Quem são, afinal, os “coveiros” da TAP?

Com tantos embustes, António Costa tem todo o suporte legal para declarar nula a transferência de acções e a tomada de controlo da TAP por parte da Atlantic Gateway.

 

Como um papagaio que imita a voz do dono, J. Martins Pereira Coutinho, num artigo publicado neste jornal, a que deu o título “A privatização salvou a TAP do seu funeral”, repete as despudoradas afirmações de Passos Coelho, o ex-“dono” da TAP (o tal que reconhece que não soube cuidar dela), e declara que os portugueses deviam estar gratos à dupla Neeleman/Pedrosa, sócios da Atlantic Gateway, a quem o anterior governo de gestão entregou de bandeja a nossa companhia aérea, num negócio tão obscuro como obscura foi a hora da noite em que foi assinado por um governo que acabara de ser chumbado no Parlamento.

Segundo este ETA (“Especialista em Transporte Aéreo”), os dois corajosos empresários não hesitaram em puxar das carteiras e em injectar rios de dinheiro para salvar a TAP de um funeral em terra, permitindo assim que os aviões pudessem voltar a voar, e libertando-nos a nós, portugueses, deste pesado fardo que há décadas nos vinha enterrando em dívidas, corrupção e incompetência.

Para o provar, Coutinho, não hesita em alinhar um chorrilho de falsidades, movido pelo pânico de que o actual governo possa, como já devia ter feito, denunciar um negócio clandestino, ilegal e ruinoso que, se não for travado rapidamente, irá, esse sim, arruinar a nossa companhia de bandeira e o bolso dos contribuintes.

Apenas alguns exemplos. Diz o ETA que a TAP foi, até à privatização, um albergue de “boys políticos”. A notícia é grave e exigiria uma investigação do Ministério Público, se Coutinho se desse ao trabalho de “dar nomes aos bois” (neste caso, aos boys). O problema é que, a ser verdade, o homem que há 16 anos gere os destinos da companhia, o brasileiro Fernando Pinto, seria o primeiro a ser confrontado com estas acusações. Como explica então que esse mesmo homem, que ele suspeita de ter albergado sem protesto os “apaniguados políticos” dos vários governos, tenha transitado da administração pública para a privada, tendo mesmo durante uma semana, acumulado, pasme-se, as duas funções?!

Daqui, o ETA passa para a incompetência das sucessivas tutelas - salvando apenas, como lhe convém, a dos governos de Passos Coelho. E ataca o ministro Cravinho, num parágrafo disléxico onde mistura ”falta de competência”, ”buraco financeiro”, “agitação laboral” (o nome que dá às greves, como se nas companhias privadas não houvesse greves bem mais graves e frequentes, como foi a recente greve da Air France, a mais longa em 20 anos, ou as 13 greves na Lufthansa, no último ano e meio), sem que se perceba qual o nexo causal entre cada uma das suas diatribes, nem o que Coutinho quer provar.

Daí o ETA salta para o que chama “os abusos e a indisciplina” na companhia (com esta anarquia, não se percebe como é que os voos da TAP são dos mais seguros do mundo!), afirmando, mais uma vez sem dar exemplos, que “há quem se permita ausentar da empresa” (refere-se a trabalhadores ou a administradores?), o que, a ser verdade, vem sobrecarregar a responsabilidade de Fernando Pinto durante 16 anos ao leme da empresa, e torna mais surpreendente que ele mereça agora a confiança do novo consórcio.

Com uma desenvoltura traquinas, no parágrafo seguinte já está a afirmar que “a TAP desde 1975 nunca deixou de acumular elevados prejuízos, pagos pelos contribuintes” (“largas centenas de milhares de contos”), quando é sabido que, há mais de 21 anos que os contribuintes não colocam dinheiro na TAP. Coutinho mente sem pudor, mas isso não parece incomodá-lo. E salta, desenvolto, para outro ano e para outro parágrafo, lembrando que, em 1993, o então ministro Ferreira do Amaral já advertira que “a TAP tem de mostrar que é rentável ou fechar.”

E adianta que, no ano seguinte, a Comissão Europeia “autorizou o Estado” (afinal sempre é possível!), a injectar 180 milhões de contos na companhia. Mas esquece-se de dizer que foi a última vez que o fez, o que prova que, de então para cá, a TAP, sem mais ajudas do Estado, respondeu com sucesso ao desafio do Ministro, como reconheceu Fernando Pinto, em entrevista ao Expresso, em Fevereiro de 2015 - na mesma altura em que Passos declarou ser necessário vendê-la para a salvar da falência! Disse ele: “Há empresas que têm de ser privatizadas ou fecham. Não é o nosso caso, que é sustentável. Tivemos resultados positivos nos últimos cinco anos – ou nos últimos oito, se esquecermos 2008.” E, numa entrevista ao D.E., um mês depois, afiançou que “a TAP hoje é uma das maiores empregadoras, uma das maiores exportadoras – 77% das nossas vendas são para fora de Portugal. É uma empresa que traz turistas para Portugal do mundo todo, com a ajuda da Star Aliance. Nenhuma empresa na Europa tem a relevância para o país que tem a TAP.” Em que ficamos?

