Centeno justifica novos salários na CGD com sector privado

Tudo indica que António Domingues tenha na comissão executiva cinco gestores com origem no BPI, para além do próprio gestor. O BCE pode questionar acumulação da presidência executiva e não executiva.

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Paulo Pimenta

As remunerações na Caixa Geral de Depósitos (CGD), órgãos sociais e trabalhadores, vão passar a alinhar pela média praticada no sector. Esta é a primeira medida de um conjunto de iniciativas inscritas no plano de reorganização do maior grupo português, cuja recapitalização pública é a última fase do processo, e que foi esta quinta-feira anunciada pelo ministro das Finanças Mário Centeno em conferência de imprensa.

"O objectivo é que os trabalhadores e os órgãos sociais da CGD possam ter um tratamento em termos de remunerações e carreiras” idêntico ao que vigora no sector privado, explicou Mário Centeno, notando que o maior banco do sistema (e o maior grupo português) opera no mercado em condições idênticas às dos seus concorrentes.

A decisão foi aprovada esta quarta-feira em Conselho de Ministros. E, assim, o plano de reestruturação da CGD, a levar a cabo pela nova administração liderada por António Domingues, vai contemplar o fim dos limites salariais e de progressão da carreira dos trabalhadores da Caixa, sujeitos aos tectos salariais impostos pelo Estatuto do gestor Público (EGP).

Diferenças de vencimentos

Para o ministro das Finanças o que se pretende, no caso da gestão, é que as remunerações sejam atribuídas pelo que cada um faz e não pelo que fizeram no passado. Neste momento, na Caixa, os ordenados dos administradores executivos são atribuídos com base na média do rendimento dos últimos três anos (antes de assumirem funções), pelo “que os salários não têm limite”. Está em causa o regime de excepção previsto no EGP. Um “esquema de incentivos” que Centeno classifica de “perverso”. Ilustrou: Nuno Thomaz (que renunciou já ao cargo), que foi vice-presidente de José Matos, auferia mensalmente 8 647 euros (14 meses), cerca de metade do que recebia o presidente (16,5 mil euros), e menos que qualquer vogal da mesma gestão, 13.500 euros.

Quando era empresário, o vencimento (que serviu depois para o cálculo dos 8647 euros) de Thomaz era complementado com distribuição de dividendos anuais. Mas a tabela de vencimentos da CGD destaca-se hoje por ser a mais baixa do mercado, apesar de ser o maior banco do país. A título de exemplo: em 2015, a remuneração mensal atribuída ao então vice-presidente do BPI era de 30 mil euros, valor que em 2013 (quando o banco estava sob ajuda do Estado) se situou em 27 mil euros mensais (tendo o diferencial sido reposto assim que o banco devolveu o empréstimo estatal).

Comissão executiva já está quase fechada

No encontro com a comunicação social, o ministro das Finanças indicou que os 19 administradores do conselho liderado por Domingues, vão ter salários “alinhados com a realidade dos outros bancos" e que serão fixados por uma comissão de remunerações que emanará do grupo de não executivos. Dos 19 administradores, sete são executivos. O aumento de administradores, e a decisão de ter uma maioria de não executivos, visa seguir a prática do mercado e permitir “o funcionamento das comissões de controlo” da comissão executiva. E Centeno notou: "O BPI tem 23 elementos, sete executivos, enquanto o BCP tem 20 administradores, sete executivos.”

O BCE, que terá de se pronunciar sobre os órgãos sociais, pode levantar dúvidas sobre a intenção de Domingues de acumular as presidência executiva com a não executiva (o que põe em causa a aplicação da directiva CRD4).

No que respeita à composição da nova comissão executiva é certo que Domingues é o presidente, que a equipa será da sua confiança e que dela não constará nenhum dos actuais gestores.

Mas há nomes na calha, ainda sem qualquer confirmação mas que circulam na esfera política. E onde se admite que a próxima gestão executiva liderada pelo ex-vice-presidente do BPI seja alimentada por quadros com origem nesta instituição privada. Para se juntarem a António Domingues, na comissão executiva, são referidos Cabral Menezes, ex-BPI e que hoje está na Caixa Brasil, Emídio Pinheiro, à frente do BFA (Angola), por designação do BPI, e dois directores com responsabilidades nos recursos humanos e no risco. No BPI, no pelouro dos recursos humanos está Tiago Marques e o do risco tem como director geral António Farinha de Morais (ex-administrador executivo). No BPI fala-se que ambos podem acompanhar António Domingues. Tal como um ex-director do BPI, agora na Vodafone, com vocação para os sistemas de informação. Uma matéria que, em qualquer empresa, em particular na banca, desempenha um papel importante na gestão do sistema de controlo interno. 

