Rocha Andrade: a consolidação orçamental "tem de ser uma bandeira da esquerda"

Ao DN, Rocha Andrade falou do Orçamento do Estado e afastou um cenário de confusão entre os contribuintes na eliminação da sobretaxa do IRS. Mas ainda há espaço para negociações na especialidade.

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O secretário de Estado disse que todos os governantes têm o seu caso Galp Miguel Manso/PÚBLICO

A abertura a ajustamentos à proposta do Orçamento do Estado apresentada na última sexta-feira pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, é possível “no quadro dos parâmetros de consolidação que constam no próprio Orçamento”, afirma o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade.

Em entrevista ao Jornal de NotíciasDiário de Notícias, o governante não quis “antecipar a multiplicidade de cenários que seriam possíveis”, como o agravamento do novo imposto sobre o património, mas acredita que essa hipótese foi deixada clara por Centeno. Rocha Andrade sublinhou ainda que a “necessidade de consolidação orçamental não é uma bandeira da direita”, acrescentado que “tem de ser uma bandeira da esquerda”. Numa passagem por alguns dos pontos do Orçamento do Estado que poderão gerar mais discórdia com os parceiros de esquerda, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais falou ainda do caso Galp, depois de ter viajado a convite da empresa para assistir à meia-final do Euro 2016.

Acerca da eliminação da sobretaxa do IRS, o secretário de Estado acredita que a fórmula é “muito clara e perceptível para as pessoas”, afastando qualquer confusão que possa ser gerada entre os contribuintes. “A actual retenção na fonte, prolonga-se em 2017 e termina num mês concreto. E, portanto, as pessoas vão ver desaparecer a sobretaxa das suas retenções na fonte em Abril, em Julho, em Outubro e em Dezembro, consoante o escalão de rendimentos em que se encontrem”, detalha.

O secretário de Estado insistiu que “como o IRS é um imposto anual, as taxas médias são reduzidas por forma a adequarem-se àquela eliminação na fonte, de maneira a que, na generalidade dos casos, o que acontecerá é que aquilo que as pessoas pagam em retenção na fonte ao longo do ano é aquilo que têm de pagar no ano todo e não há acertos de contas a fazer”.

Ainda assim, Rocha Andrade reconhece que existirão casos em que se retém de mais e até será preciso fazer uma devolução na liquidação final. “Dada a irregularidade com que os rendimentos podem ser recebidos, pode haver situações ou de necessidade de reembolso ou de necessidade de liquidação adicional”, falando, a exemplo, dos recibos verdes. Questionado sobre se este seria um “truque”, o secretário de Estado insistiu que “este esquema é transparente para as pessoas”.

Em relação aos escalões do IRS, actualizados em 0,8%, como manda a lei, e face à previsão da inflação para 1,5% em 2017, Rocha Andrade responde quese este método [em que no início de cada ano é reposta a situação, em termos de preços reais, como ela existia em período homólogo] for seguido uniformemente, no princípio de cada ano é sempre corrigida a inflação registada”.

Questionado sobre a taxa que incide sobre imóveis com valor tributário acima de um milhão de euros actualmente em vigor, comenta que é “uma forma injusta de tributar o grande património imobiliário”, uma vez que “imóvel daquele valor pode ser propriedade de cinco ou seis pessoas (imaginemos, uma herança indivisa) e que, portanto, verdadeiramente representa uma quota que pode ser de menos de 200 mil euros a cada um e, todavia, estão a pagar um imposto destinado a grandes fortunas”. Por outro lado, continua, “se uma outra pessoa tiver em seu nome sete ou oito imóveis, cada um no valor de 999 mil euros, está totalmente isenta deste imposto, apesar de ter um património acumulado de milhões de euros”. Uma "injustiça" que termina com o novo imposto, argumenta. Não obstante, o governante afasta o risco de perda de competitividade no sector, e acrescenta que “não estamos em condições de avançar” para tributações do património mais alargadas.

Sobre a estabilização da carga fiscal e aumento das receitas que constam nas contas do Governo, responde que “é a consequência normal da evolução dos preços e do crescimento da economia”.

“A verdade é que o aumento das receitas com impostos vai contribuir muito pouco para a redução do défice, a redução da despesa também, e se o défice baixar, baixa à custa de dividendos do Banco de Portugal (mais de 300 milhões de euros), de recuperações de garantias do BPP (450 milhões) e de vendas que não são detalhadas no Orçamento do Estado. São mais 1200 milhões de euros nestas três rubricas”, detalhou.

“Seria preferível evitar aquele tipo de polémicas”

O secretário de Estado garantiu que a sua posição no Governo não ficou mais enfraquecida depois das viagens pagas pela Galp e desvalorizou o sucedido. “Seria preferível evitar aquele tipo de polémicas”, disse, acrescentando, no entanto, que se sente “em condições plenas de exercício”.

“Todos os membros do Governo carregam consigo uma lista grande de entidades em relação às quais não devem tomar decisões”, asseverou. “Eu e todos os meus antecessores, todos temos essa lista” e o que acontece agora “é que passa a haver mais uma empresa na qual o meu chefe de gabinete passa a adoptar o procedimento de reenviar a decisão para o senhor ministro das Finanças”.

Rocha Andrade disse que ainda não teve de tomar nenhuma decisão ligada à Galp, mas já se viu em situações semelhantes, onde teve necessidade de invocar essa escusa, por situações que comprometiam a sua capacidade de decisão, sem especificar.

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