Paula Amorim, a herdeira que fez o seu próprio caminho

A passagem de testemunho de Américo Amorim decorreu sem sobressaltos. Aos 45 anos, a filha mais velha, Paula Amorim, assume a liderança de um dos maiores grupos empresariais do país e da maior exportadora nacional, a Galp, cabendo-lhe agora equilibrar o legado familiar com os seus próprios negócios.

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Pouco passava das cinco da tarde quando, há uma semana, a Galp anunciou ao mercado a renúncia de Américo Amorim à presidência do conselho de administração, por “motivos pessoais”. A substituí-lo ficou a mais velha das três filhas, Paula Amorim. Ainda que inesperado, em si, o anúncio não foi surpreendente. Tratou-se da passagem formal de testemunho do homem que durante mais de 60 anos liderou um dos principais grupos empresariais do país.

Paula Amorim, que há 20 anos vem desempenhando funções de topo nas empresas familiares, entrou para a administração da Galp como não executiva em 2012, no mesmo momento em que o pai reforçou o poder com a liderança do conselho de administração.

A gestora também já era, desde o ano passado, vice-presidente da administração da empresa. Por isso, o anúncio de que o homem mais rico de Portugal – com uma fortuna de 4300 milhões de euros, segundo a Forbes – estava a ceder o lugar à filha mais velha não apanhou ninguém desprevenido na Galp, onde Paula Amorim é descrita como alguém bastante presente na vida da empresa.

Da mesma forma, não foi surpreendente que a mais velha das irmãs Amorim tenha, aos 45 anos, assumido ainda a presidência do Grupo Américo Amorim (GAA), que se expandiu da cortiça ao turismo e imobiliário, à floresta e agricultura, à banca e à energia. Só na nota biográfica publicada no site da Galp, a empresária, que frequentou o curso de Gestão Imobiliária da Escola Superior de Actividades Imobiliárias (ESAI), aparece como desempenhando 22 altos cargos no grupo.

“Num momento em que as novas gerações da família são chamadas a assumir responsabilidades acrescidas, parece-nos importante afirmar que o GAA continuará empenhado em consolidar o seu papel na economia”, escreve a empresária na sua mensagem enquanto nova presidente, no site do grupo. “Estamos certos que estaremos à altura dos actuais e novos desafios”, assegura ainda a gestora, que tem dois filhos do primeiro casamento, com o empresário Rui Alegre, e é hoje casada com Miguel Guedes de Sousa, ligado à área da restauração e hotelaria.

Business as usual

Aos 82 anos, e depois de se confrontar com uma hospitalização no serviço de cardiologia do Hospital de Gaia, o empresário deu finalmente sinais de pretender abrandar o ritmo. E esta transição de poder só pode ser vista como um desfecho natural: Paula ainda não tinha vinte anos quando começou a trabalhar com o pai, mas também deu provas de ser talhada para os negócios com um percurso em nome próprio.

Tal como Américo Amorim um dia olhou para o legado da família e percebeu que a cortiça podia ser muito mais do que rolhas, Paula Amorim soube usar o background conseguido no GAA para escolher os seus voos. Se há algo em Portugal que se assemelha a um império da moda e do luxo é certamente a Amorim Luxury, o grupo que começou a construir em 2005, quando comprou a Fashion Clinic, a loja de vestuário e artigos de luxo que representa marcas como a Balenciaga, Givenchy, Miu Miu, Prada ou Christian Louboutin, que hoje tem quatro lojas em Lisboa e no Porto. Mais tarde, viria ainda a parceria com a Gucci, para a abertura da primeira loja da marca em Portugal. Além disso, Paula Amorim também é administradora da Tom Ford International, na sequência do investimento que, em 2007, marcou a entrada do GAA no negócio do luxo: a aquisição de 25% do capital da empresa do antigo director criativo da Gucci.

Ainda que tenha delegado a gestão executiva da Galp (que cabe a Carlos Gomes da Silva), Américo Amorim sempre foi muito interventivo na condução da empresa (que hoje vale cerca de 10 mil milhões de euros em bolsa) e provou desde o primeiro minuto que o investimento na petrolífera era verdadeiramente estratégico. E não se espera que algo mude com a sua saída de cena.

A Galp tem uma “nova chairwoman, business as usual”, disse a Société Générale (SG) numa nota de research para investidores. Descrevendo Paula Amorim como “braço direito” do pai, a SG diz que a petrolífera vai manter-se como peça chave na estratégia do GAA, seja pela perspectiva de crescimento  – com o aumento previsto da produção petrolífera no Brasil –, seja pelos “140 milhões de euros em dividendos anuais” que rende à Amorim Energia.

Esta holding, de que Amorim detém 55% e a angolana Sonangol outros 45%, é a maior accionista da Galp, com 33,3% do capital. Curiosamente, aqui o caminho de Paula cruza-se com o de outra herdeira de peso: Isabel dos Santos, a filha do Presidente de Angola, que este ano assumiu o lugar cimeiro da petrolífera estatal e de quem se diz ser amiga. Foi a Isabel dos Santos que Amorim se associou para criar o Banco BIC (e a quem depois, há dois anos, vendeu, as suas acções).

“A transição foi bem preparada”, escreveu por seu turno o banco de investimento UBS. Além disso, o facto de Marta Amorim (a filha do meio, mais ligada a área financeira do GAA), que já era administradora da Amorim Energia, ter entrado na administração da Galp “é outro sinal do compromisso da família” com a empresa, diz o banco suíço.

A única filha de Amorim que não pertence neste momento à administração da Galp é Luísa Amorim – a alma de outro negócio da família, a Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, de produção vitivinícola e turismo – mas o seu marido, Francisco Teixeira Rêgo, está lá. Provando que, se dúvidas ainda houvesse, a maior exportadora nacional é um negócio que vai continuar sob controlo familiar.

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