Os pagamentos em atraso estão a acelerar falências e a aumentar o desemprego

Empresários assinam compromisso para pagar a horas e criticam hábito cultural que está a minar a sobrevivência da economia.

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Em cinco anos, os atrasos de pagamentos empurraram mais de 70 mil pessoas para o desemprego Paulo Pimenta

António Pinto Leite, presidente da Associação Cristã dos Empresários e Gestores (Acege), diz que o tempo de “falinhas mansas” acabou. Depois de duas iniciativas sem grandes resultados práticos, a Acege volta a tentar, mais uma vez, colocar o tema dos atrasos dos pagamentos a fornecedores na agenda pública e política. A associação juntou-se, agora, ao Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (IAPMEI) e à Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) que, nesta quarta-feira, se comprometeram a não esquecer esta “questão dramática”, acentuada pela crise.

“Pagar a horas é o mínimo ético empresarial”, diz António Pinto Leite, sublinhando que o “egoísmo empresarial está profundamente enraizado na cultura” portuguesa. Os representantes das empresas, ordens profissionais (economistas, contabilistas, engenheiros e revisores oficiais de contas), universidades e 25 organizações assinaram o compromisso Pagar a Horas, Fazer Crescer Portugal, em que defendem publicamente que pagar dentro do prazo é uma obrigação. Estas entidades comprometem-se a promover o cumprimento da lei e apelam ao Estado e às grandes empresas “que cumpram” e assumam um papel exemplar.

De acordo com um estudo da Intrum Justitia, em 2013 as empresas demoraram em média 85 dias a pagar uma factura (atraso médio de 35 dias face ao acordado). Já o Estado paga muito mais tarde: 133 dias para liquidar uma factura, 73 dias depois do que era suposto. Ainda assim, face a 2012, conseguiu pagar seis dias mais cedo. No total, entre administrações públicas, empresas do Estado e hospitais EPE, as dívidas somam 2602 milhões de euros, de acordo com a síntese da execução orçamental de Setembro. Mais de metade do bolo refere-se a despesas não pagas pelas autarquias.

As consequências dos atrasos de pagamento são visíveis no tecido empresarial. Um inquérito da Intrum Justitia diz que 74% das empresas prevêem perdas de rendimento e 66% dizem que este problema está a impedir o crescimento. Além disso, e de acordo com um estudo encomendado pelo programa Liderar com Responsabilidade, e realizado pela consultora de Augusto Mateus em 2011, 20% das PME tiveram de despedir pessoas devido às dificuldades de tesouraria. Entre 2006 e 2011, o atraso nos pagamentos provocou o despedimento de 75 mil pessoas. E originou 25% das falências na Europa.

“O Estado aparece aqui como o grande álibi para que as empresas não paguem a horas. Muitas não pagam porque não querem”, disse António Pinto Leite. Uma das sugestões da Acege é que, por exemplo, o IAPMEI condicione o acesso a distinções como a PME Excelência a quem não pague a horas. “As empresas têm lindas políticas de responsabilidade social e não cumprem o mínimo ético que é pagar a horas”, atira.

Luís Filipe Costa, presidente do IAPMEI, diz que este é um “problema seríssimo, que faz atrasar a economia”, mas que tem causas profundas. Há uma “questão cultural”, disse, citando o ditado “Pagar e morrer quanto mais tarde melhor”. “É verdade que o Estado não paga, mas este álibi é usado em excesso para compensar as nossas próprias faltas”, afirmou. Outra das causas é a “subcapitalização crónica das PME, que concorre para agravar a situação”.

Por seu lado, António Saraiva, presidente da CIP, identificou o atraso nos pagamentos a fornecedores como “um dos principais problemas”, num contexto de financiamento escasso. “Se o Estado pagasse às empresas aquilo que lhes deve (…), era um balão de oxigénio para as tesourarias das nossas empresas e, provavelmente, evitaríamos muitas falências, coisa que até agora não conseguimos”, disse, acrescentando que as empresas não resistem à falta de crédito e aos atrasos constantes de pagamento. “Esta má prática está a asfixiar e a matar as nossas empresas”, diagnostica.

O presidente da CIP defendeu ainda que parte do dinheiro destinado a recapitalizar a banca (12 mil milhões de euros no total) seja usado para amortizar as dívidas do Estado aos seus fornecedores. Uma ideia partilhada por Augusto Mateus, consultor e economista. “Não podemos capitalizar a banca e não capitalizar as empresas”, defende.

De acordo com o inquérito da Intrum Justitia, 85% das empresas dizem que o Governo não está a fazer tudo o que pode para ajudar as organizações a protegerem-se dos atrasos. Franquelim Alves, responsável pela gestão de fundos comunitários no Programa Operacional Factores de Competitividade (Compete), lembra que não faltam leis para obrigar ao cumprimento dos prazos. Mas os efeitos práticos tardam a sentir-se.
 
 

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