“Preços da hotelaria no Algarve aumentaram 20% este Verão”

Raul Martins, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal, diz que os hotéis no Algarve esgotaram e os preços dispararam. Aumento do turismo no país deve ser acompanhado com mais investimento em infra-estruturas

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Raul Martins Rui Gaudêncio

Raul Martins, presidente do conselho de administração da Altis, assumiu este ano a liderança da Associação da Hotelaria de Portugal que, com 600 associados, representa mais de 60% do número de quartos dos hotéis do país. Num Verão já a abarrotar de turistas e o Algarve esgotado, Raul Martins alerta que é preciso acompanhar este bom momento com investimentos em infra-estruturas, em concreto, com a construção do novo aeroporto para as companhias low cost no Montijo. Diz que o sector ficou a ganhar com o aumento de trabalhadores qualificados que hoje (e ao contrário do que sucedia antes da crise de 2008) aceitam emprego fora da sua área de formação inicial. Embora não critique o arrendamento temporário de casas a turistas, defende vistorias e autorização prévia dos condomínios para que esta actividade se possa instalar. Justifica a exigência com a “reacção negativa aos turistas” por parte dos habitantes.

Num diagnóstico recente que o Governo fez ao turismo, lê-se que 50% da população empregada no alojamento e restauração tem até ao nível de ensino básico. E que o rendimento médio anual é cerca de 37% inferior ao do conjunto da economia. Não é um retrato abonatório.

Hoje, quem trabalha em hotelaria ou tem curso de formação na área ou, pura e simplesmente, não é admitido. Na restauração fora dos hotéis essa situação já ocorre e, com frequência, não há formação adequada. Essa média que refere é muito influenciada pela restauração. Por um lado, na hotelaria o ordenado é sempre acima do ordenado mínimo. Por outro, temos um volume muito grande de funções que não necessitam de habilitações elevadas, como por exemplo, na limpeza e nos quartos. São duas áreas que, num hotel convencional, representam a maior parte dos empregados e com salários mais baixos face a outros lugares. Quando passamos para o nível intermédio, na recepção ou restauração, temos um patamar de ordenados que está acima da média da indústria. Há que saber ler os números. Na hotelaria já não podemos trabalhar com quem não tem qualificação.

O nível de habilitações tem aumentado nos últimos anos?

Sim, de tal forma que eu tenho um caso nas nossas empresas de uma pessoa formada em gestão de marketing que aceitou ser recepcionista e gosta da função. Há uma aceitação que não existia antes de 2008, quando quem era doutor só podia ser director. A experiência da função tem muita importância na hotelaria. Quem tira um curso de gestão não pode ir logo para director. Já para não falar que há arquitectas que são cozinheiras, por exemplo. Hoje os empregados da recepção têm um nível cultural muito superior.

O boom no turismo fez com que as receitas por quarto atingissem em 2015 o valor mais alto dos últimos dez anos. A hotelaria nacional conseguiu finalmente cobrar preços altos?

A receita média por quarto só este ano irá atingir o valor de 2007. É um facto que houve uma crise que fez descer os preços, mas também é um facto que a oferta nos últimos anos baixou de qualidade. Desde 2012 assistimos a produtos de menos qualidade, porque o mercado assim o pediu. As low cost também trazem gente com menos poder de compra e as pessoas querem gastar menos em alojamento e mais noutras coisas. O revpar, a receita por quarto disponível, tem vindo a subir à custa da ocupação e não do preço. Nos hotéis de cinco estrelas isso não tem acontecido: já passaram os valores de 2007 em termos de preço. Há épocas do ano em que sabemos que temos boa ocupação e nessas alturas há que saber puxar pelo preço para compensar as outras alturas. O desejável, claro, era ter a ocupação mais estável.

Do ponto de vista do preço e da ocupação, este Verão vai ser bom?

O Algarve, por todas as razões que conhecemos e outras externas (que vêm da Turquia ou outros destinos), está esgotado para o Verão e em Maio já começou a ultrapassar os anos mais recentes, que foram menos bons. A região tem feito muito melhor preço do que noutros anos e tem melhor ocupação. E merece porque é um destino fantástico.

Quanto é que os preços aumentaram face ao ano passado?

Devem ter aumentado cerca de 20%. Tem a ver com a procura. Também há portugueses, mas o preço nos hotéis é muito feito pelo mercado externo e o nacional terá depois de pagar o que os estrangeiros pagam. Sendo que os portugueses recorrem muito aos apartamentos.

O projecto de exploração de petróleo no Algarve preocupa-o?

É preocupante. Quando se faz uma barragem, a aldeia que ficou enterrada é deslocalizada. Mas não é possível deslocalizar um investimento feito no Algarve para um outro local com a mesma atractividade. Não há uma unidade hoteleira que aguente estar ao lado de uma exploração petrolífera. O Governo tem de pensar e fazer contas. Descubram o petróleo onde quiserem mas não ponham plataformas onde há turismo.

O que é que mudou no perfil do turista nestes últimos anos?

Hoje, o que as pessoas têm de folga é para gastar numa viagem.

Como é os hoteleiros se adaptaram à mudança?

O negócio hoje tem de ser de experiência. Os hotéis passaram a ter uma referência daquilo que é a sua identidade. Um spa, uma localização específica ou uma história associada aos quartos. Um hotel sem identidade servirá para fazer reuniões, mas os turistas procuram mais do que isso.

