Prescrição de direitos no caso BES ameaça Estado e lesados

Perto de mil clientes com papel comercial ainda não apresentaram pedidos de indemnização contra várias entidades e o prazo prescreve a 9 de Julho. Estado arrisca-se a perder dinheiro.

Foto
Autodenominados “lesados do papel comercial” do GES têm vindo a protestar nas ruas Rui Gaudêncio

O atraso na criação do fundo de recuperação de créditos, entidade que vai pagar uma parte das aplicações aos lesados do papel comercial do BES, e a passividade de perto de mil clientes na apresentação de queixas em tribunal, podem implicar perdas para o Estado e inviabilizar o pagamento de valores acima do que está garantido. A não apresentação dessas queixas também cria desigualdade entre lesados, mas essa situação deverá ser acautelada.

Para aderir ao fundo, cuja regulamentação está a aguardar aprovação na Assembleia da República, os lesados do papel comercial têm de reclamar créditos junto da massa falida da ESI e da Rio Forte, as empresas agora insolventes que emitiram 430 milhões de euros de papel comercial, e ainda do BES, que vendeu o produto, com falhas graves ao nível da informação prestada. A maioria dos dois mil clientes envolvodos já terá feito essa reclamação de créditos, em muitos casos com o apoio administrativo do Novo Banco, nomeadamente nos processos de liquidação que correm no Luxemburgo (ESI e Rio Forte). Os prazos para as primeiras duas reclamações terminam em Setembro, e no caso do BES ainda não há uma data limite, sendo quase certo que não ocorrerá antes do final do ano.

Mas há um conjunto de outros processos, relativos a pedidos de indemnização contra administradores e outras entidades, como auditores e consultores financeiros, por responsabilidade extracontratual, que ainda não entraram nos tribunais e que poderiam aumentar a dotação do fundo. E o prazo para garantir este direito indemnizatório, que se não fosse o atraso verificado poderia ter sido pedido pelo próprio fundo, prescrevem a 3 de Agosto, quando se completam três anos sobre a aplicação da medida de resolução ao BES.

Entretanto, como se metem as férias judiciais, o prazo termina já a 9 de Julho, como esclareceu ao PÚBLICO Nuno Vieira, advogado dos clientes que integram a Associação dos Indignados e Enganados do Papel Comercial (AIEPC), que explica que “as notificações avulsas [a fase inicial da garantia de direitos] têm efeitos não com a data de envio, mas na da entrega efectiva aos visados”. E reforça: ”Quando há um período de férias judiciais, as notificações têm que ser entregues cinco dias antes do início das férias, sob pena de o tribunal não poder ser responsabilizados pelo atraso”.

O grupo de trabalho que desenhou a solução que está em cima da mesa, e que reúne o Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o Governo, representado pelo advogado Diogo Lacerda Machado, o BES (mau) e a AIEPC (associação de clientes lesados) está preocupado com a prescrição dos direitos e o impacto nas contas públicas. O grupo tem tentado encontrar uma solução para travar a prescrição de direitos, mas de eficácia incerta. Uma dessas tentativas passou pela entrega, na semana passada, de um aditamento ao projecto de lei de criação do fundo, pedindo a suspensão os prazos de prescrição, uma vez que estão envolvidos “interesses públicos”.

Acordos extrajudiciais

A inacção de lesados face aos restantes pedidos de indemnização pode pôr em risco a recuperação doa totalidade dos 280 milhões de euros (em 430 milhões de euros aplicados), que o fundo vai pedir à banca, podendo obrigar ao accionamento da garantia estatal.

Nesta fase inicial está em causa a entrega de notificações avulsas, o que implica sempre o envolvimento de um advogado. O universo de entidades é no entanto elevado e a matéria em causa envolve alguma complexidade. Depois de garantidos, os direitos indemnizatórios passam para a esfera do fundo, que assumirá a continuidade desses processos, beneficiando da isenção de custas judiciais.

O êxito destas acções tem sido questionado por alguns juristas, até pela demora dos tribunais, mas a estratégia do fundo passará, essencialmente, pela possibilidade de acordos com as várias entidades, até porque estas terão encargos elevados, nomeadamente pelo reflexo nos seus balanços destes processos. E é também por isso que o número de clientes envolvidos nestes processos assume grande relevância.

A falta destes processos pode ainda comprometer a recuperação de dinheiro acima dos 280 milhões de euros, na proporção de 75% nas aplicações até 500 mil euros, com o tecto máximo de 250 mil euros, e 50% dos valores aplicados acima de 500 mil euros. Também cria uma situação de desigualdade face aos que já apresentaram esses pedidos e suportaram custos com isso. O contrato de adesão ao fundo deverá acautelar essa situação. O PÚBLICO apurou que os clientes que não garantirem os direitos indemnizatórios poderão ser excluídos de uma eventual distribuição de dinheiro acima do mínimo garantido, se essa possibilidade se vier a colocar.

Sugerir correcção
Comentar