PS quer tarifa social na botija de gás e admite preços máximos

Apesar de terem dúvidas, socialistas admitem discutir preços máximos do gás. E as petrolíferas alertam para "distorções" e "aproveitamentos inadequados" da tarifa social.

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A Autoridade da Concorrência já alertou para o risco de criação de um défice tarifário com a fixação de preços máximos no gás Enric Vives-Rubio

O preço do gás de botija é um problema a precisar de solução. Essa foi a mensagem que saiu da votação de ontem no Parlamento, onde o PCP e o PAN conseguiram fazer aprovar duas propostas que prevêem a criação de preços máximos para o gás engarrafado (e também canalizado) e onde, à esquerda e à direita, soaram apreensões com o custo de um produto indispensável a 2,6 milhões de famílias.

Ao contrário do CDS, que fez passar uma resolução para reforçar a fiscalização do mercado, mas que chumbou os diplomas da esquerda, o PSD, apesar de ideologicamente avesso à intervenção do Estado na economia, absteve-se. Assim, também com a abstenção do PS e os votos favoráveis do PCP, Bloco e PAN, abriu-se espaço à criação de um regime de preços máximos a definir pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). Mas o PS vem pôr água na fervura: a medida “está longe de ter sido aprovada”, frisou o deputado Hugo Costa, dizendo que “o objectivo [do PS ao abster-se] foi permitir uma discussão séria do assunto” na comissão parlamentar de economia.

E é na comissão especializada que o PS quer igualmente ver discutida a criação de uma tarifa social para os consumidores carenciados que obedeça aos mesmos critérios de atribuição dos descontos já existentes para o gás natural e a electricidade. Segundo a Deco, uma botija de gás de petróleo liquefeito (GPL) butano de 13 Kg custa praticamente o dobro que o gás natural canalizado para uma quantidade de energia equivalente: 23 euros e 12 euros, respectivamente. “O preço do gás de botija é um problema para 70% da população, pelo que é uma hipótese que queremos trabalhar”, afirmou o deputado socialista, notando que “nada obriga” a que a medida venha a constar já no próximo Orçamento do Estado (OE).

Apesar das propostas do PCP e do PAN preverem que os preços máximos devem vigorar a partir de 1 de Janeiro, Hugo Costa admitiu que “as medidas hoje [ontem] aprovadas não estarão resolvidas a tempo do OE”. Além disso, terá de haver “um parecer da ERSE”, que em Janeiro entregou (como lhe foi pedido) uma proposta de novos estatutos para passar a incluir nas suas competências a regulação do gás de botija e dos combustíveis e que o Governo ainda não aprovou.

Hugo Costa salientou que são vários os receios do PS quanto à medida (aliás, os receios dos socialistas são, em larga medida, idênticos aos que as empresas já manifestaram sobre o tema). “Temos dúvidas se [o sistema de preços máximos] não vai criar um défice tarifário e se não vai colocar entraves ao funcionamento do mercado”, disse o deputado, questionando ainda o impacto da fixação de preços sobre a viabilidade económica dos pequenos revendedores e distribuidores do interior do país e, consequentemente, sobre a continuidade de prestação desse serviço às populações das zonas mais remotas.

Em resposta ao PÚBLICO, a Apetro, que representa as petrolíferas, sublinhou que, “por princípio, não concorda com a fixação administrativa de preços” e que a medida, a concretizar-se, “vai contra” os objectivos europeus de liberalização do mercado e de criação do mercado único. Mas diz que é preciso esperar pelo mecanismo de fixação de preços e analisar o “modo como ele cola com a realidade económica das empresas grossistas, distribuidoras e retalhistas” para avaliar consequências.

A criação de um défice tarifário neste sector (a introdução de um custo que os consumidores serão obrigados a pagar mais tarde) é algo para que a Autoridade da Concorrência já alertou. Quando recomendou ao Governo a abertura a terceiros das instalações de armazenagem de gás controladas pelos três principais operadores (Galp, Rubis e Repsol) para dinamizar um mercado onde detectou “ausência de dinâmica concorrencial”, a entidade liderada por Margarida Matos Rosa aconselhou “cautela” com a regulação de preços, recordando o exemplo espanhol.

Embora Espanha – onde os preços são regulados, mas os impostos também são mais baixos – seja sempre apontada como termo de comparação com Portugal, o Estado teve de pagar indemnizações de 170 milhões de euros às empresas por tê-las obrigado a realizar vendas com prejuízo. É por isso que a AdC, mesmo reconhecendo que “existem margens de lucro na formação de preços” das principais empresas que vendem o gás butano e propano que “revelam algum exercício de poder de mercado”, defende que é preferível favorecer a entrada de novos operadores.

Foi nesse sentido que recomendou a abertura das instalações de armazenagem que permitem o acesso a importações marítimas mais competitivas. Hugo Costa diz que o PS está convicto que no médio prazo essa medida terá efeitos positivos sobre os preços, mas que não quer “excluir à partida” a discussão sobre os preços máximos.

Sobre a tarifa social do gás, a associação que representa as petrolíferas frisa que se trata de uma “questão política, e não de mercado”. A Apetro diz que contribuirá, se isso lhe for pedido, “para o estudo de um eventual regime”. Mas deixa o alerta: “a intervenção administrativa nos mercados corre sempre o risco de criar distorções ou aproveitamentos inadequados” e essas situações terão de ser acauteladas. Fontes ouvidas pelo PÚBLICO alertam, por exemplo, para o potencial de criação de um mercado paralelo de botijas engarrafadas (no gás natural e na electricidade, a energia é entregue num ponto de entrega específico, pelo que há maior controlo quanto a eventuais abusos).

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