Um dos problemas apontados ao turismo em Portugal é a concentração dos turistas em três regiões. A hotelaria resiste em diversificar investimentos a nível geográfico por serem mais arriscados?

O turismo faz-se num local onde há algo de que se possa desfrutar. As pessoas não fazem ski no Verão. Estamos sempre a cometer erros, como construir auto-estradas no interior para incentivar investimentos…

Mas não há pontos de atracção no interior?

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Rui Gaudêncio

O que é que pode reter as pessoas ali? Só aspectos diferentes. A neve, o sol e mar, a parte histórica, isso interessa às pessoas. Se o Museu do Azulejo estivesse numa cidade do interior não iriam lá tantas pessoas. Às vezes esta vontade de que no interior se criem condições para atrair pessoas é uma utopia. E Portugal é muito padrinho da utopia.

Mas como é que se resolve?

Não é um problema. É o que é. Por que é que hão-de viver tantas pessoas no interior como no litoral, quando o litoral é melhor?

Estão preocupados com os efeitos do “Brexit”, tendo em conta a importância que os ingleses têm para o turismo nacional?

No “Brexit” o que nos preocupa é a desvalorização da libra e algum menor poder de compra dos britânicos. Temos de tentar atrair os que se deslocam hoje para outros destinos concorrentes.

O tema das taxas turísticas tem alimentado alguma polémica. Há em várias cidades do mundo e o custo é suportado pelos turistas. Por que é que estão contra?

Não estamos contra a taxa. Estamos é contra o destino das taxas turísticas que não seja em benefício do turismo. Se uma câmara quer aplicar as verbas da taxa num pavilhão desportivo ou para promoção, como em Vila Real de Santo António, estamos contra. Não é uma atracção para turistas. E a promoção é feita hoje de forma integrada nas regiões. Em Lisboa, as taxas são destinadas a investimentos que interessam aos turistas e a sua aplicação está dependente de um comité onde a AHP tem assento.

Outro assunto polémico é o do Alojamento Local (AL), Em média em Lisboa, os turistas ficam 1,4 noites alojados na hotelaria nacional. Nas casas disponíveis no Airbnb, a média é 4,4. O que é que a hotelaria não está a conseguir oferecer?

A questão não é essa. A hotelaria oferece algo que não tem nada a ver com AL. Os clientes do AL não são os da hotelaria. Temos coisas que o AL não tem e não concorremos com o AL. O que nos preocupa é que esteja a haver por parte dos habitantes uma reacção negativa aos turistas em geral e aí somos atingidos. O AL não está regulado para conviver bem com o habitante. Não podemos ter um alojamento num edifício onde há pessoas que trabalham durante o dia e descansam à noite. O turista vem para se divertir e a convivência com os habitantes tem sido difícil.

Diz que o AL não está regulado. Em concreto, o que falta?

Entendemos que o condomínio deve autorizar os AL. Nos anos 60, nas Avenidas Novas, em Lisboa, fez-se imensas habitações que não tinham ocupantes e a câmara autorizou que se pudesse instalar escritórios, desde que os moradores autorizassem. Isso era feito com o pagamento de uma contribuição de condomínio superior. Há casos em que o AL é perfeitamente comportável, mas a decisão deve ser daquela comunidade.

Não seria limitador para o negócio do AL? Dificilmente haverá consenso entre condóminos.

Se os habitantes não quiserem, acha mal? Nós estamos preocupados é com a reacção negativa aos turistas. Não queremos cair numa situação como se caiu em Berlim ou em Nova Iorque.

O Governo já disse que vai rever a lei. Foram chamados a participar nessa discussão?

Sim, nós temos a nossa opinião. No fundo, incide sobre as instalações que devem ser fiscalizadas e vistoriadas. Vim de Havana recentemente e o AL tem de passar por uma vistoria. As coisas têm de ter um mínimo de funcionalidade.

Mas há hoteleiros a entrar no AL.

Com certeza. É uma tendência moderna, das pessoas que hoje viajam e que há 20 anos não viajavam. Há uma nova geração que gosta deste alojamento. Sabemos que quando chegarem aos 40 anos vão querer ir para hotéis.

Este é o tema mais quente que têm entre mãos?

Não. A nossa preocupação é ter mais turistas. Para que esta situação amanhã não se transforme numa concorrência inconveniente temos de ter mais turistas. Em 2015 tivemos uma taxa de ocupação média de 65%, mais 4% face a 2014. Mas há zonas em Portugal que estão abaixo dos 50%. E só podemos ultrapassar isso trazendo mais turistas. Mesmo em Lisboa, o aumento da oferta que se tem verificado tem de ser rapidamente compensado com o aumento da procura. O aeroporto de Lisboa tem crescido a uma média de dois milhões de passageiros por ano e, a continuar assim, daqui a três anos está esgotado.

O aeroporto complementar à Portela no Montijo vai ajudar?

O terminal demora três anos a pôr de pé. O Governo tem de fazer o seu trabalho. Nós, particulares, andamos a fazer investimentos, mas as infra-estruturas têm de ser feitas pelo Governo, pela ANA, que publicamente já disse que quer a solução Montijo. Neste aspecto, o Governo não está a fazer o seu trabalho.

A intenção é avançar este ano.

Pois, mas de intenções está o inferno cheio. Se mantivermos este ritmo de aumento [de turistas], daqui a três anos temos a capacidade do aeroporto [de Lisboa] esgotada.

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