Portugal visto por Ana Avoila e Wolfgang Schäuble

José Sócrates aguentou três PEC e só caiu no PEC IV. Veremos quantos PEC é que aguenta António Costa.

António Costa ainda nem três meses tem de governo e já vai no segundo pacote de austeridade. Primeiro teve de aceitar incorporar medidas adicionais de mais de mil milhões de euros para ajudar a credibilizar o seu primeiro Orçamento e ontem Mário Centeno saiu de Bruxelas com a incumbência de preparar mais outro pacote de austeridade, com medidas concretas, que será posto em prática, caso haja uma derrapagem nas contas públicas. E com isto tudo lá se vai a tese do virar a página da austeridade.

Dada a avaliação que fez ao Orçamento para 2016, Bruxelas muito provavelmente vai obrigar Portugal a verter algumas dessas novas medidas de austeridade no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) que será negociado em Abril. Mas até lá António Costa terá de negociar com PCP e com o Bloco as novas medidas de austeridade. José Sócrates aguentou três PEC e só caiu no PEC IV. Veremos quantos PEC é que aguenta António Costa.

Quem achava que reverter toda a austeridade à pressa não tinha um preço, eis aqui o preço – mais austeridade. Que o Orçamento para 2016 não é grande coisa quem quer perceber já percebeu. Por isso não adianta continuar a fazer bullying orçamental, como fez ontem o vice-presidente da Comissão Europeia. Valdis Dombrovskis veio dizer que a estratégia de António Costa e de Mário Centeno é "arriscada", que o Governo português apenas "cumpriu o mínimo" e que "não está garantido que, com este Orçamento, Portugal consiga corrigir o seu défice excessivo”.

O senhor já embirrou connosco, mas com a birra dele podemos nós bem. O que não podemos aguentar por muito tempo é a birra dos mercados, que ontem levaram os juros da dívida portuguesa a dez anos a aumentar dos 3,5% até aos 4,5%. Lá fora os mercados estão todos em turbulência – não se consegue perceber muito bem o que se passa no Deutsche Bank e na Société Générale, há mais sinais de abrandamento da economia mundial, a inflação na Europa não descola e o petróleo está a cair a uma velocidade talvez demasiado acelerada.

O leitor dirá, e com bastante razão, que com o mal dos outros podemos nós bem. Mas a queda abrupta dos mercados ontem veio mostrar que se a Europa é um automóvel, Portugal continua a ser o pára-choques. Os investidores continuam a desconfiar da capacidade do país em consolidar as contas públicas e a dimensão da queda da dívida ontem mostra que nem o escudo protector do BCE nos vai valer, se os mercados embirrarem muito connosco.

Mais do que ter esta ou aquela medida no Orçamento, o que está realmente a preocupar o Eurogrupo é a mensagem que Portugal está a passar aos mercados. Não é por acaso que Wolfgang Schäuble veio dizer que “Portugal deve estar ciente de que pode perturbar os mercados financeiros, se der impressão de que está a inverter o caminho que tem percorrido. O que será muito delicado e perigoso para Portugal”. E é essa impressão que António Costa tem dado desde que chegou. Não vale a pena propagandear aos quatro ventos o fim da austeridade. O Governo anterior de Passos Coelho começou a aliviar a austeridade, violou de forma grosseira o Pacto Orçamental ao aumentar em 0,5 pontos o défice estrutural em 2015, mas nenhum jornal estrangeiro fez uma manchete a dizer "Portugal will roll back austerity". Para se ter a confiança dos mercados, às vezes nem sequer é preciso ser, basta parecer.

Enquanto lá fora a nossa dívida é vendida ao desbarato, cá dentro continuamos com as bizantinices do costume. O Governo, depois de prometer que as 35 horas na função pública não iam acarretar custos adicionais para o Estado, agora veio anunciar que vai fazer um estudo para saber quando é que custar a medida. Mas afinal a medida antes não tinha custos e agora vai ter custos? E pede-se um estudo depois de se anunciar que a medida vai entrar em vigor a 1 de Julho? Não devia ser antes? E se o estudo concluir que as 35 horas vão realmente pesar nos cofres do Estado? Mantêm-se as 40 horas?

Enquanto Mário Centeno procura respostas para estas perguntas, Ana Avoila parece ter encontrado uma solução habilidosa. A responsável da Frente Comum faz a seguinte sugestão nas negociações com o Governo: como este ano devem reformar-se 20 mil da função pública, e como o Orçamento só permite que entre um trabalhador por cada dois que saiam, então o Estado vai ter de contratar 10 mil funcionários. Mas, enquanto esse novos trabalhadores “não entrarem em funções, as horas extraordinárias podem ser contabilizadas como uma antecipação dos custos de admissão dos novos trabalhadores”, diz a dirigente sindical. Resumindo, a engenharia financeira sugerida por Ana Avoila, digna de uma Goldman Sachs, é contabilizar os custos das horas extras com as 35 horas como uma antecipação de custos de trabalhadores que vão, mas ainda não entraram no Estado. Não sei se haveremos de rir com esta sugestão, ou de chorar com a subida dos juros da dívida.

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