Portugal defende em Bruxelas ajuste directo da zona franca da Madeira

Governo argumenta que a adjudicação da gestão do centro de negócios cumpriu a lei. Transposição completa de directiva da UE só foi aprovada este ano, depois da entrega por ajuste directo.

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A sociedade que explora e gere a zona franca é controlada pelo Grupo Pestana Rui Gaudêncio

O Estado português já respondeu às dúvidas levantadas pela Comissão Europeia sobre a entrega directa da gestão da zona franca à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM), controlada pelo Grupo Pestana, que levara Bruxelas a dar o primeiro passo para a abertura de um processo de infracção contra Portugal por poder estar em causa uma violação de uma directiva europeia.

Portugal defendeu junto do executivo comunitário a legalidade do processo conduzido pelo Governo Regional da Madeira, argumentando que a adjudicação sem concurso não colide com a legislação da União Europeia.

As dúvidas de Bruxelas assentam no facto de a adjudicação sem concurso infringir as regras para contratos públicos de concessão e estão ainda relacionadas com o facto de Portugal não ter adaptado integralmente dentro do prazo (até Abril de 2016) a directiva comunitária 2014/23/UE, que estabelece as novas regras de concessão. A Comissão Europeia entende que a disposição nacional utilizada como base jurídica da adjudicação “não está em conformidade com a legislação da UE”.

A resposta a Bruxelas foi remetida pelo embaixador Nuno Brito, Representante Permanente de Portugal junto da União Europeia no final da semana passada, a 14 de Setembro, dentro do prazo de dois meses dado a Portugal para apresentar os seus argumentos.

Depois de responder à carta formal que Bruxelas enviara ao Governo em Julho, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) reconhece ao PÚBLICO que “à data da adjudicação do contrato de concessão de serviços para a administração e exploração da Zona Franca da Madeira, a Directiva 2014/23/UE não estava ainda integralmente transposta para o direito nacional”. Mas, ressalva o MNE, a legislação portuguesa em vigor, quer à data da adjudicação, quer a que foi agora adoptada está “conforme” o direito europeu.

“As medidas de transposição só foram concluídas com a publicação do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, que alterou o Código dos Contratos Públicos”, explica ao PÚBLICO o gabinete de Augusto Santos Silva.

O MNE adiantou que as autoridades nacionais argumentam que “não há incumprimento do direito da União Europeia”, explicando que a entrega da administração e gestão cumpriu o artigo 31.º da directiva. Em causa está o artigo sobre como é que os países europeus devem proceder relativamente aos anúncios de concessão. Aí prevê-se que as entidades que lançam uma concessão “devem manifestar essa intenção através de um anúncio”, salvo em determinadas situações, não sendo obrigadas a fazê-lo se, por exemplo, “os serviços só puderem ser fornecidos por um determinado operador económico”, cabendo aí as situações de “inexistência de concorrência por razões técnicas”.

Renovação por dez anos

A posição portuguesa baseou-se no entendimento de que a adjudicação foi tomada de acordo com uma interpretação do direito da UE, apesar da renovação da concessão por ajuste directo ter sido formalizada pelo Funchal a 1 de Fevereiro, altura em que o Código dos Contratos Públicos (CCP) ainda não tinha sido alterado. Essa aprovação só aconteceu na reunião do Conselho de Ministros de 18 de Maio deste ano. O novo CCP foi publicado em Diário da República a 31 de Agosto, numa altura em que Bruxelas já tinha manifestado dúvidas sobre esta questão.

A opção por ajuste directo levantou dúvidas também na Madeira, com a oposição a contestar a decisão. O executivo de Miguel Albuquerque justificou a decisão com a necessidade de assegurar o “normal funcionamento” da zona franca, evitando perturbações que pudessem resultar na saída de empresas e consequentemente em prejuízos financeiros para a Madeira, como aconteceu durante o impasse da passagem do III para o IV Regime de incentivos.

A Comissão Europeia confirmou oficialmente ao PÚBLICO ter recebido a carta portuguesa, mas não explicou quais são os próximos passos do processo, referindo que ainda irá “analisar a resposta”. A missiva portuguesa foi trabalhada no MNE, consolidada com base nos contributos da Região Autónoma e do Ministério do Planeamento e das Infra-estruturas – não terá passado pelo Ministério das Finanças, por não estar em causa neste processo o próprio regime fiscal da zona franca, mas sim o processo de adjudicação.

Ao contrário da anterior concessão, que foi por 30 anos, esta foi garantida por dez, contemplando ainda alterações no modelo de negócio. O Funchal passa a ter direito a 62% da receita (antes ficava-se nos 39%), aumentando ainda quota na SDM: de 25% para 49%. Também em termos de taxas cobradas, a região reviu em alta a participação, passando a receber 15%, em contraponto com os 10% que recebia. O restante do negócio fica nas mãos do Grupo Pestana, que continua a ser o accionista maioritário (51%) da SDM.

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