar já a sobretaxa e ainda para que quem está no terceiro patamar pague 1,75%, mantendo a taxa nos 3,5% para rendimentos acima dos 40 mil euros anuais.

Antes, o deputado do PCP Miguel Tiago questionou o secretário de Estado sobre o que representaria a eliminação da sobretaxa no primeiro e no segundo escalão. “É possível fazer uma comparação, para temos uma noção de qual é a perspectiva de encaixe com uma solução [ou] com outra solução?”, lançou. Rocha Andrade explicou que o executivo partiu de “um princípio de neutralidade financeira”, ou seja, desenhou a redução da sobretaxa em função do escalão de rendimento, de forma a que a redistribuição progressiva ficasse “mais ou menos” dentro dos mesmos objectivos previstos no programa do PS. “Um dos exercícios foi o de estender essa isenção à totalidade” até aos 20 mil euros, mas para isso o terceiro escalão teria de ter uma tributação de pelo menos 2,75% em vez dos 1,75%.

As linhas vermelhas
Os deputados do PSD e do CDS-PP colocaram a tónica nas propostas eleitorais de cada um dos partidos à esquerda e acusaram o Bloco de Esquerda e o PCP de terem recuado em relação às suas propostas, porque não haverá uma eliminação da sobretaxa em 2016. “Eu estive aqui foi muitos anos a debater com quem achava que não tinha [de haver modelação na redução da sobretaxa]”, ironizou Cecília Meireles.

A deputada centrista desafiou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a dizer se estão para chegar com o Orçamento do Estado para 2016 “surpresas desagradáveis” , para compensar com um aumento dos impostos o que agora foi acordado entre os partidos à esquerda.

Fernando Rocha Andrade assegurou que não haverá agravamentos fiscais no próximo ano. “As medidas fiscais relativas ao OE para 2016 serão aquelas que estão identificadas no programa do Governo, portanto, não traremos nenhum enorme aumento dos impostos escondido” no novo orçamento, assegurou o governante.

À acusação da deputada centrista de que o BE inverteu os compromissos eleitorais, Mariana Mortágua respondeu: “O BE não está a governar. O programa que estamos a discutir não é o programa do BE e isso foi assumido desde o início”. A deputada bloquista argumentou que PS, BE, PCP e Os Verdes já conseguiram “mais nas negociações” à esquerda do que o que aconteceu quando o CDS “teve de romper todas as linhas vermelhas” para manter a anterior coligação de Governo. “Não vale a pena encontrar contradições onde elas não existem”. E continuou: “Não há um eleitor do BE e um contribuinte em geral” que prefira a proposta do CDS-PP e do PDS à proposta que vai vigorar no próximo ano.

O Bloco não está no executivo “mas está a viabilizar este Governo”, responderia a deputada do CDS-PP, dizendo que o BE é agora “co-responsável” pelas medidas a implementar pelos socialistas. Para Cecília Meireles, a deputada Mariana Mortágua “não se contradiz nas palavras, mas contradiz-se nos actos”, porque “vai votar pela sua manutenção [da sobretaxa] em 2016”.

A proposta dos socialistas, que é votada na especialidade na comissão de orçamento e finanças na quarta-feira, é a “prova da falha do compromisso do PS, para não falar da falha de compromisso do PCP e do BE”, alfinetou Cristóvão Crespo, do PSD. Para o deputado, a solução encontrada significa que é a classe média quem vai continuar a pagar a esta medida extraordinária, uma afirmação que levou Mariana Mortágua a ripostar que a classe média foi “tão esmifrada” nos últimos quatro anos que ficou reduzida a uma pequena fatia da população.

A “geringonça” da sobretaxa
Quando PSD e CDS-PP mantinham as baterias apontadas aos partidos que apoiam o Governo do PS, um deputado socialista entrou em campo com uma expressão cara ao ex-vice-primeiro ministro Paulo Portas, quando este citou a caricatura feita por Vasco Pulido Valente ao apoio da esquerda como uma “geringonça”. Desta vez, foi o deputado socialista Paulo Trigo Pereira quem se referiu à sobretaxa em vigor desde 2013 como uma “geringonça” criada pelo PSD e o CDS-PP. Ironia à parte, uma observação e uma pergunta ao governante.

O economista advertiu que mesmo a proposta para a sobretaxa vai “criar um problema na transição de escalões” porque, havendo um desagravamento da tributação e um aumento do rendimento colectável, alguns contribuintes podem passar para o escalão seguinte, ficando prejudicados. Ao secretário de Estado, Paulo Trigo Pereira perguntou o que é que foi equacionado para evitar que esses contribuintes ficam a salvo de um agravamento.

Rocha Andrade reconheceu que “há sempre um problema na mudança de escalões” e que para evitar essa situação seria necessário colocar uma cláusula de salvaguarda. Não foi, porém, claro em dizer se de facto esse mecanismo vai ou não avançar. Reconheceu que “não é uma solução inédita no sistema fiscal português” e que obriga a “actuar por cima de um sistema que é um pouco tosco, que é a sobretaxa”, criada fora do código do próprio imposto.

Na resposta ao deputado socialista, o governante aproveitou para ironizar sobre a “geringonça”. “É uma palavra que tenho tomado com carinho para o funcionamento deste governo e do seu suporte parlamentar”, brincou.

Deputada do PSD distorce frase de Costa
A deputada do PS Margarida Balseiro Lopes apontou o dedo ao Governo por optar pelo “abrandamento da consolidação orçamental” e, falando sobre a nova solução para a sobretaxa, lembrou declarações de António Costa de Outubro do ano passado em que o secretário-geral do PS afirmava que teria “muito prazer” em devolver a sobretaxa de IRS em 2016.

Ao citar esta frase em abstracto, a deputada do PSD distorceu o contexto em que ela foi dita, porque a afirmação não se referia à descida da sobretaxa em 2016, mas antes a uma outra medida separada e lançada pelo anterior Governo do PSD e do CDS-PP – o crédito fiscal da sobretaxa de IRS. Em causa está a medida que prevê que os contribuintes sejam reembolsados parcial ou totalmente da sobretaxa paga ao longo deste ano, em função do nível da cobrança dos impostos e que só acontecerá caso as receitas do IVA e do IRS superem as previsões inscritas no orçamento de 2015.

Tendo em conta os últimos números da execução orçamental (até Outubro), não haverá reembolso da sobretaxa, mas só quando forem apurados os valores da cobrança tributária dos 12 meses do ano será possível saber se os contribuintes recebem alguma parte do que estão a pagar este ano em sede da sobretaxa.

Notícia corrigida às 14h56: rectificada a tabela, para corrigir o valor da sobretaxa de IRS que incide sobre o rendimento colectável do terceiro escalão, que será de 1,75% em 2016

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