Mas esta duplicidade de Fernando Pinto não incomoda o ETA, que parte logo para outra acusação, no afã de demonstrar que só a gestão privada salva o interesse público de companhias estratégicas como a TAP. Em 1998, lembra, “fruto duma gestão incompetente, o número de funcionários da TAP aumentou de 8.200 para 9.600 e tinha entre 10 e 12 aviões a mais do que era necessário, para as suas operações”. E, à revelia da verdade, o que, como vimos, não o incomoda, o ETA joga novamente com números fantasistas (que pecam por defeito, uma vez que, após a entrada de Fernando Pinto, a TAP contratou mais 5 a 6 mil trabalhadores e adquiriu mais 40 aviões). Pergunta-se: caso a TAP não tivesse, em 1998, esse número de trabalhadores e de aviões (que ele qualifica de desnecessários), como teria conseguido concretizar a estratégia do aumento de rotas que lhe era pedida, e como teria obtido os resultados que conseguiu nos anos seguintes, nomeadamente de 2000 a 2003, ano em que apresentou lucros de € 20 milhões?

Depois, Coutinho acusa o Governo de Guterres e o Ministro Ferro Rodrigues de, em 2001, não terem permitido que fossem apuradas as responsabilidades no ruinoso negócio da TAP com a Swissair. Se dúvidas houvesse de que se trata de um artigo sectário, e não de um artigo sério e objectivo, em 2002, apenas um ano depois, o Governo era PSD! Se não foram apuradas responsabilidades, foi, portanto, por desçleixo do Governo de Durão Barroso! E nunca é por demais recordar o papel que os trabalhadores da TAP tiveram na denúncia desse contrato, e lembrar que, entretanto, a SWISSAR faliu e a TAP continua a voar. “Deus, às vezes, escreve direito por linhas tortas”!

Mas ninguém pára Coutinho. Novo escândalo: diz ele que, 4 anos depois, a TAP “pediu ao Governo uma ajuda financeira de €297,5 milhões”. Não se sabe onde foi buscar esse valor, uma vez que 1998 foi, como vimos, o último ano em que Portugal pediu autorização a Bruxelas para prestar auxílio à TAP. Talvez o ETA quisesse referir-se ao empréstimo contraído em 2012, ligado às dificuldades decorrentes do processo de privatização em curso. Mas tratou-se de um empréstimo, já totalmente pago, e o valor foi de €100 milhões, e não de €297. E, dessa vez, a TAP foi obrigada pelo Governo de Passos Coelho a financiar-se na Parpública, com juros de 8% ao ano, quando a taxa proposta pelo DeutscheBank era de 3,5%!

No auge do seu entusiasmo pela concretização do negócio com Neeleman, Coutinho enumera depois os investimentos que o benemérito cidadão americano já teria feito na TAP, esquecendo-se que foi preciso o governo demitido ter-se responsabilizado pela dívida da nossa companhia aérea, durante 7 anos (aval sem o qual o novo dono não teria conseguido o acordo dos bancos), um negócio ilegal e, esse sim, de alto risco para os contribuintes.

Mas isso não preocupa Coutinho, como não o preocupa conhecer o que, entretanto, Neeleman anda a fazer. Já se interrogou, por exemplo, onde está a compensação que é devida à nossa companhia aérea pelo facto de a Azul se ter apropriado da posição da TAP nas encomendas dos A350, tanto mais que, em 2008, o Eng.º  Fernando Pinto assegurou que a TAP já estava a pagar esses aviões?

Já se perguntou como é possível existirem benefícios concedidos aos accionistas da Atlantic Gateway pelos accionistas da ANA, com garantias sobre o património dos terrenos e edifícios da TAP?

E será que Coutinho considera que é por “bondade” que a Azul se propõe “ceder” à TAP os Embraier que estão parados no Brasil (por não haver rotas para eles), e que são umas das causas do prejuízo de €63 milhões que o benemérito David Neeleman teve na companhia aérea brasileira?

E por que razão não se questiona sobre os termos do acordo de code-share com a Azul, em que, sendo um contrato entre partes relacionadas, o benefício é todo do accionista Neeleman?

Com tantos embustes, por parte de Neeleman, que teve sempre a conivência de Fernando Pinto e de Passos Coelho, António Costa tem todo o suporte legal para declarar nula a transferência de acções e a tomada de controlo da TAP por parte da Atlantic Gateway; e, mais do que legitimidade, tem a obrigação de recuperar, antes que seja tarde, o controlo público sobre a nossa companhia aérea.

Até porque só a declaração de nulidade tornará possível, sem encargos para o Estado, declarar nulos, por sua vez, estes e outros contratos lesivos que têm vindo a ser realizados pela nova Administração e o comportamento danoso dos intervenientes, que o assanhado Coutinho, à semelhança de muitos outros “comentadores”, tem o despudor de vir defender na praça pública e nos jornais.

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