Os factos na documentação oficial, as notícias e as explicações no BCP

O que nos dizem os factos expostos na documentação oficial, os relatados pela comunicação social e os recolhidos pelo PÚBLICO sobre o relacionamento do ex-procurador com o BCP.

Foto
Pedro Cunha

Em 2011 o líder da Sonangol, com assento no Conselho Superior do banco, é “apanhado” numa investigação sobre o branqueamento de capitais. No Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) o procurador que fica com o processo é Orlando Figueira.

Figueira investigara uma queixa do Estado angolano contra empresários portugueses, suspeitos de terem desviado fundos estatais angolanos de 130 milhões de euros destinados a serem aplicados no Banif. Mas o caso acabou por ser arquivado e Angola indemnizada. O mesmo magistrado tinha averiguado o caso BES Angola.

A 21 de Abril de 2011 os procuradores lusófonos juntam-se em Luanda para debater o tema da corrupção. Um deles é Orlando Figueira que intervém no painel dedicado à luta contra o branqueamento de capitais.

A 7 de Dezembro de 2011, Orlando Ribeiro recebe um empréstimo de 130 mil euros do Banco Privado Atlântico (BPA) Europa por um período de 11 meses, sem dar garantias reais. Tal como lembra o Ministério Público, no banco luso-angolano tinha estado até 18 de Abril de 2011, José Iglésias Soares, lugar que deixou para integrar a gestão do BCP. À frente do BPA está Carlos Silva, também accionista da Interoceânico, que tem cerca de 2% do BCP. Carlos Silva era (e é) também vice-presidente não executivo do BCP.

A 27 de Dezembro de 2011, em plenas férias judiciais, a acusação lembra que Orlando Figueira pediu à PJ o processo relacionado com Manuel Vicente para o “fotocopiar”, tendo de seguida dado conhecimento do seu conteúdo aos círculos de Manuel Vicente.

A 29 de Dezembro de 2011, Orlando Figueira requere junto do Conselho Superior da Magistratura uma licença sem vencimento de longa duração, justificando que a sua remuneração não era compatível com os encargos bancários que assumira antes de terem sido decretados os cortes aos vencimentos dos magistrados. Era o que o levava a procurar trabalho na esfera privada.

A 18 de Janeiro de 2012, Orlando Figueira recebe luz verde para entrar em licença sem vencimento a 1 de Setembro. Pouco depois, a comunicação social dá como certo que o ainda procurador vai ingressar em sociedades angolanas, nomeadamente, no universo da Sonangol. Fala-se ainda na sua ida para o BIC ligado a Isabel dos Santos. Orlando Figueira é aconselhado por colegas do Ministério Público a afastar-se dos processos que tinha em mãos associados, nomeadamente, a figuras do Estado e outras individualidades de Angola.

A 30 de Janeiro de 2012. Manuel Vicente deixa a Sonangol para ser nomeado ministro do Estado e da Coordenação Económica.

A 20 de Fevereiro, em declarações à Lusa, Orlando Figueira mostra-se agastado com as notícias que o dão a ir trabalhar para o BIC. Defende não existir qualquer incompatibilidade legal ou impedimento de ordem ética ou moral dado que nem Isabel dos Santos, a filha do presidente angolano, nem o BIC foram alguma vez arguidos em processos por si investigados. Mas um dia depois, é o BIC que vem publicamente clarificar que não o contratou.

Em Maio de 2012, no departamento de compliance do BCP há mudança de cadeiras: o director Carlos Albuquerque é transferido para a área da gestão de compra de meios, substituído por Isabel Raposo, que era a subdirectora.

A 1 de Setembro de 2012, Orlando Figueira entra em período indefinido de licença sem vencimento.

Entre Outubro e Novembro do mesmo ano, Iglésias Soares junta-se várias vezes com Orlando Figueira nas instalações do BCP, no Tagus Park, em Oeiras, onde funciona a administração. Os dois tinham sido colegas na faculdade. 

