Países europeus perderam mais de 170 mil milhões com evasão fiscal dos Panama Papers

Técnicos do Parlamento Europeu admitem que a quebra de receita tenha chegado aos 237 mil milhões de euros. E há impactos indirectos no mercado de trabalho.

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Na origem dos Panama Papers está uma fuga de informação de 11,5 milhões de documentos da Mossack Fonseca Reuters/CARLOS JASSO

Medir com exactidão o impacto dos casos de planeamento fiscal agressivo nas contas públicas dos países é um exercício difícil e incerto que não se encerra num só número; mas há estimativas ajudam a quantificar essas perdas reais. E, agora, há um número (ou melhor, três) que permite ter uma ideia aproximada de quanto é que os esquemas de evasão revelados na investigação jornalística dos Panama Papers terão custado aos países da União Europeia.

A receita tributária perdida andará algures entre 109 mil milhões de euros e 237 mil milhões, segundo uma equipa de peritos da Direcção Geral dos Serviços de Estudos do Parlamento Europeu (PE) que, para chegar a estes cálculos, usou como referência o ano económico de 2015.

Os técnicos assumem que extrapolar estes impactos para o conjunto dos 28 países da União é um exercício “muito difícil”, com limitações na forma como os dados se podem comparar, e, por isso, o intervalo dos valores que apresentam é lato; mas a partir desses valores, assumiu-se como cenário central que a perda de receita rondará os 173 mil milhões de euros.

O estudo, concluído em Abril e publicado no site do Parlamento Europeu (PE), não representa uma posição oficial da instituição – é um documento técnico elaborado pelo gabinete de estudos, a pedido da comissão de inquérito aos Panama Papers (conhecida como comissão PANA, da qual a eurodeputada do PS Ana Gomes é vice-presidente).

Os técnicos começaram por realizar estudos sobre oito países com estruturas e dinâmicas económicas diferentes (Alemanha, França, Espanha, Reino Unido, Dinamarca, Polónia, República Checa e Chipre) e com base nesse cenário fizeram uma extrapolação para o conjunto dos actuais Estados-membros da UE, com os devidos ajustamentos. Não estão especificados os impactos para cada um dos 28 países. Mas há uma conclusão: as estratégias de planeamento fiscal reveladas pelos Panama Papers e casos semelhantes “reduzem directamente os fundos disponíveis às autoridades nacionais”.

Em relação aos oito países que serviram de ponto de partida, houve uma redução de receita na ordem dos 19 mil milhões de euros por causa da erosão da base tributária e da “transferência de benefícios” de que as empresas ou contribuintes individuais usufruíram por recorrerem às formas de planeamento encontradas nos Panama Papers.

No centro da investigação estão 11,5 milhões de documentos da firma de advogados panamense Mossack Fonseca obtidos pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung, que partilhou esse manancial de informação com os parceiros do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI), entre os quais está o semanário Expresso.

Foi com base na estimativa dos 19 mil milhões de euros daqueles oito países que os peritos chegaram ao intervalo de 109 mil milhões a 237 mil milhões de euros para os 28 países da UE. “A amplitude da perda fiscal atribuída aos esquemas revelados pelos Panama Papers é muito considerável”, vinca a equipa técnica, sublinhando que a quebra representa entre 10% a 24% do valor que estava estimado para toda a evasão fiscal na União Europeia em 2011: 956,2 mil milhões de euros.

Empregos perdidos: 1,5 milhões 

Só a perda de receita em IRC ronda os 81,4 mil milhões de euros, assumindo que terá havido uma erosão da base tributária de 352 mil milhões de euros com os casos que passaram pela Mossack Fonseca.

Perante as revelações do CIJI, as autoridades tributárias dos vários países começaram a investigar os contribuintes encontradas nos documentos da Mossack Fonseca. E já são mais de 6500 as pessoas e as empresas que estão a ser averiguadas pelas administrações fiscais; no caso de Portugal, o fisco percorreu a base de dados publicada pelo ICIJ fazendo um levantamento dos 223 sujeitos passivos relacionados com o país e avançou com “acções junto de alguns dos visados”, como o PÚBLICO já noticiou.

A somar aos impactos nas receitas em impostos há ainda que fazer a conta aos impactos indirectos que vão para além do reflexo directo nas contas públicas. Primeiro, o estudo lembra que, havendo menos cobrança, há um impacto no nível das despesas que os Estados atribuem a “sectores públicos como a educação ou a saúde, mas também a áreas com potencial de crescimento do emprego (por exemplo, apoio às empresas, investimento em infra-estruturas, medidas de desenvolvimento regional)”. E há ainda que ter em conta que os casos revelados com os Panama Papers repercutem-se num “aumento da distribuição desigual das receitas fiscais e das desigualdades de rendimento tanto entre países como dentro dos países”.

Supondo que não teriam sido perdidos em impostos 173 mil milhões, se um valor idêntico tivesse sido consagrado a “programas de criação de emprego”, teriam sido criados 3,5 milhões de postos de trabalho, calcula a mesma equipa. Os economistas sublinham que aqui não há uma relação de um para um – ou seja, a receita não seria teoricamente alocada na totalidade a apoios à criação de emprego – e por isso fazem uma outra estimativa mais conservadora, admitindo que poderiam ter sido criados 1,5 milhões postos de trabalho. Também neste caso, insistem, os impactos seriam sempre “muito consideráveis”.

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