Sair do euro é apenas fugir ao euro

Sair do projecto europeu é assumir a nossa absoluta menoridade. Antes outra década perdida dentro do euro do que uma década supostamente ganha fora dele.

Só há dois tipos de profissionais que defendem a saída de Portugal do euro: economistas ou políticos de esquerda. Os economistas porque não têm de se preocupar em demasia com o impacto dos seus modelos no bem-estar das populações. Os políticos de esquerda porque não têm forma de compatibilizar as suas convicções ideológicas com as regras da União Europeia. É por isso que Francisco Louçã se tornou um dedicado apóstolo da saída da moeda única (“o euro não tem salvação”) e o PCP incluiu a saída do euro no seu programa eleitoral. E é também por isso que Joseph E. Stiglitz, que no final deste mês vai publicar em Portugal o seu novo e badalado O Euro: Como uma moeda comum ameaça o futuro da Europa, anda por aí a dar entrevistas a aconselhar-nos a regressar ao velho escudo. “Ficar é mais custoso do que sair”, diz ele, que é americano e não tem de ficar por cá a testar a veracidade das suas afirmações.

É evidente que Stiglitz, Louçã ou o próprio PCP têm razão em inúmeras críticas que são feitas à construção do euro. Mas às vezes convinha que a Política e a Economia fossem temperadas por um bocadinho de História. Porque até parece que Portugal era o motor da Europa e um país economicamente pujante até ao malfadado dia em que se lembrou de aderir à moeda única. Vou contar-vos um segredo: não era. Estávamos impreparados para o euro? Sim, estávamos. Mas o euro não é a causa da nossa impreparação. Tenho imensas dificuldades em aceitar que todos os nossos problemas económicos sejam hoje atribuídos ao terrível euro e às imposições alemãs. Por uma razão muito simples e facilmente comprovável: a História de Portugal é um vasto estendal de crises e de falências, que vão muito para além do tetra-tetravô do senhor Jean Monnet e da tetra-tetravó da senhora Angela Merkel.

Alguém me indique, por favor, quando é que Portugal foi um país com finanças sãs, orçamentos equilibrados e com um superavit na balança comercial desde que D. Pedro derrotou D. Miguel, para não ir mais atrás. A resposta é: nunca. O único que pôs as contas em ordem foi António de Oliveira Salazar, cujo regresso eu dispenso, e pagando o preço do país “pobrete mas alegrete”. Não sei se alguém está interessado em transformar Portugal na Venezuela da Europa, para podermos voltar a competir internacionalmente com baixos salários e endireitar as contas do Estado através da impressão de moeda e da promoção de uma inflação de dois dígitos. Lembrem-se: cortar salários em 10% é inconstitucional, mas desvalorizar salários em 20 ou 30% já não é. Eu faço hoje 43 anos (podem dar-me os parabéns) mas ainda me lembro muito bem do início dos anos 80.

Sair do euro é apenas fugir ao euro. Toda a gente fala da “década perdida” como se ela fosse a primeira da nossa história, ou como se não existissem outros países do mundo com décadas perdidas, mesmo com capacidade para imprimir moeda (o Japão, desde logo). Aquilo que o euro não nos permite, de facto, é mascarar as nossas fragilidades como antigamente – o euro exige a adopção de políticas mais corajosas do que telefonar para a Casa da Moeda a mandar ligar as rotativas. A afirmação de Portugal na Europa é um sonho antigo, que demorou e custou a concretizar. E é um sonho que vai muito para além da sua dimensão económica. Sair do projecto europeu é assumir a nossa absoluta menoridade. Antes outra década perdida dentro do euro do que uma década supostamente ganha fora dele. 

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