A 31 de Outubro, Iglésias Soares, em nome do BCP, e Orlando Figueira celebram um contrato de prestação de serviços que contempla uma avença mensal (por 12 meses) de 3500 euros brutos. O ex-procurador não integra os quadros da instituição, que está prestes a entrar em ebulição. Por via do pedido ao Estado, em 2012, de um financiamento (CoCos) de três mil milhões de euros, Nuno Amado vai arrancar com um plano de redução de 20% do seu quadro de pessoal até 2017 (cerca de 2000 colaboradores).

Mas é só a 27 de Novembro de 2012 que a Comissão Executiva do BCP debate a proposta de contratação de um ex-PGR como consultor do departamento de compliance. O Ministério Público refere que o nome de Orlando Figueira foi mencionado na reunião por Iglésias Soares, mas há gestores do BCP que não se recordam de nada.

É nesta altura que é requerido a Carlos Albuquerque que providencie espaço, secretária, cadeira e computador, para Orlando Figueira se instalar. Um colaborador do BCP recorda ao PÚBLICO que Orlando Figueira era uma presença “diária no banco onde exercia funções reais, não fictícias, e chegava a ir aos comités onde se discutem operações suspeitas”. “Tinha um curriculum impecável!”

Em Maio de 2014, chegam os primeiros rumores de que Orlando Figueira poderá estar a passar para fora do banco matéria de clientes de natureza confidencial. É então que o gestor Miguel Maya Pinheiro procura Iglésias Soares. Depois de uma inquirição interna e sem evidências de que os rumores são verdadeiros, os dois executivos entendem que não há razão para o dispensar. E decidem mudar o ex-magistrado para um sector sem acesso a dados sensíveis. O objectivo é evitar danos reputacionais à instituição. E a escolha recaiu sobre o ActivoBank que o BCP colocara à venda e que necessitava de assessor jurídico. E, deste modo, a avença de 3500 euros continuará a ser-lhe paga, agora pelo ActivoBank. Mas nada é então reportado formalmente ao Banco de Portugal, pois a gestão do BCP não tem provas de eventuais irregularidades.  

A 4 de Novembro de 2014, a administração do Banco de Portugal vai buscar ao BCP Carlos Albuquerque para ocupar o cargo de director do Departamento de Supervisão Prudencial. O governador Carlos Costa conhecia bem Albuquerque com quem trabalhara no BCP.

Em 2015, o Ministério Público tem em curso um processo contra Orlando Figueira, que baptiza de operação Fizz. E confirma novo detalhe. E este relevante. É que às contas do ex-procurador no Banco Privado Atlântico chegavam outros depósitos provenientes de empresas subsidiárias da Sonangol. Só que Orlando Figueira não os declara ao fisco e em 2015 decide substituir as suas declarações de IRS referentes a 2012 e 2014. E qualifica então “os valores recebidos de Manuel Vicente como se fossem trabalho dependente”, o que sabia não ser verdade.   

O BPA é referenciado na comunicação social por não ter comunicado às autoridades movimentos financeiros polémicos de Orlando Figueira através da instituição. Fonte do banco disse na altura ao DN que a situação não levantou suspeitas pois “estavam em causa contas tituladas e os movimentos foram justificados pelo cliente que apresentou documentação sobre a origem dos valores movimentados".

No início de 2016 o caso Orlando Figueira já era do domínio público o que leva a Comissão Executiva do BCP a abrir averiguações internas. O objectivo é aferir se Orlando Figueira na qualidade de consultor externo do grupo, no departamento de compliance e no ActivoBank, actuou de forma indevida. E o PÚBLICO apurou que o BCP conclui não haver razões para questionar a actuação do ex-procurador.

Questionado o Banco de Portugal sobre se nesta altura, perante as notícias, fez alguma diligência junto do BCP, fonte da instituição garantiu: “interviemos como nos competia”.

Em Março de 2016, o BCP/ActivoBank dá por terminado o contrato de prestação de serviços assinado, três anos e quatro meses antes, com Orlando Figueira. A 16 de Fevereiro de 2017, o Ministério Público acusa Orlando Figueira e a Manuel Vicente de branqueamento de capitais, corrupção e falsificação de documentos.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários