PS-Madeira reclama fim das quotas de pesca nas regiões autónomas

Líder socialista madeirense escreveu a Jean-Claude Juncker a pedir “tratamento diferenciado” para a pesca artesanal praticada nos dois arquipélagos. Pescadores do Funchal gostam da ideia, mas desconfiam de Bruxelas.

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Joao Silva (colaborador)

Os braços estão cruzados sobre a mesa, enquanto os olhos passam a correr pela carta que o PS-Madeira enviou esta semana à Comissão Europeia. Luis Calaça, presidente há mais de 16 anos da Coopescamadeira, a cooperativa que reúne os armadores do arquipélago, não esconde a desconfiança.

“Sabe”, diz. “Já ando há muitos anos nisto. Sempre que vou ao CCR Sul [Conselho Consultivo da Região Sul], fartam-me de dar palmadinhas nas costas. Dizem que sim. A nossa pesca é sustentável, que protege os oceanos, mas depois…” Luís Calaça faz uma pausa. “Cortam a nossa quota de pesca.”

A carta sobre a mesa, a que o PÚBLICO teve acesso, está assinada pelo presidente dos socialistas madeirenses, Carlos Pereira. O destinatário é Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, a quem é pedido uma reavaliação na forma como as quotas de pescas das duas regiões autónomas é contabilizada no total nacional.

É isto que Luís Calaça quer. Há muito. “A nossa pesca é artesanal e selectiva. Pescamos à linha ou em perseguição, nada de arrastos de fundo ou tecnologias de sonar”, explica o homem forte da Coopescamadeira, dizendo que a política comunitária de cotas “faz todo o sentido” para os grandes armadores europeus, mas é injusta para as pequenas comunidades piscatórias como as da Madeira ou dos Açores.

Os argumentos são os mesmos que Carlos Pereira enviou para Bruxelas. E acrescentou mais alguns. “O Parlamento Europeu aprovou uma resolução em que reivindica várias medidas para salvaguardar e proteger a pesca em pequena escala, reconhecendo que estas comunidades são importantes para o desenvolvimento local, têm um valor cultural e, geralmente, têm pequenos impactos ecológicos”, escreve o também vice-presidente da bancada socialista em São Bento. Trata-se, portanto, de passar do papel à práctica.

“É só isso que nos pedimos”, insiste Luís Calaça. “Alguma protecção.”

Cabelo grisalho curto. Blazer bem assente no corpo de 61 anos. Uma vida de pesca. “Comecei com 11 anos, logo que acabei a 4.ª classe”. Fala ao PÚBLICO na sala de reuniões da cooperativa, ali numa das ruas que se entrecruzam na zona velha do Funchal. A parte mais antiga da cidade já foi uma comunidade piscatória. Agora, está povoada de bares e restaurantes da moda, onde o peixe fresco é o prato mais procurado pelos turistas que passeiam pela zona.

Este aspecto, o contributo para a economia local, é também salientado por Carlos Pereira. “As espécies alvo [desta pesca artesanal] desempenham um papel importante na gastronomia local, fazem parte integrante do património cultural das populações que habitam estas regiões”, escreve o deputado socialista, propondo um “diferente enquadramento” para a pesca realizada nas Regiões Ultraperiféricas (RUP).

“A pesca artesanal é feita em pequena escala para pequenos mercados locais, utilizando técnicas de pesca tradicionais e barcos relativamente pequenos”, nota Carlos Pereira, enumerando quatro requisitos para definir a pesca artesanal: Mecanização reduzida; especificidade de espécies-alvo e, consequentemente, baixo impacto ambiental; zona geográfica restrita e elevado valor cultural e tradicional.

Neste momento, contabiliza Luís Calaça, existem cerca de 700 pescadores na Madeira. A maioria passa meses e meses sem ir ao mar. Na região, existe a partir de 180 dias de ‘terra’ subsídio de desemprego para os profissionais, mas mesmo com isso as dificuldades são muitas. “Se não fosse a crise na construção civil, os barcos não tinham tripulantes”, garante.

À volta da sede da Coopescamadeira não é fácil encontrar pescadores. É preciso ir a Câmara de Lobos ou ao Caniçal, onde mora o que a ilha tem de mais parecido com um porto de pesca. É ali, paredes-meias com a Zona Franca da Madeira, que está Carlos Alves Sousa, à volta do atuneiro ‘Baía do Funchal’. A embarcação já não vai para o mar desde meio de Agosto do ano passado.

