Pensões: sem transparência e sem partilha de responsabilidades não vamos longe

Para assegurar níveis adequados do rendimento da pensão, muitos dos países que empreenderam reformas tomaram medidas para reforçar a poupança complementar para a reforma de modo a compensar a redução da pensão pública.

O envelhecimento demográfico é considerado por muitos um problema para o futuro. E não deixa de ter razão quem assim pensa numa sociedade que não é capaz de pensar de forma diferente. A primeira transformação a fazer é cultural. Não sendo possível inverter o envelhecimento demográfico, o que verdadeiramente importa é sermos capazes de encontrar soluções que se adaptem às novas realidades.

Com efeito, as alterações demográficas estão a impor correcções na redistribuição do consumo e do rendimento ao longo do ciclo de vida. Sendo o ciclo de vida mais longo e mais longa a etapa da reforma, é necessário gerar mais rendimento e/ou acumular mais poupança durante a vida activa para fazer face ao aumento do consumo que decorre de uma maior longevidade.

Nas transformações que o envelhecimento demográfico impõe nos sistemas de pensões não podemos perder de vista, os seus principais objectivos: (1) proporcionar uma função de segurança através de um mecanismo de redistribuição intrapessoal do rendimento ao longo do ciclo de vida activa – é esta função que permite poupar rendimento do trabalho para a reforma – e (2) disponibilizar uma função de seguro social que assegure o pagamento de uma prestação social diferida, substitutiva do rendimento do trabalho, em resultado da eventualidade da reforma. Um desafio passa por internalizar adequadamente a variável envelhecimento demográfico de modo a assegurar que o sistema de pensões é capaz de garantir adequadamente a protecção na velhice.

Nas reformas dos sistemas de pensões mais recentemente conduzidas pelos países da OCDE sobressaem (i) a redução dos défices orçamentais, através da contenção da despesa pública com pensões, e (ii) o desagravamento da insustentabilidade dos sistemas de pensões ou a manutenção da sua sustentabilidade. Estas políticas determinaram, contudo, uma crescente redução das pensões futuras, ou seja, uma deterioração das taxas de substituição, colocando em causa a adequação do rendimento da pensão pública, fazendo perigar níveis dignos de protecção na velhice.

Portugal conhecerá uma redução mais acentuada das taxas de substituição do que a média dos países da União Europeia. As projecções do Ageing Report 2015, Comissão Europeia, indicam uma acentuada queda da taxa de substituição no período de 2013 a 2060: de 57,5% para 30,7% (em termos médios, incorpora o impacto do factor de sustentabilidade e as penalizações por reforma antecipada).

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Para assegurar níveis adequados do rendimento da pensão, muitos dos países que empreenderam reformas tomaram medidas para reforçar a poupança complementar para a reforma de modo a compensar a redução da pensão pública.

Com efeito, observamos que em muitos países da OCDE (Pensions at a Glance 2013, OCDE) o 2º Pilar (iniciativa colectiva/fundos de pensões) e o 3º Pilar (iniciativa individual/PPR) assumem uma importância crescente na formação do rendimento da pensão de reforma, inclusive nos sistemas de pensões em regime de repartição em que o 1º Pilar público é o principal responsável pela formação da pensão.

Não foi este o caminho seguido por Portugal. Os pilares da poupança complementar para a reforma estão atrofiados: apenas 3,3,% da população activa está abrangida por planos de pensões de iniciativa empresarial (2º Pilar) e apenas 5,5% tem planos de pensões de iniciativa individual (3º Pilar). Em Portugal a poupança complementar para a reforma representa apenas 0,3% do PIB e 2% da despesa total com pensões, valores que contrastam negativamente com países como a vizinha Espanha – respectivamente 0,7% e 5,3% - ou, lá mais longe, a Suécia – respectivamente 2,5% e 21,7% - que têm regimes predominantemente públicos, como é o nosso caso. Esta situação não deixa de ser paradoxal perante reduções significativas das taxas de substituição, sabendo-se dos benefícios que a poupança de longo prazo pode trazer para restabelecer os equilíbrios da economia e contribuir para a sustentabilidade da dívida. 

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Com efeito, Portugal não aderiu à transformação cultural de partilha de riscos e responsabilidades – entre trabalhadores, empresas e Estado - e de diversificação de fontes de rendimento na reforma. A pensão de reforma depende quase totalmente do Estado. Uma tal opção programática conduziu a sociedade portuguesa a alhear-se do sistema de pensões e a não se preocupar verdadeiramente com o futuro das suas pensões. O desconhecimento de aspectos tão essenciais como o nível da pensão futura ou o nível de poupança necessário para a obtenção de uma pensão de reforma - é um grave problema para o futuro. É um “calcanhar de Aquiles”! Para tomarem decisões e fazerem escolhas racionais, as pessoas necessitam de dispor de informação detalhada e rigorosa e de a compreender.

Cultura de acessibilidade e transparência

É necessária uma nova relação de comunicação entre o Estado e os participantes do sistema público de pensões. Deve ser pautada pelos princípios da acessibilidade e da transparência. A gestão pública das pensões deve ter uma função educativa, informativa e pedagógica. É uma responsabilidade do Estado disponibilizar a informação com o triplo objectivo de alertar as pessoas para as suas responsabilidades, de as informar sobre as opções que têm pela frente e de as avisar sobre novas medidas políticas.

É fundamental que cada beneficiário disponha de uma posição global integrada da sua pensão de reforma, de fácil utilização e actualização, com funções de consulta, movimentação e simulação. Há muito tempo que defendo a adopção de uma “Caderneta de Aforro para a Reforma” que fornece dados individuais sobre contribuições, valorização e cálculo previsional de pensões e com informação que apoie os beneficiários a tomarem decisões de poupança para a reforma.

Cultura de poupança individual e colectiva

Necessitamos, também, de criar um verdadeiro pilar de poupança privada para a reforma de modo a melhorar os níveis de protecção na velhice, promovendo uma cultura de responsabilidade individual e colectiva.

O desenvolvimento deste pilar exige, entre outras, (i) políticas regulatórias que acautelem a definição de quadros de gestão financeira prudente e de mecanismos ajustados aos riscos inerentes ao investimento financeiro, (ii) políticas fiscais estáveis e previsíveis e (iii) políticas activas de promoção de poupanças de base profissional e de poupança individual.

A promoção de mecanismos complementares colectivos e individuais de natureza privada – 2º Pilar e 3º Pilar – ficaram solenemente previstos no Acordo de Concertação Social assinado no âmbito da reforma de 2007 do sistema de pensões da Segurança Social. A sua regulamentação não conheceu até hoje a luz do dia.

Confrontados com novos paradigmas, o desafio é sermos capazes de gerar a inclusão de toda a sociedade na resolução de problemas que o Estado é incapaz, por si só, de solucionar, não sendo menores as suas responsabilidade, muito pelo contrário. Sem o fazermos, não há confiança.

 

CIDADANIA SOCIAL - Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais - www.cidadaniasocial.pt

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia

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