Recurso dos swaps das empresas públicas pode chegar ao Tribunal de Justiça da UE

O Tribunal de Londres, que dera razão ao Santander ao considerar que os contratos são válidos, acabou por validar o pedido de recurso apresentado pelas empresas públicas de transporte

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Empresas de transporte não salvaguardam valores a pagar de custos e de juros de mora RICARDO SILVA

O tribunal de Londres, que deu razão ao Banco Santander Totta sobre a validade dos contratos de swaps, admitiu esta quinta-feira o recurso das quatro empresas públicas de transporte que subscreveram esses produtos financeiros, o que abre a porta a que a decisão final seja tomada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

No recurso, as empresas (Carris, Metro de Lisboa, STCP e Metro do Porto) pretendem que o diferendo que as opõe ao Santander seja julgado com base na legislação portuguesa, ao abrigo da Convenção de Roma.

Os contratos de swaps visavam a cobertura do risco de subida das taxas de juros nos empréstimos contratados com o banco. Como as taxas Euribor começaram, a partir de finais de 2008, a cair de forma significativa, atingindo mesmo valores negativos, o produto financeiro passou a gerar perdas elevadas para as entidades públicas. Actualmente os custos com juros dos contratos variam entre 20% e 70%.

A sentença do Commercial Court britânico conclui que “o Art. 3 da Convenção de Roma não se aplica porque todos os elementos relevantes para esta situação na altura da escolha [dos swaps] não estavam apenas ligados a Portugal. Em síntese, não são contratos puramente domésticos”.

O tema é, no entanto, controverso. Nos contratos assinados, para além de estar convencionado a supremacia da legislação inglesa na resolução de eventuais conflitos, o Santander previa a sua transferência para a casa-mãe, o Banco Santander espanhol. O desafio do Estado, que não conseguiu nesta fase, é provar que o banco espanhol não teve intervenção directa nos contratos e que, portanto, pode prevalecer o direito nacional.

Segundo com uma fonte jurídica, em caso de dúvida sobre esta matéria, o tribunal de Londres pode remeter a matéria para o TJUE, que entre as suas competências, interpreta a legislação para garantir que esta é aplicada da mesma forma em todos os países da União Europeia. Se o tribunal não tiver dúvidas - apesar de existir alguma divergência dos tribunais ingleses neste domínio -, pode decidir sobre a matéria do recurso.

O juiz, que na sentença admitiu que, com base na legislação portuguesa sete dos nove contratos seriam anuláveis, onde se incluem os que apresentam maiores perdas, manifestou reservas sobre o êxito do recurso. Mas se não o aceitasse, as empresas portuguesas poderiam recorrer dessa decisão para um tribunal superior, risco que, por razões práticas, o juiz entendeu que não valia a pena correr, apurou o PÚBLICO.

O recuso apresentado pelas empresas públicas não tem efeitos suspensivos da sentença que valida os contratos, responsabilizando-as pelos pagamentos em atraso, que ascendem a 351,2 milhões de euros, a que acresce 7,8 milhões de juros. Já as perdas potenciais (até ao fim dos contratos) ascendem a cerca de 1,5 mil milhões de euros.

Na prática, e apesar de não ter efeitos suspensivos, o banco pode ter de esperar mais uns meses pelo dinheiro, a que acresce juros de mora. Se as empresas não pagarem voluntariamente os montantes em atraso, o Santander vai ter de decidir se aguarda pela decisão do recurso, que poderá demorar cerca de um ano, ou se avança com uma acção executiva, o que terá de ser feito nos tribunais portugueses.

Se o banco avançar com uma acção executiva, as empresas públicas têm a possibilidade de recorrer para o Tribunal da Relação com base na manifesta violação de normas de ordem interna causadas pela sentença. Neste ponto, o Estado pode conseguir que a justiça portuguesa avalie a razoabilidade de juros de 70%, como estão a pagar actualmente alguns contratos, e que à luz do direito português são considerados usura. Da decisão da Relação é ainda possível recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Na pendência destas decisões, a execução fica suspensa.

Para já, o tribunal de Londres obrigou as empresas portuguesas a pagar 4,9 milhões de libras (cerca de 6,2 milhões de euros, ao câmbio actual) ao Santander, a título de adiantamento de custas incorridas pelo banco. O Estado pode vir a ser condenado a pagar ainda mais, dado que o Santander alegou custos de defesa próximos dos 29 milhões de libras (cerca de 36,8 milhões de euros). O tribunal não fica obrigado a condenar o Estado no valor total, podendo considerar um valor mais baixo.

Até ao momento, o valor gasto com assessores para apoiar o Estado neste processo já vai em quase dez milhões de euros e a factura deverá subir com o recurso que, no entanto, pode ter a vantagem de reforçar a sua posição num eventual processo de negociação com a instituição financeira.

O valor do montante em falta para com o Santander está, na sua esmagadora maioria, provisionado nas contas das empresas, mas o PÚBLICO apurou que o montante das custas e dos juros de mora não estão salvaguardados. O valor a pagar será rateado tendo em conta o risco dos swaps em causa, tal como acontece com o pagamento dos assessores. Com Raquel Almeida Correia

 

 

 

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