Os desafios do IRS 2017

O actual Governo tem em mãos um grande desafio para o IRS de 2017: como distribuir a pobreza.

Não me recordo do autor. Lembro-me que o artigo debatia os efeitos do último programa de ajuda externa a que Portugal esteve sujeito e que o autor sublinhava o facto de se ter deixado de discutir como distribuir riqueza e se passou a discutir como distribuir pobreza.

Já não estamos sujeitos a um programa de ajuda externa. Mas estamos longe de poder discutir como distribuir riqueza porque, efectivamente, ainda não existe.

Quando em Outubro de 2012 o então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, anunciou “um enorme aumento de impostos” poucos seriam os que antecipariam que a política fiscal no período de ajustamento fosse apontada, quatro anos depois, como uma das medidas que mais contribuíram para contrariar o agravamento das desigualdades em Portugal.

Mas foi isso que aconteceu no recente e polémico trabalho “Desigualdade do Rendimento e Pobreza em Portugal” publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

O estudo sinaliza que, durante programa de ajustamento, “o agravamento da desigualdade seria certamente mais pronunciado se não tivesse sido acompanhado por um significativo aumento dos impostos directos e da sua eficiência redistributiva”.

O aumento de impostos referido é, no essencial, o anunciado por Vítor Gaspar em 2012: a criação de uma sobretaxa de IRS de 4% para todos os contribuintes (depois acabaria por ser fixada em 3,5%); e a diminuição dos escalões do IRS para apenas cinco. Para além desta tributação, já antes, em 2011, tinha sido introduzida uma taxa adicional de solidariedade que actualmente tributa os rendimentos acima de 80.000 euros em mais 2,5% e os acima de 250.000 euros em mais 5%.

E o “enorme aumento de impostos” ajudou a contrariar a desigualdade porque em Portugal, tal como é referido no estudo da Fundação, “70% do IRS incide sobre o último decil da distribuição de rendimento”, ou seja nos rendimentos mais altos, e “uma larga proporção da população não paga impostos directos”. Logo, “o aumento da carga fiscal gera necessariamente efeitos equalizadores que atenuam ou mesmo contrariam o agravamento das desigualdades geradas no mercado”.

É neste panorama que o actual Governo tem em mãos um grande desafio para o IRS de 2017: como distribuir a pobreza. A equipa liderada por António Costa já fez saber que é objectivo do Governo desagravar a tributação directa em detrimento da indirecta, mas a forma como irá mexer no IRS fará toda a diferença sobre os efeitos que terá na desigualdade em Portugal.

O Governo parece ter abandonado, pelo menos para 2017, a ideia de aumentar o número de escalões do IRS, o que aumentaria a progressividade do Imposto. Assim sendo, resta-lhe garantir essa maior progressividade através de alterações às deduções à colecta.

Por outro lado, o Governo está comprometido com o fim da sobretaxa do IRS em 2017, mas tem em cima da mesa, tal como o PÚBLICO noticiou no passado sábado, a hipótese de o fazer de forma faseada, privilegiando os rendimentos mais baixos, tal como já fez em 2016. Assim, dará mais uma ajuda em termos de progressividade. Tudo isto implica, no entanto, menos receita fiscal.

Este é o desafio que as Finanças terão de ultrapassar, se não quiserem correr o risco de aliviar a carga fiscal, mas aumentar a desigualdade em Portugal.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários