PS e BE facilitam conversão de trabalho precário em contrato permanente

O projecto de lei que alarga a acção especial de reconhecimento de contrato a todas as formas de trabalho precário deu entrada no Parlamento nesta sexta-feira.

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José Soeiro, deputado do BE (na foto) e Tiago Barbosa Ribeiro, do PS, deram a cara pela proposta. Manuel Roberto

Os deputados do BE e do PS entregaram, nesta sexta-feira, no Parlamento, um projecto de lei que alarga os mecanismos de protecção contra a precariedade - que agora se aplicam apenas aos falsos recibos verdes - a todas as formas de trabalho não declarado, com os falsos estágios ou o falso voluntariado. A intenção já era conhecida e foi agora materializada numa proposta subscrita pelos dois grupos parlamentares.

O projecto cria também um mecanismo para proteger os trabalhadores do despedimento, enquanto a decisão judicial não for decidida, e elimina a possibilidade de conciliação entre o trabalhador e o empregador antes de o processo ir a julgamento.

A proposta conjunta começa por alargar a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, prevista na lei 63/2013 que agora apenas abrange os falsos recibos verdes, a outras formas de trabalho não declarado e ilegal, em particular falsos estágios, falsas bolsas ou falso voluntariado.

Sempre que a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) detectar indícios de que uma empresa recorre a trabalhadores não declarados ou com vínculos precários que na verdade correspondem a um vínculo permanente, notifica o empregador. Caso a empresa não regularize a situação, a ACT envia uma participação ao Ministério Público (MP), que instaura uma acção especial de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho.

Na proposta fica claro que o MP vai passar actuar automaticamente em todas as situações de falsos contratos, e não apenas quando se trata de falsas prestações de serviços. Na prática, é ao MP que caberá representar os interesses do trabalhador e estar presente em todas as fases do processo. "Deixa de haver dúvidas qquanto ao papel do Ministério Público", destaca Tiago Barbosa Ribeiro, o deputado socialista que participou na redacção do projecto.

Também José Soeiro, do BE, faz questão de sublinhar que "o reforço dos poderes da ACT e a responsabilização do Ministério Público, que passa a ter a responsabilidade de levar a empresa que não reconheça o contrato de trabalho a tribunal, é uma mudança de paradigma".

Possibilidade de acordo é eliminada

Em linha com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o BE e o PS revogam a possibilidade de conciliação entre o trabalhador e a empresa, antes do julgamento da acção. Como explicou ao PÚBLICO Tiago Barbosa Ribeiro, a intenção é evitar que nessa fase o trabalhador venha a reconhecer – por pressão da empresa ou pela promessa do pagamento de uma indemnização – que a sua situação precária é voluntária, inviabilizando que o processo chegue à barra do tribunal.

"Revoga-se a fase de conciliação antes do início do julgamento, já que o objecto desta acção não é passível de transacção", refere-se na exposição de motivos que acompanha o projecto de lei.

Adicionalmente, os dois partidos criam um mecanismo para proteger o trabalhador do despedimento ou da cessação da reacção com a empresa entre o momento em que o empregador é notificado pela ACT e o momento em que o tribunal se pronuncia sobre a existência ou não de um vínculo laboral. Se o trabalhador for despedido nesse período, o MP pode accionar um “procedimento cautelar” para suspender o despedimento. E mesmo que o despedimento ocorra antes da participação da ACT ao MP, a lei dá dois dias ao tribunal para requerer à inspecção do trabalho a participação dos factos.

A proposta clarifica ainda que a decisão judicial é comunicada pelo tribunal à ACT e ao Instituto da Segurança Social, “com vista à regularização das contribuições desde a data de início da relação laboral”. A intenção é que estes organismos tenham conhecimento da sentença e não fiquem dependentes da comunicação por parte da empresa ou do trabalhador.

A proposta agora enviada à Comissão Parlamentar do Trabalho e da Segurança Social vem substituir um projecto de lei do BE de Janeiro de 2016 e é o resultado das discussões feitas no grupo de trabalho contra a precariedade constituído por deputados do BE e do PS e por especialistas em legislação laboral. A expectativa dos dois partidos é que o projecto, cujo compromisso também foi assumido no Orçamento do Estado para 2017, vá a plenário, para votação final global, na próxima semana.

José Soeiro destaca o facto de este ser o primeiro resultado do grupo de trabalho a transformar-se numa proposta legislativa e espera que, com a nova lei, os mecanismos de luta contra a precariedade cheguem a mais trabalhadores.

A base das alterações agora propostas é a Lei 63/2013 (aprovada por unanimidade no Parlamento, na sequência de uma petição pública. Tanto o BE como o PS reconhecem que o regime especial criado para o reconhecimento dos falsos recibos verdes teve um impacto significativo e, por isso, optaram por alargá-lo a outras formas de precariedade.

De acordo com os dados da ACT, desde que a lei entrou em vigor foram detectados 2740 trabalhadores em situação ilegal, tendo as empresas regularizado voluntariamente mais de 33% dos casos, enquanto outros processos têm sido resolvidos nos tribunais, dando razão aos indícios recolhidos pelos inspectores.

 

 

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