A época do atum, explica, começa no final de Março e termina em meados de Novembro. Mas 2016 foi mau. Um pouco melhor do que o ano anterior, é verdade. Mas mau. Tanto que em Agosto, o ‘Baía do Funchal’ já estava ancorado no Caniçal. “O problema são os barcos maiores e modernos. Em duas viagens, capturam mais do que nós numa época inteira”, lamenta este engenheiro electrónico de 31 anos, que se fez pescador para fintar o desemprego.

 “Cresci aqui e nas férias andava no mar. Quando acabei a licenciatura não encontrei trabalho, então virei-me para o que eu sabia já fazer”, explica, sorrindo. Não é a primeira vez que ouve a pergunta: O que faz um engenheiro na pesca? Sobrevive, mesmo com dificuldades.

“E são muitas. Até nos anos bons.” A voz é novamente de Luís Calaça, com o dedo a apontar para uma fotografia a preto-e-branco de um pequeno barco de madeira a descarregar atum na praia. “Já viu. Isto agora é impossível.”

Os gigantes adamastores

Quando a época é boa, farta em peixe, as embarcações madeirenses esgotam rapidamente a quota de pescado. Quando é má, com tem sido nos últimos anos, passam a maior parte dos meses em terra. “Não conseguimos compensar num bom ano, o que perdemos nos maus”, lamenta Carlos Alves Sousa, dizendo que em 2016 os 19 tripulantes do ‘Baía do Funchal’ levaram pouco mais de quatro mil euros para casa. “Dá para viver um ano com isto?”

Luis Calaça sabe que não. Que não dá. Que estão a enfrentar gigantes adamastores, que crescem de ano para ano. A vida de um pescador, já se sabe, nunca foi fácil. O mar, que às vezes parece que não os quer lá. O peixe, que se esconde não se sabe bem onde. O trabalho duro, pesado para um homem fazer horas e horas a fio. A família longe. Mas agora, é pior.

“As grandes embarcações colocam flutuadores com tecnologia à saída do Mediterrâneo, para fixar o peixe lá. Num ano de pouco peixe, não nos chega nada. Se for uma época boa, e algum ainda escapar, rapidamente esgotamos a cota”, queixa-se o responsável pela Coopescamadeira.

No Caniçal, Carlos Alves Sousa acena que sim, que é verdade. “Na nossa pesca andamos à procura dos cardumes, e vamos pescando. Selecionando o peixe que tem o tamanho certo, sem atingir os fundos. As grandes embarcações fixam o peixe e limpam tudo à volta”, diz enquanto supervisiona os trabalhos de reparação no atuneiro.

Pequenos arranjos nas máquinas e no casco, a pensar no começo da temporada já em Março. Não disfarça o entusiasmo. Depois de alguma experiência adquirida no ano passado, esta será a primeira vez que vai para o mar como mestre de uma embarcação. Mas, mais do que a responsabilidade acrescida, é a política comunitária de pescas que o preocupa. “O ponto fulcral é a cota. É preciso acabar com isso, antes que acabe com a nossa pesca”, avisa.

Uma diferenciação positiva

As regiões ultraperiféricas, argumenta Carlos Pereira na carta a Juncker, estão afastadas dos centros de decisão política, e carregam problemas estruturais como a orografia difícil, um mercado interno reduzido, com consequências no crescimento económico e impactos na taxa de desemprego.

“As políticas de coesão económica, social e territorial da União Europeia identificam as particularidades destas áreas e estabelecem um quadro para reforçar as suas actividades económicas, principalmente as que proporcionam os seus rendimentos adicionais”, lembra, defendendo por isso um “tratamento diferenciado” para o sector das pescas nas RUP.

A pesca em pequena escala, sintetiza o presidente do PS-Madeira, deve ser regulada de forma diferente em comparação com métodos mais industrializados. “Pedimos, por conseguinte, à Comissão Europeia que crie as condições necessárias para propor a regulamentação destes métodos de pesca artesanal, ouvindo os representantes das comunidades locais, independentemente da quota fixada para cada país.”

Foi por isso, diz Luís Calaça, passando novamente os olhos pela carta, agora mais devagar, que os pescadores sempre se bateram. “Uma diferenciação positiva, porque a pesca que nós fazemos é sustentável. É em pequena escala e não tem impacto nas populações.”

A continuar assim, dizia mais tarde, o novo mestre do ‘Baía do Funchal’, esta indústria acaba. “Como as quotas são definidas também pelo histórico das capturas dos anos anteriores, e os últimos têm sido fracos, a tendência é para baixar. Assim, quando tivermos um ano bom, não vai dar para compensar.”

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