Portugal com dificuldades em livrar-se da dependência do BCE

Taxas de juro da dívida subiram acima de 4%, com percepção de que pode ser o mais afectado com travagem das compras de dívida pelo BCE.

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Fasquia dos 4% voltou hoje a ser superada Daniel Rocha

Depois de quase três anos em que contou com a ajuda do BCE para assegurar a sua capacidade de financiamento no exterior, Portugal deparou-se esta quinta-feira com um dos alertas mais claro até agora de que não vai ser fácil lidar nos mercados com o facto de o apoio do banco central poder não estar presente para sempre.

O alerta surgiu através da subida da taxa de juro dos títulos de dívida pública a 10 anos portugueses para um valor acima de 4%. A última vez que tal aconteceu foi em Fevereiro do ano passado, durante um breve período a meio de uma sessão do mercado. No entanto, enquanto na altura se vivia um momento tumultuoso nos mercados internacionais por causa da crise de confiança na China e o recém-empossado governo enfrentava obstáculos em Bruxelas para fazer passar o seu orçamento, agora ultrapassou-se a barreira de 4% num cenário favorável nos mercados internacionais, com a economia portuguesa a apresentar indicadores mais positivos do que o previsto e com os conflitos com as autoridades europeias aparentemente ultrapassados.

Como é que é possível que, perante um cenário aparentemente mais positivo, as taxas sejam as mesmas? A grande diferença está na menor disponibilidade presente e futura do BCE para apoiar o Estado português na sua tentativa de manter as taxas de juro a níveis baixos.

A mais recente tendência de subida das taxas de juro portuguesa começou a sentir-se de forma clara há pouco menos de um mês. Foi nessa altura que o conselho de governadores do BCE anunciou o prolongamento por seis meses do prazo do seu programa de compra de dívida pública, mas com uma redução do volume das compras mensais que realiza. E, além disso, numa decisão vista nos mercados como prejudicial especialmente para Portugal, manteve inalteradas as regras que limitam a um terço o valor máximo de dívida que pode deter de um país.

O que isto significou foi que se tornou ainda mais evidente que as compras de dívida portuguesa por parte do BCE vão tender a diminuir, de forma mais rápida do que nos outros países, durante os próximos meses, sendo que no decorrer deste ano essa já foi uma realidade com que Portugal teve de se deparar.

Nos mercados, a reacção foi clara. Desde o dia da reunião do conselho de governadores do BCE, a 8 de Dezembro, até agora, as taxas de juro da dívida a 10 anos portuguesas aumentaram quase meio ponto percentual, ao passo que em Espanha, Itália e Irlanda as taxas quase não subiram, aumentando apenas 0,08, 0,068 e 0,127 pontos percentuais, respectivamente.

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Na terça-feira, mais um golpe. Nesse dia foram publicados os dados da inflação na Alemanha, que subiu de 0,7% para 1,7% em Dezembro, uma aceleração dos preços que foi confirmada no dia seguinte para o total da zona euro. Este novo cenário de regresso da inflação coloca o BCE sob pressão para rever algumas das suas políticas de estímulo económico, nomeadamente medidas como o programa de compra de dívida pública ou as taxas de juro zero.

Como seria de esperar, a reacção dos mercados foi fazer subir os juros da dívida dos países periféricos, mais uma vez com Portugal ser mais penalizado do que os outros.

Situação limite?

Chegados aos 4%, a questão que se coloca agora é a de saber se este número ameaça de forma grave a capacidade de o país para se financiar a níveis sustentáveis. Ou dito de outra forma, estará Portugal já a aproximar-se de uma situação em que a porta do acesso aos mercados fica fechada?

Para já, os indícios de que tal possa vir a acontecer a breve prazo não estão à vista. O verdadeiro teste, é claro, apenas sucederá quando o Tesouro realizar emissões de dívida junto dos investidores, fazendo-se sentir pela primeira vez um custo directo para os cofres públicos. Existe a expectativa de que o Tesouro português venha a realizar, como vem sendo hábito nos últimos anos, uma emissão sindicada (em que os bancos procuram investidores) de uma nova série de dívida pública. E aquilo que se adivinha é que haja investidores mais do que suficientes que estejam interessados em apostar na dívida pública portuguesa, recebendo em troca juros semelhantes aos que actualmente se praticam no mercado secundário, num cenário em que se mantém o apetite dos investidores por títulos com um risco um pouco mais elevado.

A subida de taxas tem custos, é claro. No OE para 2017, o Governo prevê que a taxa de juro implícita da dívida (os juros pagos em percentagem da dívida total) se mantenha este ano em 3,5%, o mesmo valor de 2016. Se as emissões que se vierem a realizar ficarem nos 4% ou acima, essa meta poderá ser difícil de cumprir. O facto de as taxas estarem agora na casa dos 4%, em vez dos 3,5% de há um mês atrás, encarece essa emissão, agravando os encargos com juros que o Estado irá ter este ano, mas esta subida sente-se apenas numa pequena parte da dívida, já que no resto, incluindo a dívida ao FMI e aos parceiros europeus, as taxas mantém-se iguais às que estavam.

Ainda assim, para que se chegue a uma situação limite, seria preciso que a dado momento, se tornasse impossível encontrar investidores disponíveis a emprestar dinheiro a Portugal a taxas minimamente razoáveis. Foi isso que aconteceu em 2011, quando o Governo liderado por José Sócrates acabou por solicitar um resgate aos outros países da zona euro e ao FMI.

Outra forma de Portugal chegar a um cenário extremo seria se o país perdesse o único rating acima de “lixo” que actualmente tem, e que assegura que o BCE continua a aceitar a dívida portuguesa no seu balanço. A DBRS é a agência que atribui esse rating mais favorável e, em Outubro, os seus responsáveis alertaram, em declarações ao “Observador”, que ficariam preocupados se as taxas de juro portuguesas ultrapassassem os 4%. No entanto, desde esse momento, por diversas vezes  mostraram uma atitude bastante mais benigna.

Esta quinta-feira, em declarações ao “Eco”, o economista-chefe da DBRS, Fergus McCormick afirmou que ““um aumento gradual dos juros não é suficiente para causar uma pressão descendente nos nossos ratings sobre Portugal” e garantiu que “não há um limite mágico nos juros ou qualquer outro activo que possa desencadear qualquer acção de rating”, assinalando que esta tendência de subida de juros por causa do BCE era esperada.

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