Se os dados se confirmarem significa que Domingues vai privilegiar os vários territórios (recursos humanos, risco, controlo) que assumem um papel crucial no actual contexto da actividade bancária.

Hoje, o ambiente regulatório exige atenção acrescida ao tema da gestão do risco (ou seja do seu controlo) pelos impactos no capital das instituições, que é um bem escasso. E, em regra, o administrador com o pelouro do risco tem assento num comité autónomo, sem ligação à área comercial, de modo a garantir que as decisões são tomadas sem interferência. 

Já os responsáveis pelos recursos humanos desempenham um papel na estratégia de ajustamento da instituição às novas condições de mercado, o que passará pela redução de balcões e de trabalhadores. Duas medidas que constam do plano de reorganização e capitalização da Caixa negociado com Bruxelas. Em Dezembro, a rede comercial do banco público em Portugal dispunha de 764 agências. Com uma presença em 23 países, a Caixa é responsável por mais de 16 mil empregos, dos quais 8410 em Portugal. E os cortes vão ser aplicados a este grupo.

 Domingues poderá ir buscar para os órgãos sociais da Caixa, um homem da casa, o jurista Lourenço Soares, que faria a ligação com a mega estrutura bancária. É o que se admite nos corredores do grupo público. 

Já a escolha dos não executivos teve de ser articulada com António Costa, tendo sido convidados para vice-presidentes Rui Vilar e Leonor Beleza. Já o conselho fiscal será liderado por Guilherme d’Oliveira Martins. Três figuras com peso político e provenientes do bloco central. Na lista constam ainda Pedro Norton, ex-Impresa, Bernardo Trindade, ex-secretário do Estado de José Sócrates e gestor do Porto Bay.

Dinheiro a caminho, condições também

Sabe-se que o Governo se prepara para, nos próximos dias, formalizar a nomeação dos novos órgãos sociais, o que só fará depois de Bruxelas ter dado luz verde informal às linhas gerais da injecção de fundos públicos. Isto, porque Domingues condicionou a ida para a CGD à garantia de que o capital do maior banco português (e o maior grupo) seria reforçado pelo seu accionista, o Estado. 

Na sequência de uma negociação prévia, que decorreu nos últimos meses, sexta-feira passada,  o Governo enviou para a DGComp a solução de recapitalização da Caixa. No mercado admite-se que possa decorrer de uma só vez ou de modo faseado, que possa envolver uma operação harmónio, redução seguida de aumento de capital, e venha a ultrapassar os 3000 milhões de euros. Mas, sobre este tema, Mário Centeno não deu quaisquer detalhes durante a conferência de imprensa desta quinta-feira. Apenas adiantou que “o capital que o Estado colocar na Caixa terá de ser visto como um investimento e para ser visto como investimento tem que gerar um retorno”. O que exige “que a Caixa seja gerida por pessoas com experiência no sector”, o que justifica os esforços que vão ser feitos.

Nos últimos cinco anos, a Caixa registou prejuízos de 2000 milhões e teve de constituir imparidades de 6000 milhões, fruto de deliberações tomadas na década passada. No mínimo, o banco público vai necessitar de 2500 milhões de euros de capital adicional. No imediato, há a questão da devolução dos 900 milhões de capital contingente do Estado, e a constituição de parte ou da totalidade de almofada de fundos próprios de quase 600 milhões (medida que o BdP antecipou e que vai ser protelada). 

 Aos 1500 milhões podem ainda juntar-se entre 1000 e 1500 milhões, para garantir uma margem de segurança e permitir ajustar a plataforma comercial às condições de mercado. Ou seja: diminuir quadro de pessoal. Assim, as necessidades perfazem entre 2500 milhões e 3000 milhões. A intenção é aproveitar para reduzir o rácio de crédito em risco na CGD que, em Março de 2016, se cifrava em 11,9%, o que pode exigir uma quantia extra. Isto, porque o grau de cobertura por provisões e imparidades é de 62,8%, sendo o do crédito a particulares de 46,8% (abaixo da média do mercado) e o do crédito a empresas de 70,3%. Nos primeiros três meses do ano, o total do crédito a clientes bruto (incluindo créditos com acordo de recompra) situou-se em 70,6 mil milhões.

Fala-se ainda noutro cenário: se o Novo Banco não for vendido, ou exigir nova injecção de fundos, o Governo pode voltar a tentar negociar a sua integração na CGD. Mas só se o activo passar com o balanço limpo é que terá um impacto positivo no capital do banco estatal. A exemplo do que aconteceu aliás com o Banif onde o Estado injectou 3000 milhões. Mas neste caso parte do dinheiro dos contribuintes portugueses acabou por ir beneficiar as contas do grupo espanhol Santander. 

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