Salvar o sector, sancionar o infractor

A AES elegeu o combate ao trabalho não declarado como a prioridade entre as prioridades.

A Associação das Empresas de Segurança (AES) a que presido, tem-se empenhado, de forma vigorosa, na denúncia de um fenómeno que, sem demagogia, merece o qualificativo de praga. Uma praga que, de forma inclemente, tem destruído valor, com uma intensidade que compromete a própria viabilidade do sector. Falo do chamado trabalho não declarado. Trabalho não declarado é uma designação eufemística, simpática e redutora. Isto porque falamos de trabalho ilegal, exercido em desrespeito pela lei e à margem das obrigações que dela derivam. O sintoma desta patologia é evidente e a ferida está suficientemente exposta.

Pense o meu caro leitor assim: uma entidade pública quer contratar um serviço de vigilância humana para as suas instalações. Ou seja, e por exemplo, pretende manter, na sua portaria, um serviço de segurança que dure as 24 horas do dia. Esse serviço tem um custo mínimo, que corresponde àquilo que tem de ser pago aos trabalhadores envolvidos, adicionado aos respectivos encargos sociais. Por isso falo em custo mínimo. Imagine que esse custo é computado em 100. Pois bem: apesar de esse custo mínimo estar calculado e fixado nos tais 100, muitas entidades concorrem à prestação desse serviço, apresentando valores mais baixos, situados nos 75 ou 80. É estranho, pensará. Mas é ilegal proceder assim? Não, dizem alguns entendidos. Tem a coisa explicações? Sim, poderá ter. Fala-se em economia de escala, ganhos de produtividade, agilidade de gestão, investimento intensivo no sector, ou esforço especial dirigido a manter clientes estratégicos. É a coisa bem-vinda para quem contrata os serviços? Claro que é. A dita entidade pública congratula-se com a poupança gerada, que fica mais em linha com os constrangimentos orçamentais vigentes.

Porém, divise-se um pouco mais longe, deixando as árvores, para vermos a floresta. É sustentável que o mercado apresente, de forma consistente, esta tendência? Podem os microfenómenos que justifiquem, aqui e ali, concorrer com preços baixos, tornarem-se regra? Podem os concursos ser ganhos, sistematicamente, por quem apresenta o que entidades tão diferentes como a ACT ou a Deloitte, ajuízam ser preços abaixo dos custos mínimos a suportar pelas empresas, na concretização do serviço a prestar? A pergunta pode até formular-se de maneira mais simples: deve ou não causar perplexidade, que se pague mensalmente 10 e um trabalhador e ele seja colocado na tal entidade pública, pedindo a esta que pague 8 em cada mês?  Todos perceberemos que sim. A situação é totalmente anómala. Tem na base a omissão de muitas empresas no cumprimento das suas obrigações, nomeadamente no que diz respeito ao trabalho extraordinário. Para fazer um diagnóstico completo e sustentado, um conjunto de empresas de segurança privada solicitou à EUROGROUP CONSULTING que estudasse estas práticas e os respectivos impactos. Esta entidade independente produziu um importante Estudo, que foi divulgado no passado dia 11 do corrente. O documento identifica e quantifica conclusões, às quais ninguém pode ficar alheio. O tal trabalho não declarado é responsável por uma perda anual de 54 milhões de euros, assim distribuída: 24 milhões pagos em subsídios de desemprego, nascidos da perda de postos de trabalho; 14 milhões em receitas perdidas de IVA; 3 milhões em receitas perdidas de IRS; 13 milhões em receitas perdidas de TSU. Este o prejuízo directo nascido, em cada ano, para o Estado. O Estudo prevê que esse valor possa vir a quase duplicar, se a situação não for atalhada. Mas os 54 milhões são apenas uma das facetas visíveis da lesão que todos sofremos. A contemporização com o trabalho não declarado, a manter-se, arrastará o setor para o precipício. Não existe aqui ponta de exagero. As empresas cumpridoras lutam, neste momento, num quadro de concorrência insuportável. Tudo isto num contexto em que a facturação global mirra, tal como diminui o número de trabalhadores, dois sinais evidentes de um mercado em recessão acentuada.

Por tudo isto  a AES elegeu o combate ao trabalho não declarado como a prioridade entre as prioridades. Temos exortado o poder político a combate-lo, mediante a reformatação da actividade inspectiva. Uma actividade inspectiva que deve, por um lado, articular várias entidades relevantes como o são, neste domínio, a ACT, a ATA, a Segurança Social e as forças policiais. Uma actividade inspectiva inteligente, que deve prevalecer-se da acessibilidade de vários indicadores disponíveis como são os contratos celebrados por cada empresa de segurança e o número de horas de trabalho que acarretam cotejados com o número de trabalhadores envolvidos e o que é efectivamente pago a cada um deles. É essencial salvar o sector e deixar de beneficiar o infractor.

Presidente da AES – Associação de Empresas de Segurança Privada

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