Sócrates: Passos Coelho "não percebeu o simbolismo" do túnel do Marão

Antigo primeiro-ministro lamenta ausência do seu sucessor.

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Sócrates foi dos primeiros convidados a chegarem hoje ao túnel Nelson Garrido
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José Sócrates no momento em que lançou a obra, a 31 de Maio de 2008 Nelson Garrido

Era a primeira grande inauguração do mandato de António Costa, mas durante a abertura do túnel do Marão todas as atenções centraram-se sobre o homem que lançou a obra, há oito anos. O antigo primeiro-ministro José Sócrates voltou, neste sábado, a Trás-os-Montes para sublinhar o “simbolismo” daquela infra-estrutura para a região e disparar críticas a Pedro Passos Coelho, que recusou estar presente na cerimónia. Ouviu vivas, tirou “selfies” e teve direito ao maior aplauso da tarde.

Sócrates foi referido em todas as intervenções feitas durante a inauguração, incluindo a do primeiro-ministro, António Costa. Antes e depois da cerimónia formal, recebeu cumprimentos de muitos convidados e foi chamado para tirar selfies. Além disso, foi o único nome capaz de arrancar os aplausos durante um discurso por parte das muitas centenas de pessoas que assistiram à sessão, quando o presidente da Câmara de Vila Real, o socialista Rui Santos, lhe endereçou um “muito obrigado” pelo papel que o antigo governante teve no lançamento de uma obra com carga histórica para os transmontanos (ver infografia em PDF). “O teu gesto não será esquecido”, sublinhou o autarca.

Infografia: túnel do Marão

Antes, na primeira de três vezes em que falou aos jornalistas durante a tarde deste sábado, ouviram-se alguns “vivas” tímidos a José Sócrates entre os convidados da inauguração do túnel do Marão. Nessa intervenção, o antigo primeiro-ministro lamentou a ausência do seu sucessor, Pedro Passos Coelho. O líder do PSD “não percebeu o simbolismo” desta obra, acusou o socialista, para quem a infra-estrutura “é mais do que um túnel e mais do que uma obra pública". Representa "um reencontro do país consigo próprio" por permitir ligar por auto-estrada o nordeste transmontano e o litoral, valorizou.

À chegada à boca do túnel do Marão em Amarante, o antigo governante sublinhou ainda o regresso a um tempo de "decência democrática" pelo facto de o actual executivo ter convidado para a inauguração os anteriores governantes que estiveram ligados às várias fases do projecto. Consigo estiveram também o antigo ministro-adjunto e actual eurodeputado Pedro Silva Pereira, o seu ministro das Obras Públicas, Mário Lino, e o então secretário de Estado das Obras Públicas, Paulo Campos.

O antigo primeiro-ministro socialista, que lançou a obra em 2007, lamentou que o seu sucessor não tenha percebido o "simbolismo" desta nova acessibilidade, que melhora substancialmente as condições de circulação de e para Trás-os-Montes. "Isto é mais do que um túnel e mais do que uma obra pública", valorizou o antigo primeiro-ministro, que é alvo da justiça e arguido por suspeitas de ter cometido crimes de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais. À conta destas investigações esteve em prisão preventiva desde Novembro de 2014 até Outubro de 2015, aguardando desde essa altura que o MP tome a decisão de o acusar ou não.

136 mortos em 20 anos

Foi José Sócrates quem lançou esta obra em 2007 e, durante os seus mandatos, tinha já estado no Marão três vezes para assinalar o primeiro arranque dos trabalhos e o seu reinício, depois da primeira das várias paragens que foram atrasando a construção. O túnel rodoviário tem 5,7 quilómetros e representa um investimento de 137 milhões de euros – ou de quase 400 milhões, se for contabilizada toda a auto-estrada entre Amarante e Vila Real. O antigo primeiro-ministro classificou este investimento como uma "obra política" feita "contra a corrente" e evocou os 136 mortos em acidentes de viação no IP4 ao longo das últimas décadas para concluir que o esforço financeiro feito na construção do túnel do Marão se justifica "para salvar vidas".

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Sócrates é cumprimentado por populares que aguardavam os convidados Nelson Garrido

No seu discurso, o primeiro-ministro António Costa também sublinhou o carácter “histórico” deste investimento e comparou a relevância da abertura do túnel do Marão à construção da primeira ponte sobre o Tejo, durante o Estado Novo. “Nenhuma outra infra-estrutura foi tão importante nos últimos 50 anos para vencer uma barreira natural”, considerou. Mas Costa alertou que a abertura do túnel por si só não vai resolver os problemas de desenvolvimento de Trás-os-Montes, apontando na direcção de Espanha para lembrar que o túnel do Marão não só aproxima o interior do litoral do país, mas também torna mais rápida a viagem até ao país vizinho. O Nordeste transmontano “é vizinho de uma região espanhola com 2,5 milhões de habitantes”, recorda, esperando que, após a abertura, a região possa “virar a página” e “convergir para um novo patamar de desenvolvimento”.

A maior segurança com que será possível fazer a viagem é uma das vantagens apontadas pelos futuros utilizadores do túnel, que o primeiro-ministro, António Costa, inaugurou esta tarde. O atravessamento do túnel do Marão custará 1,95 euros para os automóveis e 4,90 euros para os veículos pesados. O percurso completo da A4, entre a fronteira de Quintanilha, no concelho de Bragança, e o Porto custará 7,30 euros para os veículos de classe 1 e 18,25 euros para os veículos de classe 4.

Há muito que em Portugal não se inaugurava uma obra com esta envergadura. Ao todo, a auto-estrada entre Amarante e Vila Real custou quase 398 milhões de euros, dos quais 137 milhões destinados à construção deste túnel. A obra recebeu 89 milhões de euros de fundos europeus e foi objecto de uma decisão específica da Comissão Europeia. A sua abertura mereceu, ontem mesmo, uma declaração da comissária da Política Regional, Corina Cretu, que disse esperar que aquela infra-estrutura venha “melhorar a acessibilidade e a coesão territorial na Região Norte”.

A auto-estrada transmontana foi lançada em 2007, no Governo de José Sócrates. A obra era uma parceria público-privada com um consórcio constituído pelas construtoras Somague e a MSF e começou no ano seguinte. A abertura estava então prevista para 2012, mas desde cedo o processo começou a sofrer atrasos. Primeiro, os trabalhos de escavação foram suspensos por ordem judicial, por duas vezes, devido a um processo interposto por uma empresa que explorava águas na serra do Marão e que alegava que as obras punham em causa as suas captações.

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A comitiva de convidados atravessou o túnel que demorou quase nove anos a ser construído desde que a obra foi posta a concurso Nelson Garrido

Depois disso, já no Governo de Pedro Passos Coelho, os trabalhos voltaram a parar, desta feita porque o concessionário estava em dificuldades financeiras e foi incapaz de prosseguir a obra. Na altura, faltavam escavar cerca de quatro quilómetros das duas galerias do túnel, mas os trabalhos ficaram parados durante três anos. Até que, em Junho de 2013, o Estado acabou por resgatar a concessão e entregar a empreitada à Infraestruturas de Portugal.

CRONOLOGIA EM IMAGENS: Uma obra lançada por Sócrates, resgatada por Passos e inaugurada por Costa

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