Falta de investimento e de consumo penalizam crescimento económico

Esperava-se uma aceleração que não se verificou e, em termos homólogos, até houve um abrandamento da variação do PIB no segundo trimestre. Governo mantém discurso e metas, debaixo de críticas da oposição.

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Abrandamento do consumo é bom para as famílias mas não para o crescimento, diz Paula Carvalho, do BPI Miguel Madeira

A economia portuguesa não só não acelerou no segundo trimestre, como sofreu mesmo um novo abrandamento no ritmo de crescimento. De acordo com a estimativa rápida avançada pelo INE, o Produto Interno Português (PIB) cresceu, em cadeia, 0,2% no segundo trimestre deste ano, um valor igual ao dos dois trimestres anteriores e mantendo a divergência com a zona euro.

Em termos homólogos, a subida do PIB foi de 0,8%, contra um variação de 0,9% no trimestre anterior. É preciso recuar ao último trimestre de 2014 para conseguir encontrar um valor mais abaixo. Segundo o INE, que dará mais detalhes no final do mês, a procura externa líquida (entre exportações e importações) teve um contributo positivo, mas o consumo privado não deu um novo impulso, e o investimento tarda em arrancar.

“O contributo positivo da procura interna para a variação homóloga do PIB diminuiu significativamente, observando-se um crescimento menos intenso do consumo privado e uma redução mais expressiva do investimento”, sinalizou o INE. A procura externa líquida, diz ainda “passou a ter um contributo ligeiramente positivo, reflectindo a desaceleração mais acentuada das importações de bens e serviços em comparação com a das exportações de bens e serviços”.

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Antes de serem conhecidos os valores oficiais (que poderão ser revistos no final do mês) uma estimativa média de analistas contactados pela Lusa apontava para um crescimento de 0,4% em cadeia e de 1% em termos homólogos.

Paula Carvalho, economista-chefe do departamento de estudos económicos do BPI, afirma que os dados divulgados pelo INE “são mais baixos que o esperado”, destacando que a economia “desacelerou novamente no segundo trimestre do ano”. Isto quando se esperava uma “ligeira aceleração devido ao desvanecimento de alguns efeitos one-off [extraordinários] que afectaram negativamente os primeiros três meses do ano (o encerramento de uma refinaria e o aumento das importações de bens duradouros graças à antecipação de agravamento da fiscalidade a partir de Abril).

Questionada sobre o que está a bloquear uma aceleração do crescimento económico, explica que o investimento “é um dos principais factores, denotando fracas perspectivas de evolução da procura por parte dos empresários”. Mas, realça, ao mesmo tempo as exportações “continuam com uma fraca performance” e “o consumo privado desacelerou”. Este último aspecto, diz, é positivo, “dados os valores historicamente baixos da poupança das famílias”, mas tem um impacto negativo no crescimento.

O Ministério das Finanças, através de um comunicado, não deixou de admitir que a economia está “a levar mais tempo a acelerar o ritmo de crescimento”, e que a evolução é “inferior à que está subjacente” ao Orçamento para este ano, mas defende que há indicadores positivos.

“Nos próximos meses, o crescimento económico deverá ser sustentado nos sinais de franca recuperação do mercado de trabalho”, defende o ministério tutelado por Mário Centeno, referindo-se aos dados divulgados esta semana e que dão conta da descida da taxa de desemprego para 10,8%.

O emprego, diz o Governo, “também está a recuperar” e isso, defende, é “um indicador da confiança dos empresários na economia”, sublinhando que “as expectativas de investimento em 2016,  divulgadas pelo INE, são as mais elevadas desde 2007”.

Visões divergentes

No segundo semestre, acreditam as Finanças, o cenário de investimento será “reforçado pela implementação completa do Portugal 2020 [fundos comunitários]”. Aqui, há perspectivas claramente divergentes, com o Governo a apostar num crescimento do investimento de 4,9%, quando os últimos dados do Banco de Portugal apontam para uma subida residual de 0,1%.

Visões divergentes têm também os dois partidos da oposição, que marcaram conferências de imprensa para comentar os dados do INE. Pelo PSD, quem falou foi a ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, defendendo que os números são “francamente negativos” e revelam que a “economia está estagnada”. Para a vice-presidente de Passos Coelho, “o Governo tem tido uma actuação que é imprudente, e “tem seguido uma estratégia económica errada”. Acrescentou ainda que, em períodos de fraco crescimento económico, a austeridade é o passo seguinte, por se seguir à “falta de capacidade para fazer face às nossas necessidades”.

Pelo CDS falou Pedro Mota Soares, também ele um ex-ministro do anterior Governo. “As metas que o Governo tinha para este ano estão mais longe e as dificuldades que os portugueses podem vir a ter estão mais perto e isso, para nós, não é uma boa notícia”, afirmou, citado pela Lusa.

Por parte do Governo, as Finanças realçaram que os dados da execução orçamental até ao momento, nomeadamente do lado da despesa, mantêm a ideia de que o objectivo anual, ao nível do défice público, será mantido. Mesmo com uma revisão em baixa do crescimento, como já foi admitido ao PÚBLICO pelo ministro das Finanças, embora sem adiantar valores (a estimativa inicial era de 1,8%).

No caso do BPI, a sua previsão aponta para 1,3%, mas Paula Carvalho diz que há agora o risco de uma revisão em baixa. “Aguardamos pela divulgação do relatório mais detalhado do INE. Tendencialmente, a economia parece estar a evoluir em torno de 1%”, afirmou.

Ao nivel do défice, a Comissão Europeia exige agora que este desça para 2,5% do PIB, quando o Governo apontava para 2,2%. Agora, incorporou o valor de Bruxelas (que, ainda assim, não acredita que este vá além dos 2,7% sem medidas adicionais por parte de Portugal). Aqui, o Governo teve uma ajuda do Presidente da República. “Continuo a pensar que é possível o défice de 2,5% este ano”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.

França e Itália estagnam

Olhando para a Europa, o crescimento do PIB em cadeia na zona euro arrefeceu no segundo trimestre, tendo sido de 0,3% na zona euro e de 0,4% na UE (contra os 0,6% e 0,5% do trimestre anterior, respectivamente).

Em termos homólogos, de acordo com o Eurostat, o organismo europeu de estatística, a subida na zona euro foi de 1,6% e de 1,8% na UE (contra os anteriores 1,7% e 1,8%, respectivamente).  No entanto, apesar de a média apontar para um crescimento, houve casos em que tal não aconteceu, com França e Itália (duas das principais economias europeias) a assistirem a uma estagnação (0%) do PIB, em cadeia.

Já a Alemanha subiu 0,4% (vários analistas previam um cenário mais negativo) e Espanha, o principal parceiro cliente das exportações portugueses, viu a economia subir 0,7%, um comportamento apenas superado pela Eslováquia e pela Polónia (ambos com 0,9%). O Reino Unido viu o PIB crescer 0,6%, mas os valores tenderão a ser menos favoráveis após o impacto da decisão de sair da União Europeia (conhecido no final de Junho).

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