Portugal tem 30 pedidos de prospecção e pesquisa de lítio

Grupo de trabalho sugere ao Governo plano de fomento mineiro para avaliar os recursos e criação de cluster. A extracção de lítio como a que se faz em Portugal é mais cara, mas o país tem potencial no mercado mundial.

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Reuters/IVAN ALVARADO

O relatório técnico encomendado a um Grupo de Trabalho para avaliar as potencialidades de Portugal na produção de lítio, um mineral que tem tido picos de procura arrastado com a tendência de crescimento do mercado dos veículos eléctricos, confirmou que Portugal pode assumir, nas próximas décadas, um papel de destaque no panorama mundial de produção de lítio.

Mas, no relatório a que o PÚBLICO teve acesso, percebe-se que essa oportunidade só se concretizará se forem superados alguns desafios. O principal é encontrar um processo de transformação do lítio – a metalurgia do mineral, que não é encontrado em estado puro, na natureza, mas que precisa de um grau de pureza de 99,5% para poder ser usado em baterias para veículos eléctricos – que possa ser feito à escala industrial e que seja economicamente rentável.

Este relatório foi encomendado pelo secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, final do ano de 2016, ao conjunto de entidades públicas que têm intervenção no sector mineiro, como a Direcção geral de Energia e Geologia (DGEG), o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) e a Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM), e ainda as associações Assimagra – Recursos Minerais e da Associação Nacional das Indústrias Extractivas e Transformadoras (ANIET).

O Grupo de Trabalho “Lítio” (GT) teve um curto mandato de três meses não só para fazer uma inventariação do que existe, como para fazer recomendações do caminho a seguir.

Apesar do curto espaço de tempo, foi possível fazer a caracterização do potencial com algum rigor - isto porque há já muito trabalho feito nesta área, e essa é mesmo uma das vantagens dos trabalhos de prospecção e pesquisa: uma vez feitos, integram uma a “biblioteca” de quem venha a interessar-se pelo assunto a seguir. 

De acordo com o GT, são nove as principais regiões com ocorrências de mineralização de lítio em Portugal, todas elas nas regiões Norte e Centro de Portugal - há quem as procure no Alentejo mas, para já, ainda não estão confirmadas. As que já se conhecem distribuem-se desde Caminha, no Alto Minho, até Idanha-a-Nova, na Beira Baixa, e estão encaixadas ou em rochas graníticas (sobretudo no caso da Guarda) ou em rochas metassedimentares.

 O relatório documenta abundantemente as características de cada uma destas jazidas, fazendo a ressalva que os teores apontados se referem a diversos tipos de minérios cujas especificidades próprias de cada um condicionam a rentabilidade de eventuais aproveitamentos para a produção de lítio.

Alguns exemplos: para a região do Barroso/Alvão são apresentados 14 milhões de toneladas de minério com um teor médio de 1%, como recurso inferido; para o campo do Seixo Amarelo/Gonçalo, na região da Guarda, foram estimadas 1,4 milhões de toneladas com um teor médio de 0,42%, este já classificado como recurso medido. Para a região de Argemela, cerca de 20,1 milhões de toneladas com 0,4%, como recursos inferido, e estima-se a existência de um jazigo de mais de 200 milhões de toneladas de minério, com teor de 0,4%. 

Potencial a desenvolver

Há já algum tempo que Portugal é reconhecido como uma potência neste mineral, sendo inclusive um dos poucos países da Europa que consegue integrar o top dez dos maiores produtores mundiais de lítio. Os lugares cimeiros estão entregues ao Chile, à Austrália, à Argentina, e à China.

Mas a experiência de Portugal em conseguir extrair lítio hospedado em pegmatitos (rochas) - teve uma produção de 700 toneladas em 2010, que desceu para 200 toneladas em 2014, segundo a British Geological Survey de 2016 - e o seu quadro legal estabilizado e reconhecido fez aumentar o interesse. A extracção a partir de pegmatitos, como a que se faz em Portugal,  é sempre muito mais cara do que a produção de lítio a partir de salmoura (ver perguntas e respostas), mas o mercado global precisa sempre deste dois tipos de mineração.

