Portugal perdeu 90% das explorações leiteiras em 20 anos

O número de produtores caiu de cerca de 61 mil para menos de sete mil, nas últimas duas décadas, mas mesmo assim o leite saído das explorações manteve-se estável.

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No espaço de duas décadas, a produção média por exploração disparou praticamente dez vezes PÚBLICO/Arquivo

A produção leiteira conheceu nas últimas duas décadas uma autêntica revolução. O número de produtores passou de cerca de 61 mil, na campanha de 1993/1994, para menos de 7000, na mais recente campanha (2013/2014). Mas este emagrecimento substancial no número de explorações aconteceu num dinâmico processo de reestruturação, o que permitiu que o volume de entregas de leite cru aumentasse, no início dos anos 1990, e estabilizasse depois em torno das 1,8 milhões de toneladas por ano.

As diferenças na evolução do quadro de produtores são significativas entre o que aconteceu no Continente e nos Açores, onde a produção leiteira é um dos pilares da economia local. Na região autónoma, nos últimos 20 anos, o número de produtores recuou para cerca de metade (de 6289, em 1993/1994, para 2893, na última campanha). No Continente, a redução é muito mais substancial: há duas décadas, havia 53 mil explorações leiteiras, valor que, no ano passado, caiu para pouco menos de 4000.

A evolução dos números acaba por reflectir uma mudança de paradigma na operação sectorial, que nos finais da década de 1980 estava ainda muito assente numa estrutura de pequenas explorações, com um número muito reduzido de animais e com uma produção muito pouco sustentável. Parte substancial do sector não dispunha de ordenha mecanizada própria, fazendo entregas em postos de recolha que regularmente eram visitados pelos camiões-cisterna das cooperativas ou em instalações de ordenha colectiva – algo que dificultava a operação e punha em risco a qualidade do leite recolhido.

A mudança no quadro sectorial começa no início da década de 1990, quando passa a ser introduzido em Portugal o sistema de quotas de produção definido pela União Europeia (UE). Fernando Cardoso, secretário-geral da Fenalac – a federação das uniões de cooperativas leiteiras – afirma que o sistema de quotas “garantiu as condições de estabilidade e previsibilidade de mercado propícias ao investimento e à restruturação do sector. A nossa quota foi, nessa altura, definida num valor cerca de 30% superior à produção de então, facto que permitiu o crescimento das entregas de leite.”

O sector beneficiou, ao mesmo tempo, da abertura de linhas de apoio comunitárias, previstas no Programa de Desenvolvimento Rural, que permitiram dar suporte a um forte ciclo de investimento na modernização das explorações, até então com um nível de desenvolvimento tecnológico muito residual e muito atrasado face às melhores práticas europeias. Fernando Cardoso lembra que se vivia, então, um momento de “bom desempenho do mercado, que respondia a indicadores positivos da economia”, ao mesmo tempo que o sector cooperativo assumiu “uma estratégia de verticalização geradora de economias de escalas”.

Este quadro favorável acabou por determinar uma evolução do tecido empresarial que permitiu acomodar as centenas de milhares de abandonos registados principalmente nas explorações menos habilitadas e que ficavam mais distantes das grandes bacias leiteiras – onde, desde sempre, foram sendo criadas e expandidas as necessárias infra-estruturas de apoio à actividade.

Transferir e multiplicar
Fruto deste desenvolvimento empresarial, o potencial das explorações que foram desaparecendo foi sendo transferido para aquelas que tinham capacidade de expansão, de tal forma que, no espaço de duas décadas, a produção média por exploração disparou praticamente dez vezes – de 25 toneladas por exploração, em 1993/1994, para 264 toneladas por leitaria, na campanha mais recente. Só neste século, sustenta Fernando Cardoso, verifica-se “uma multiplicação por três do efectivo leiteiro médio de cada exploração”.

Com o apoio do sector cooperativo, que tem tido um papel fundamental na modernização e consolidação da actividade, as explorações começaram a ter, também, mais preocupações com a melhoria genética do seu efectivo, com a necessidade de apostar em instalações que promovem o bem-estar animal e, ainda, com a qualidade da alimentação das vacas leiteiras, algo que contribuiu, igualmente, para aumentar o potencial produtivo das unidades agrícolas.

Este nível de desenvolvimento fez com que, entre as campanhas de 1999/2000 e de 2005/2006, o volume de produção se aproximasse da quota europeia estabelecida para Portugal e, em alguns anos, ultrapassasse mesmo o limiar de entregas permitidas. A partir desta última campanha, o volume produtivo decaiu um pouco e a quota portuguesa aumentou, não existindo neste momento qualquer risco de ultrapassagem.

Fernando Cardoso explica que o aumento da quota nacional no quadro político europeu visa uma “aterragem suave para a cessação do regime de quotas leiteiras na UE”, que está previsto para 2015. O responsável da Fenalac sublinha, no entanto, que este alargamento da base permitida de produção nem sequer seria necessário porque a grande maioria dos países comunitários está abaixo do seu tecto específico.

Os dados mais recentes para a UE a 27 mostram que há 22 Estados-membros com níveis de produção abaixo da quota e apenas cinco têm entregas superiores ao limiar máximo, embora residuais. Apenas a Áustria está a produzir cerca de 5% acima do permitido, arriscando, assim, multas da União.

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