Panamá e outros paraísos

A problemática à volta dos paraísos fiscais não é nova. No entanto os “Panamá papers”, talvez pelo facto de apresentarem evidência clara de como é que ricos e políticos escondem o seu dinheiro fora do escrutínio público, vieram relançar o debate em volta dos paraísos fiscais. Veremos se, depois das primeiras páginas dos jornais se virarem para outros assuntos, a vontade política de mudar o que está mal em relação aos paraísos fiscais vai continuar.

O modelo de negócio dos paraísos fiscais assenta nos pilares indicados de seguida (ver Pires e Schjelderup, How Panamá Became a Tax Haven? *). Primeiro, a existência de dois regimes fiscais, um para os nacionais com uma tributação normal, e um outro para os estrangeiros com tributação baixa ou nula (chamado “ring-fencing”). Segundo, o segredo fiscal, no qual se incluem leis de segredo bancário, possibilidade de registar empresas sem se conhecerem os seus donos, e baixa supervisão financeira e bancária. Tendo em conta esta definição, pode-se considerar várias jurisdições como paraísos fiscais, não só o Panamá, mas também nomeadamente as ilhas Jersey, as Bermudas, a Ilha de Man, as ilhas Cayman, o Porto Rico, a Suíça, a Irlanda, o Luxemburgo, a Holanda, e o estado de Delaware nos EUA.

A existência destes paraísos fiscais só é possível porque existe um lóbi forte por parte das multinacionais, dos sectores financeiro e bancário, dos poderosos, dos políticos, e dos ricos, para a sua manutenção. Tal é facilitado por uma legislação internacional com falhas, que podem ser exploradas legal ou ilegalmente por muitos dos interessados. É de todos sabido que multinacionais como a Google, a Apple, a Disney, a Pepsi, a Coca-Cola, a IKEA, pagam nalguns países uma taxa efectiva de imposto abaixo de 1%, e isto sem cometerem (aparentemente) nenhuma ilegalidade.

É também conhecida a forma como as multinacionais conseguem pagar, legalmente, impostos tão baixos. Primeiro, as multinacionais são na realidade várias empresas divididas por países (por exemplo Apple USA, Apple Reino Unido, Apple Irlanda, Apple Bermudas, entre outras). Segundo, como cada empresa é uma unidade legalmente independente, basta a estas “transferir” os lucros dos países com impostos mais altos, como o Reino Unido, para países com impostos mais baixos, os chamados paraísos fiscais, como o Panamá (conhecido como “transfer pricing”). Isto pode ser feito, por exemplo, registando a propriedade intelectual em paraísos fiscais aos quais as outras filiais da multinacional têm que pagar royalties. Ou seja, a Multinacional X Reino Unido paga à Multinacional X Panamá pelo uso da marca Multinacional X e, como resultado deste pagamento, a Multinacional X Reino Unido não tem lucros e não paga impostos no Reino Unido.

Se no caso das multinacionais as formas de pagar menos impostos são mais ou menos legais, já no caso dos privados tal não é normalmente o caso. Neste caso, os mecanismos usados para não se pagar impostos envolve muitas vezes o registo anónimo de empresas e riqueza em paraísos fiscais. Isto permite entre outras coisas que os paraísos fiscais sejam usados para fuga aos impostos, lavagem de dinheiro de terrorismo, tráfico de droga, crime organizado e corrupção.

Os paraísos fiscais levantam várias questões. Primeiro, injustiça, porque a maioria dos indivíduos paga taxas de impostos muito mais elevadas que as multinacionais e privados ricos. Segundo, moralidade-ética, porque alguns enriquecem sem contribuírem o que deviam para a sociedade, principalmente numa altura em que as finanças dos países passam tantas dificuldades. Terceiro, concorrência desleal, uma vez que as empresas de menor dimensão não têm possibilidade de fugir, de forma legal pelo menos, aos impostos. Quarto, legalidade, porque os paraísos fiscais permitem o florescimento de actividades criminosas.

Que medidas se devem tomar em relação aos paraísos fiscais? Em primeiro lugar, os países têm que cooperar mais no que diz respeito à troca de informação. Sem isto não será possível combater a fuga aos impostos, a lavagem de dinheiro e outros crimes económicos. Em segundo lugar, deve-se abolir o “ring-fencing”. Sem o “ring-fencing” os paraísos fiscais terão menos hipóteses de praticar impostos baixos. Terceiro, deve-se exigir que os países tenham um registo público de todos os accionistas, membros de empresas e fundações. Com esta transparência será mais difícil escudar-se no anonimato para cometer crimes. Em quarto lugar, as empresas multinacionais devem ser obrigadas a apresentar contas por país em termos de lucros, vendas, número de empregados e impostos pagos (chamado “country-by-country reporting”). Assim fica a ser do conhecimento público as taxas efectivas de imposto pagas pelas grandes multinacionais em relação ao que facturam nesse país. Em quinto lugar, para apuramento de impostos das empresas das multinacionais deve-se ter em consideração não só os lucros declarados, uma vez que estes podem ser transferidos de países (ricos) com impostos altos para paraísos fiscais com impostos baixos, mas também as vendas e o emprego nesses países. Com esta medida procura-se que as multinacionais passem a pagar impostos em países com impostos mais elevados, visto nestes as vendas e o emprego serem também normalmente elevados. Por último, deve ser proibida a existência de empresas que não são mais que uma caixa postal. Só assim se pode evitar a existência de empresas sem qualquer actividade real.

Ainda é muito cedo para saber se o caso do Panamá terá algum impacto prático no modelo de negócio dos paraísos fiscais. Não é no entanto de esperar que os paraísos fiscais vão simplesmente acabar. Primeiro, a concorrência fiscal entre países continuará sempre, dificultando a cooperação internacional. Segundo, haverá sempre países ou agentes que encontrarão “buracos” na lei fiscal internacional para explorar em seu benefício. Terceiro, como já se referiu, o lóbi pró-paraísos fiscais é demasiado forte, o que exige uma vontade política gigantesca para mudar o status quo e enfrentar interesses instalados. Por isso mesmo revela-se urgente procurar minimizar o impacto dos paraísos fiscais, até porque estes não só esvaziam os cofres dos estados (e como tal do sistemas sociais de saúde e educação), mas também financiam as actividades de criminosos e terroristas. Professor na Norwegian School of Economics

* Armando Pires e Guttorm Schjelderup, How Panamá Became a Tax Haven?, Foreign Affairs, 12-04-2016.

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