Quando o inquérito ao Banif falou mais de jornalismo do que de banca

O director de informação da TVI esteve no Parlamento a responder aos deputados. Respondeu pouco, ainda que não lhe tenha sido perguntada a questão impossível, sobre a alegada “fonte” da notícia de 13 de Dezembro, que falava do “fecho” do Banif.

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"A TVI aparece no último segundo do filme" do Banif, disse Figueiredo Nuno Ferreira Santos

“Não foi um bom dia para a comunicação social, nem para a política”, resumiu o social-democrata Carlos Abreu Amorim. Sérgio Figueiredo, director de informação da TVI, assumiu nesta quarta-feira, na comissão de inquérito ao Banif, que estava num papel difícil. Não é habitual que um responsável editorial seja chamado a explicar o teor de uma notícia. Menos ainda perante uma comissão de inquérito, com poderes para-judiciais. Respondendo a políticos, ao invés de os questionar, como é mais normal.

Talvez por isso, a barreira que separa jornalismo da política foi erguida por Sérgio Figueiredo, umas vezes com acrimónia (como quando afirmou que nunca contrataria Carlos Abreu Amorim, deputado do PSD, por este não fazer resumos fidedignos das conversas), outras deslizando para o tratamento por “você” (com João Almeida, do CDS), ou queixando-se dos apartes dos deputados. O resultado foi um coro unânime de críticas dos partidos à forma como Sérgio Figueiredo geriu a divulgação, às 22 horas e 18 minutos de domingo, 13 de Dezembro, da notícia, em rodapé, que anunciava o fecho iminente do Banif, a penalização de accionistas e depositantes com valores acima de 100 mil euros e a integração da “parte boa” do banco na Caixa Geral de Depósitos.

A trégua que os deputados tinham para oferecer a Sérgio Figueiredo foi inesperada: afinal, ninguém perguntou quem foi a fonte da notícia. E isso foi um sinal de respeito, dos deputados, pelo sigilo das fontes, que é essencial ao jornalismo e está protegido pela lei.

O que os deputados quiseram saber foi como a TVI construiu a notícia, cuja influência no desfecho do Banif não é clara: com que documentos, que contactos fez para confirmar a veracidade da informação. O director alegou que algumas dessas respostas afunilariam as suspeitas sobre a fonte da notícia. Até a autoria da notícia. “Estar a revelar o nome ou os nomes dos jornalistas não me permite salvaguardar o processo de chegar à fonte”, argumentou Sérgio Figueiredo. O que não convenceu os deputados.

“Há um filme de quatro anos e a TVI aparece no último segundo do filme”, retorquiu, depois de desde o início ter assumido ser “o primeiro e último responsável” pela informação em causa. Ao longo da audição, e perante a insistência dos deputados, o director da TVI assumiu que a notícia continha informações pouco exactas e era em parte baseada numa interpretação ou num “cenário”: “Eu admito o erro, mas não admito um erro premeditado”.

Boa parte da audição passou então a dedicar-se à origem desse erro. Figueiredo não quis ser exaustivo e detalhado na forma como respondeu aos deputados. Poderia ter sido, nomeadamente sobre quais as entidades contactadas para confirmar a informação, para cumprir o muito citado artigo 1º do código deontológico dos jornalistas portugueses. Ao invés, preferiu deixar claro aos deputados que não seria perante eles que daria essas justificações. “A Entidade Reguladora para a Comunicação Social e a Comissão da Carteira já deveriam ter feito essas perguntas e não fizeram. Não passaram a esta comissão uma procuração para o fazer”, respondeu agastado a Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.

Este tipo de respostas fez desta uma das mais tensas audições sobre os factos que estiveram na base do fim do Banif. Porque o banco era um “zombie” e, mostrando um gráfico sobre o desempenho do banco, Figueiredo acrescentou que, “se isto fosse um electrocardiograma, este indivíduo estava morto”. “Não vi estes deputados fazer perguntas sobre o Banif.”

“Nem sempre a  melhor defesa é o ataque”, advertiu Carlos Abreu Amorim. João Galamba, do PS (que foi o partido menos agressivo nas perguntas), afirmou que a acção da TVI foi “grave e merecedora de censura”, “profundamente irresponsável e sem fundamento”. Mariana Mortágua acrescentou: “Se perdemos a diferença entre cenários e factos, perde-se a confiança no jornalismo”.

Figueiredo explicou que a primeira notícia foi corrigida e que o tratamento noticioso ao longo da noite se tornou irrepreensível. Que a notícia inicial passou durante um debate sobre futebol, com uma audiência de “60 mil telespectadores”, no canal de cabo da estação. E divulgou uma das fontes documentais, das várias que disse ter para basear a veracidade da informação transmitida. Trata-se de uma carta de Carlos Costa para Mário Centeno, de 12 de Dezembro (que o deputado Miguel Tiago garantiu ter chegado às Finanças já depois da notícia da TVI, a 15 de Dezembro). Ali se fala na possibilidade da resolução. E foi uma “tradução”, para tornar a linguagem acessível ao grande público, que transformou a resolução em “fecho” do banco. Mas não chegou a haver uma discussão saudável sobre as falhas e méritos do jornalismo. Sobre a pressão das notícias ao minuto, sobre a complexidade (opaca) dos termos financeiros (que os deputados aprovam, em forma de lei...), ou sobre qualquer outro destes temas que não nasceram, nem acabarão, com esta notícia que demorou tantas horas a discutir.  

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