As previsões, cada vez mais sustentadas, de que a mobilidade eléctrica vai dominar os transportes num futuro próximo acelerou esta “febre”, agora por um metal de aspecto macio e cor prateada.

Numa altura em que a cotação do carbonato de lítio está em alta, e que os pedidos de prospecção e pesquisa deste material tem vindo a aumentar, e só em 2016 deram entrada nos serviços da DGEG 30 pedidos de direito de prospecção e pesquisa de lítio, como substância mineral principal, correspondendo no conjunto a cerca de 3,8 milhões de euros de investimento proposto para uma área total de 2500 quilómetros quadrados.

Curiosamente, nem todos os pedidos de prospecção se encontram nas regiões do Norte e Centro, e também é um facto que há pedidos de prospecção e pesquisa sobrepostos (isto é, mais do que uma empresa a pedir para explorar a mesma área). 

Alguns dos trabalhos de prospecção, já estão a ser feitos por grandes mineradoras australianas como a Dakota Mineral, que se instalou de armas e bagagens em Trás-os-Montes, à procura de lítio. Outras notícias recentes são aquelas que dão conta de um movimento concertado para convencer a Tesla, um dos principais fabricantes de veículos eléctricos, a instalar a sua próxima fábrica europeia em Portugal. E, neste caso, lê-se pela imprensa, é importante ter lítio, como é importante ter muitas horas de sol.

Pouco influenciado pelas notícias e pelas movimentações políticas, o relatório do GT entregue ao secretário de Estado da Energia, é sobretudo um trabalho técnico e fundamentado que revela os desafios que Portugal tem de ultrapassar para poder agarrar essa oportunidade, elaborado com recurso a uma análise swot (forças e fraquezas, ameaças e oportunidades), e que termina com uma espécie de mapa, a indicar o caminho que é preciso seguir. 

Os pontos fortes são o próprio potencial mineral do país, as nove regiões ricas em lítio e que já estão documentadas, e a existência de recursos humanos experientes e qualificados em universidades e empresas. O ponto fraco surge no reverso destas mesmas características: esse know-how acumulou-se de uma forma desigual nas várias jazidas, e o facto de se ter continuamente desinvestido no sector mineiro tem fragilizado a progressão de empresas e recursos humanos qualificados, que esbarram em processos burocráticos. 

É nas rubricas de ameaças e oportunidades que melhor se percebe o alcance das recomendações deste grupo de trabalho. O súbito interesse pelo lítio a nível mundial pode trazer relevantes oportunidades para o sector à escala nacional, como, por exemplo, desencadear um programa de fomento mineiro (que permita avaliar melhor os recursos), criar uma unidade experimental minero-metalúrgico (com o objectivo de desenvolver conhecimento e testar tecnologias) através de um cluster que reunisse empresas, universidades e laboratórios de Estado, cluster esse que pudesse ainda dar lugar a uma unidade piloto de demonstração, de carácter marcadamente industrial, alvo de um consórcio entre empresas que pretendam valorizar os seus minerais até a fase metalúrgica. Estas são mesmo as propostas concretas que o GT elabora no seu documento, e para as quais sugere mesmo recurso a financiamento comunitário através de programas como o Compete ou o Interface. 

Onde é que aqui há ameaças?  Se o dinamismo e a experiência de cooperação interempresas “não forem fortemente encorajados, podem comprometer a viabilidade de produção de carbonato e/ou hidróxido de lítio à escala de todo o país, potenciando a criação de projectos individuais não económicos”. O GT recomendou ainda ao governo que no lançamento de uma fileira tecnológica para o lítio o conceito de economia circular seja levado muito a sério, e a reciclagem de baterias usadas seja uma realidade.

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