Preparemo-nos

O mais avisado será Portugal aproveitar esta relativa bonança para fazer regressar o investimento público estruturante neste ano e no próximo.

Há duas maneiras de olhar para os números da economia que vão melhorando e que no primeiro trimestre deste ano nos puseram finalmente a convergir com o resto da zona euro e a crescer como desde o início do século não acontecia.

A primeira é a do passado: se deu errado, é porque irresponsavelmente não estão a ser usadas as minhas políticas; se deu certo, é porque afinal estão a ser usadas as minhas excelentes políticas. Para entender os limites desta estratégia, vejamos a sua utilização pela direita que apoiou o último governo: não se pode, ao mesmo tempo, acusar a esquerda de ter revertido todas as medidas do governo anterior e depois, logo que aparece um trimestre económico muito positivo, dizer que isso é prova de que as medidas do governo anterior estão a dar certo. Isto não é logicamente possível, pela razão simples de que medidas revertidas não têm como resultar.

Passemos adiante. Já levamos muitos anos sob o sortilégio de uma suposta necessidade férrea que nos diz que sem austeridade Portugal não pode continuar no euro nem no projeto europeu. Essa suposta necessidade férrea subdivide-se em dois dogmas: um deles prescreve a austeridade permanente, o outro prescreve a inevitabilidade da saída do euro. Ora, se queremos sair dessa pescadinha-de-rabo-na-boca, o melhor que temos a fazer é olhar para estes números com uma perspetiva de futuro: o que fazer a partir daqui?

A resposta é: prepararmo-nos agora para o otimismo e para os seus excessos. Pode parecer estranho ser eu a dizê-lo, uma vez que nos últimos anos tenho principalmente tentado fazer barragem ao excesso de pessimismo sobre as possibilidades de Portugal ter uma política mais à esquerda e sobre as possibilidades de a União Europeia fazer sobreviver o euro. No entanto, acho plausível que a percepção pública europeia dê uma guinada muito em breve. Não foi só Portugal que teve boas notícias neste trimestre — embora tenhamos tido notícias melhores do que a média. Foi toda a zona euro que cresceu, como vem fazendo já há alguns anos, e foi o desemprego que desceu em toda a zona euro. Nestas condições, é possível que regresse em breve o mesmo tipo de euforia perigosa que dominou a União Europeia nos anos 90. Ora, tal como o pessimismo apocalíptico sobre a UE tem sido mau conselheiro nos últimos anos, o otimismo messiânico dos anos 90 foi um dos péssimos conselheiros que nos deixou em legado uma moeda única mal construída. O mais avisado será Portugal aproveitar esta relativa bonança para fazer regressar o investimento público estruturante neste ano e no próximo, mas sem abandonar o objetivo de ter uma posição orçamental confortável em 2019. Do ponto de vista político, Portugal deve dar agora toda a força à discussão da reforma da zona euro, mas deve em simultâneo preparar-se para a possibilidade do regresso da incerteza europeia também nesse ano de 2019.

E porquê 2019? Porque nesse ano há dois acontecimentos importantes no plano europeu que podem interromper a trajetória de crescimento que agora se começa a consolidar. No final de março desse ano expira o prazo para as negociações do "Brexit": se não houver acordo entre as partes, o direito da União Europeia deixa simplesmente de se aplicar no Reino Unido à meia-noite do dia 29 desse mês, com impactos muito graves para a economia britânica, e possíveis efeitos colaterais sérios para o lado de cá. E no fim de outubro do mesmo ano acaba o mandato de Mario Draghi, com tudo o que isso implica de incerteza sobre a continuidade das políticas do Banco Central Europeu.

Temos, portanto, dois anos. Seria bom que os usássemos para um debate menos maniqueísta desta vez, aqui dentro e lá fora.

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